terça-feira, 26 de maio de 2009



sempre viva sempre
a amável artesania das mãos
o trabalho sustentável
a fé e a magia feminina
tecelãs de todas as manhãs
para sempre o sol
o vento no cabelo das meninas
os animais e os insetos
as pedras e o céu
as águas e as plantas
para sempre vivam
as mais belas flores do Capivari
bem ali no pé do Pico do Itambé

terça-feira, 19 de maio de 2009



Ocupação Dandarta. Uma experiência fotográfica

João Evangelista Rodrigues

O ato de fotografar é, em si, invencível desafio. O assunto sempre escapa diante de condições as mais adversas.Acrescenta-se a isto a condição humana do fotógrafo, sua história de vida, sua visão de mundo, seus medos, suas ideologias e neuroses de toda a ordem. E a fotografia? Esta vem? Surge? Constrói-se?
Grande desafio é penetrar em mundos desconhecidos ou que , de alguma forma, não fazem parte do universo do fotógrafo. De sua vivência.De sua classe social.Mundos paralelos, por assim dizer. Como chegar até o objeto de desejo da câmara? Como e quando disparar o obturador , uma espécie de rifle mortal, ante o qual a maioria das pessoas se curvam, por medo, submissão, curiosidade ou vaidade.Como estabelecer um relacionamento humano e cidadão com as pessoas que integram a cena, o cenário, o quadro da imagem: Por que escolhemos esta e não aquela personagem, que muitas vezes, manifesta seu desejo de ser fotografada, fuzilada, com um olhar de sedução ou de súplica?
Estas são apenas algumas das centenas de perguntas que envolvem o ato de fotografar e, para as quais, nunca tenho resposta satisfatória ,pronta e acabada. Neste campo sinto-me sempre no começo a cada experiência.

Ontem, dia 16 de maio, fotografei durante umas duas horas a Ocupação Dandara, no Bairro Céu Azul, em Belo Horizonte, para cobrir uma apresentação de Violeiros , em solidariedade ao movimento. Participaram da apresentação Pereira da Viola, Wilson Dias, Joacir Ornelas , Dimas, Gustavo Guimarães e militantes da Ocupação Dandara.Representantes de vários segmentos socais, como estudantes, apoiaram a manifestação cultural. Este grupo de violeiros, do qual faço parte como compositor, defende a idéia de que a viola deve estar a serviço das causas sóciais e na defesa da cidadania e da sustentabilidde.

Na verdade, fotografei pouco, levando-se em conta meu hábito de fazer muitas fotos em cada saída, para editar ...sempre tive a fotografia na conta das caçadas, das possibilidades, do inalcançável. Daí que faço o máximo de imagens que posso, para escolher, sabe-se como, com que critérios e dúvida, quais?
Enquanto mergulhava naquele mar escuro de barracas, cobertas de lonas pretas, meu pensamento não parava de fervilhar. Caminhar naquelas ruas de papelão e casas sem nada dentro, algumas sem teto, me pareceu caminhar por cenários de ficção, por labirintos imaginários. Não foi medo nem preconceito o que senti.Foi raiva e vergonha de testemunhar esta incômoda presença, de saber que ela faz parte de nossa arquitetura.Ali, bem ao lado de um dos bairros mais charmosos e valorizados da Capital. E, o que mais me chamou a atenção, na volta de meu trabalho foi a certeza de que todos os moradores daquelas mansões e freqüentadores dos restaurantes chiques da região, pareciam alheios a tudo e desfrutavam solenemente as delícias de sua vidinha confortável, nos limites dos valores burgueses.Tranqüilos com sua consciência. Com seus deveres de cidadãos plenamente em ordem. Pelo menos do ponto de vista deles, claro.
Sei que, como fotógrafo, neste curto espaço de tempo, não consegui chegar nem na beira desta realidade. Sequer toquei sua superfície. Caminhei, conversei, cliquei. Recebi belos sorriso de senhores e senhoras idosas, de crianças e e de jovens que ali estão , acampados , de plantão, à espera da sempre adiada solução da lei e da justiça.

Ate dançar, eu dancei, embora este não seja meu forte(rsrs), com uma senhora do acampamento. Fui preso e libertado por uma garota que fazia deste jogo uma forma de obter recursos para os acampados. Depois de preso , alguém paga uma pequena prenda de $R0,50 (cinqüenta centavos) , uma espécie de fiança pelo crime que você não cometeu (rss).Pronto.Você está novamente livre, para ir e vir.Pra desfrutar dos seus direitos de cidadão e dos “confortos e prazeres”propiciados pelo insaciável sistema neo-liberal.Moradia, saúde, educação, alimentação, transporte, cultura...Não é barato?Não é um barato?
Bem, voltando ao ato fotográfico, enquanto me empenhava a captar algumas imagens significativas ao meu propósito: apoiar o movimento Dandara – aviões , verdadeiras mansões luminosas , cortavam o céu de Belo Horizonte, por cima do Bairro da Pampulha.
Cá embaixo, éramos todos um bolinho de gente, pequenas formiguinhas carregadas de grandes sonhos e desejos...os tripulantes e passageiros daquelas espaçonaves, ansiosos como deveriam estar para pôr os pés na terra e voltar para o aconchego de seus lares, nem de cima, nem de longe, deram conga do que estava se passando no acampamento Dandara.
E o fotógrafo, bem, este aprendeu mais algumas importantes lições sobre a vida e sobre o ato de fotografar. Entre as luzes dos aviões e a tristeza de uma escuridão sem água ( a Copasa mandou cortar a água do acampamento) , o fotógrafo optou pela segunda opção.Abismado, como sempre deve ficar todo fotógrafo diante das injustiças históricas, das muitas realidades deste país, chamado Brasil;

segunda-feira, 18 de maio de 2009


Wilson Dias
Viola Caipira:
territórios de resistência
e de identidade da cultura

João Evangelista Rodrigues*

O desafio deste artigo é refletir, dentro de seus limites, sobre o papel de resistência da viola caipira, de dez cordas, enquanto elemento intrínseco de formação da identidade da cultura brasileira. Visa mostrar, também, o caráter visionário e crítico, por que não dizer revolucionário, que a viola, vem assumindo na contemporaneidade, após longo período de ostracismo. Não seria exagero falar de um renascimento do universo caipira, seja por meio da valorização deste instrumento, pela variedade de ritmos que ele proporciona, seja pela nova música que nele se compõe e canta, sem preconceito, antes com admiração, em todo o território nacional. Não pretendo, aqui, entrar em detalhes sobre a origem da viola, suas características técnicas e suas possibilidades estéticas, nem de sua evolução ao longo da história do processo de desenvolvimento sócio-econômico e político cultural brasielrio.

O leitor atento pode perceber, de início, que o que aqui se apresenta não é fruto de uma abordagem acadêmica, fundada em pesquisas formais e sistemáticas, mas nem por isso menos importante, por nascer da vivência, da observação e do contato direto com os diversos segmentos e ambientes que compõem o mundo da viola, hoje, no Brasil. Sendo assim, este modesto texto não tem a pretensão de verdade absoluta nem de esgotar o tema nos limites aqui impostos. Nem precisa dizer da relevância do tema que, aos poucos, vem ganhando respeito e conquistando espaço no mundo acadêmico, como matéria curricular e objeto de pesquisa não só nos Conservatórios e Faculdades de Música, mas em outras áreas do conhecimento, como Comunicação Social, Antropologia, Sociologia, por exemplo.

Portanto, nada mais se espera do leitor que, no final deste artigo, ele se desperte para a riqueza do universo da viola e sobre sua importante presença na paisagem humana e sócio- cultural da vida cotidiana brasileira. Feitas estas ressalvas já é hora de avançar um pouco mais rumo ao universo da viola caipira e mergulhar no coração brasileiro.Que neste itinerário, o leitor atente ler de maneira aberta e sem preconceitos e releve caso já tenha conhecimento ou domine, com maior autoridade, alguns conceitos aqui apresentados. Pois, ao homem do campo, que veio do meio rural, nos braços de quem a viola floresce e canta, é própria a humildade, sem submissão, a curiosidade, sem arrogância, a doação e a troca sem intencionar, de antemão, lucros ou vantagens imediatas.

Ao contrário, fazem parte do complexo caráter desse homem, dono de sabedoria e de comportamentos bastante peculiares, a cordialidade e a coerência entre o pensado e o vivido, entre suas crenças, sua religiosidade , seus mitos e o seu cantar. De mesma forma, sua ética, exigente e cuidadosa, apreendida com a natureza da qual depende, e com a qual sua vida e sua existência em muitos pontos se confundem.

E neste universo natural, de vida social incipiente que a viola floresce. Melhor dizendo, refloresce, após anos sumiço do repertório caipira, apagamento pela mídia e esquecimento pelo publico consumidor de musica. A viola caipira só não desapareceu, de vez, da paisagem cultural e musical brasileira, porque, ficou, durante anos – sobretudo entre as décadas de 70 a 90, resguardada no ambiente sagrado da religiosidade popular. Quer dizer sob a proteção das bandeiras das Folias de Santo Reis, do Divino, de São Benedito, de São Gonçalo e as festas de romaria. Manifestações populares profanas, de cunho lúdico e festivo como nos bois de janeiro, mutirões e bailes de roça, também serviram de santuário da viola caipira, seja preservando ou resgatando ritmos como o coco, samba de roda, batuques, cateretê, moda de viola, desafio e repentes e muitos outros ritmos enraizados nos gosto e na sensibilidade do homem rural.

Se por um lado, desde sua chegada ao Brasil, na época do “descobrimento”, com os jesuítas, a viola assumiu um papel de certa forma, pacificador, domesticador, e, portanto, conservador, não se pode ignorar , por outro, que ela possui uma natureza aglutinadora, festiva, lúdica, misteriosa e mágica. São estes últimos aspectos que fazem da viola caipira um símbolo de resistência e de identidade da cultura brasileira. Nem mesmo os interesses políticos e econômicos, a submissão de alguns segmentos culturais e de alguns grupos ao poder , conseguiram abafar esta força intrínseca que mora no cerne mesmo da viola.Harmonia e desejo de liberdade e de libertação que vibra em suas cordas finadas e encontra abrigos em seu braço , sempre disposto a lutar contra as injustiças e imposições.


Também a meio-caminho, entre a cidade e o campo, um entre-lugar, os bairros mais pobres e periféricos, onde a cultura popular continua resistinto ao massacre, às investidas da mídia, da massificação, termo fora de moda que, à falta de melhor opção , utilizo-o aqui. São massas de trabalhadores anônimos que tentam sobreviver com seus familiares com as mínimas condições possíveis. Neste quase não –lugar persistem núcleos, grupos, pessoas que ainda guardam os vestígios da cultura popular , oriunda do meio rural, como verdadeiras relíquias do patrimônio espiritual e cultural de nossa gente. Mesmo explorados, como mão de obra barata e não especializada, pela sociedade, violentados pela realidade sócio-econômica e vulneráveis aos efeitos da mídia, estes grupos tentam manter a tradição e as transmitir às novas gerações,presas fáceis de “produtos culturais” da moda, de gosto duvidoso, e de outras bugigangas impostas pelo mercado neo-liberal.

É verdade que grande parte das composições , consideradas obras primas, clássicos da música de viola, soam ingênuas diante das contradições sociais, reforçando e projetando conceitos e valroes que só interessam ao mandatários históricos e donos dos meios de produção , coronéis, latifundiários, industriais: em suam da elite agrária e industrial brasileira. Ao mesmo tempo, sempre existiu e, atualmente, com maior evidência, um número significativo e cada vez maior de compositores e de pessoas e grupos, cuja obras reflete visão crítica e postura engajada, não só diante das grandes questões como dos desafios planetários.

Que se der ao trabalho de buscar, de pesquisar, de parar e ouvir verá que a música de viola tem conteúdo forte.Fala da realidade trágica e contundente não só do Brasil, mas de um mundo global em vertiginosa mudança, a cujas conseqüências ninguém escapa. São mudanças que exigem de cada cidadão, onde ele se encontra, uma disposição de mudança e de adoção de uma “ética do cuidado, como bem propõe o conceituado teólogo e estudioso Leonardo Boff”.

Nesta perspectiva vem atuando entidades, instituições como Associação Nacional dos Violeiros do Brasil, o MST, Ongs e artistas e grupos de artistas espalhados por todo o pais. E o mais importante, importante; todo este trabalho reflete a alegria, a luminosidade, a força e energia que vem da Viola Caipira. É em torno deste instrumento sagrado, de seu bojo, que vem os acordes da alegria e as vozes da esperança de um Brasil mais justo, mais livre .Um Brasil festeiro e sincero Se me permite o leitor, vou fazer a defesa da viola , através desses versos feitos a singeleza e o carinho que a viola merece.

em defesa da viola

eu defendo a viola
pelo que tem de beleza
este instrumento chora
de alegria e de tristeza
quem quiser ser violeiro
tem que ter honra e nobreza

sei que a viola é bonita
mais bela do que princesa
parece moça de chita
em festa de realeza
quem quiser ser violeiro
tem que amar e ter destreza

minha viola é singela
mas é cheia de grandeza
o que sai de dentro dela
é a voz da natureza
quem quiser ser violeiro
tem que chegar de surpresa

eu defendo a viola
pelo que tem de certeza
pelo força da memória
por toda sua leveza
quem quiser ser violeiro
que jogue as cartas na mesa

minha viola é festeira
não gosta de viver presa
nas festas da padroeira
canta com fé e firmeza
quem quiser ser violeiro
que mostre sua proeza

a viola eu defendo
com amor e com brabeza
quando canto eu me rendo
à sua delicadeza
quem quiser ser violeiro
tem que vencer a riqueza

cada violeiro a seu modo
fez sucesso na defesa
todos juntos neste mote
vamos cantar com clareza
os violeiros e a viola
são sinceros companheiros

será isto o amor
mistério de pássaros
sob o céu sem fim
será isto
parede inevitável
trágica arquitetura
será isto
este mar de cores
linguagem e silencio

o amor não sei o que será
só sei que sinto
mesmo sem saber
o sabor deste momento
imóvel labirinto

quinta-feira, 14 de maio de 2009


amigos
são poucos
contam-se nos dedos
aprendem-se com a vida
com os segredos do tempo

amigos
são pouquíssimos
não se perdem
no lirismo dos temas
nos enredos e trâmites
da estrada mal sinalizada

convivem em silêncio
o amigo essencial
ao primeiro sinal ressurge da penumbra
ilumina

amigos não se perdem no percurso do medo