segunda-feira, 31 de janeiro de 2011


na base a pedra
a pedra de toque
o tempo só
metamorfose
de tudo em tudo
verbo de pedra
de água e sol
sem ornamento
sem apanágio
a pedra só sua voz
pelo atrito do vento
se ergue

domingo, 30 de janeiro de 2011


o fulgor da palavra
cega teus sentidos
todo o cuidado é pouco
não há lucidez no entusiasmo
no ritmo asmático do poema
no coração ferido

deia que o difícil rigor
do ofício
seja teu ânimo e teu limite

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011


letra a letra
o poema do futuro
ao fluxo da leitura
se oferece
mal você se curva
sobre a palavra
nuvem
o poema desaparece

o mundo muito
eu pouco
o tempo curto
o homem louco
o invento mudo
o novo choco

depois do porre etílico
o eu lírico
regurgita
vomita a fala
se agia faz discurso
de gala
cambaleia
quebra a cabeça
na sarjeta
briga com o outro
o poeta empírico
na anti-sala literária
mal se olham
os dois
se desenrolam pela escada
da palavra a baixo
a poesia ri do ritual
do escracho
exonera a metáfora
dispensa cosméticos

prefere
o sentido lato
o silêncio meta-científico
o dissenso
o desde sempre
artefato poético

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011


o sapo a lesma
a casca da ostra
toda a miudeza
o sol pela fresta
o gafanhoto
o graveto
o risco o rabisco
a escrita]
lamparina acesa
o erro
o vidro vazio
no fundo da gaveta
o que da mesa
do mundo resta
a poesia solta
a língua tesa
o poema triste
em dia de festa

tudo isto me interessa

após a incessante multiplicação
do verbo
das indefinitivas constelações
de signos
ao que por dentro se mutila
ou acrescenta
prefiro
o mínimo não dito
o que em silêncio reverbera

por um segundo
esqueço
todos
todos os ruídos do mundo

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011


o conteúdo não é tudo
nem tudo forma lúcida
nem tudo lúdico
nem tudo ornato
nada inato surge
a luz ilude o olhar do crepúsculo
o molusco fusco do discurso
muda conforme a voz se curva
conforme o véu da chuva ácida
conforme tudo a tudo se dá
se alude
dúbio salto sem alma
sombra sem fundo
sangue e chumbo
suga
no túnel da linguagem
tudo principia
o fogo na pira
no tubo de ensaio
nada se salva
tudo vira poesia

domingo, 23 de janeiro de 2011


tudo
no sertão acontece
tudo de rio
desce
sem margem
á vista
sertão de sertão se tece
Irradia
o incerto sol
dúbia travessia

sábado, 22 de janeiro de 2011


porque desejas a eternidade
se nada sabes
de teu passado imemorial
se menos ainda
conheces teu presente
sem significado

o que há na eternidade
senão a saudade dos dias
finitos
e a melancolia sem fim
a certeza de que nada mais acontecerá

porque ainda desejas a eternidade

terça-feira, 18 de janeiro de 2011



ao olho tudo é dardo
o referente deserto
o já descrito na pele
o poema do poente
o verso delirante
o amor ao dente
o pomar a ponte
o poeta mais de perto
ilude o sapo
o sábio ignorante
elide e corta
edita o olho do outro
sempre de olhar distante
no outro olho olha
olha olho por olho
dentre por dente
pela palavra luta
escolhe escreve
escova a verve
traduz de pedra
a luz
como quem talvez
namora
na morte
o já lá fora
o olhar caolho
entorta o objeto
o encalhe
encobre a metáora
o dialeto pobre
do editor classista
do poeta ex-nobre
tudo o que produz
de novo nasce
no cardápio da moda
olho de peixe morto
molho de inseto
piolho de cobra
o olho da placa
luminoso morde
a crosta
a casta cartilagem
da ostra
o mundo pela palavra se produz
pelo avesso da linguagem
move

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011


a tragédia do Rio
dita de outra forma


água seu curso
de enigmas e desconstrução
seu discurso livre de sintaxe
de complementos
segue só água a morte
e suas desconexas
conotações
segue só água
a mídia cega
no útero das nuvens
do vento sem adjetivos
segue só água
o mito do dilúvio
a rebeldia dos anjos
a queda dos montes
o que de água se arrasta
a terra a mata
floresta e casas
cavalo e ponte
nem se salva
na arca
segue só morte
de pedra e pânico
a água do batismo
estranha fonte
do sótão da palavra chuva
segue só lama
a morte sem luvas
só água de antes
só lâmina e mácula
arame e magma
a máscula mortalha
o bruto abutre de alivião
segue só água por onde
sua língua alcança
do mundo o coração
só água onde antes bebia
não bebe mais no espelho
o homem
a onça
água e pedra de irmandade
se imantam
lixo e diamante
se dividem em prantos
sege só água
tinge de sangue o horizonte
só água em cachos
em cântaros
de mapas sem nome
segue que água bebe
mesmo sem fome
come da cidade a alma
o cerne
segue de água a língua
se multiplica em signos
e ditames
em sigilos
os dilemas
os reclames
segue só água
seca do homem
o desejo
o orgulho
a infâmia
segue só água
penetra
perfura
afaga
afoga
sufoca avança
perpetra a hecatombe
segue só água a linguagem da chuva na montanha
nem santa
nem satânica
sua semântica dissonante
segue só água sertânica
de janeiro a março
sem bossa ou máscara
água só marcha
de sombras sonâmbulas
na direção do Atlântico

só água seu discurso irônico
a arquitetura do idioma
não a imagem da água
a água mesma
sua viagem anômala
seu discurso multiforme
polifônico
ninguém escuta
o barulho da chuva
o ritmo da musica
o embrólio de tudo
o rumor das sombras
o discurso d’água
pela água se dissolve
arrebenta a língua
por dentro de si mesmo
o vasto dicionário de abismos
a cidade da palavra
tomba

domingo, 16 de janeiro de 2011


nem toda leitura
fecunda a consciência
lugar secreto
ler conforme seja
a biblioteca
o gosto da cereja
entorta os olhos
amassa a bunda
encobre o objeto
melhor voar
feito mosca vagabunda
deixar a vista
viajar ilesa pela janela
da paisagem aberta sobre a mesa

sábado, 15 de janeiro de 2011



o discurso das águas


o mundo todo quer entender o discurso das águas
o curso de seu vocabulário rio
estreito dicionário
em sua fúria de destrutivos pronunciamentos
os hermeneutas procuram o sentido oculto na lama
nas dores de Jó
nas ruínas do jardim do Édem
os semióticos analisam vestígios
o que do litígio urbano sobreviveu
os arqueólogos dialogam
com os bombeiros em tristes escavacações
de sentidos e sentimentos
os políticos proclamam
prometem
se acusam
denunciam falhas do sistema
falsas interpretações
eternos dilemas
adiam verbas
conjugam verbos de intransitivo amor
de pretéritas emergências e decisões
os comunicadores usam e abusam
da sede de verdade
dos homens incrédulos
os marqueteiros de plantão
faturam com a audiência
e novas campanhas pluviométricas
os homens de negócio negociam novas situações
calculam os pontos e as vírgulas
lêem como sabem e querem as ondulações das letras
nas vertentes devastadas
assassinam novos contratos e convênios
de conveniência mútua
os homens públicos ficam mais públicos
choram lágrimas de crocodilo
em nome do bem comum
os místicos fazem mágicas
acendem velas
queimam incenso para os deuses atléticos
inacessíveis e seguros
em seus reinos míticos
guarnecidos por anjos
por tropas de elite
as companhias de seguro
ficam de olho no futuro ameaçado
enquanto isso as águas caem do céu
dos infernos das nuvens
dos telhados
assustam homens e bichos
aves e pedras
plantas e animais domésticos
arrebentam muros
furam paredes
derrubam casas
invadem igrejas
granjas
fábricas de brinquedos
templos e estádios

a temporada de chuvas continua
profetiza a moça do tempo
o serviço de meteorologia
no seu afã de dizer
as águas engolem escolas e bibliotecas
out-doors e placas luminosas
comem estradas e sinais de transito
espalham o vento do medo
sua lição de humildade

o livro da natureza ao se deixa ler
pela razão humana
que a si mesma se arrasa

o discurso das águas se reproduz
em filetes e simulacros
em risos e tempestades de sentidos
saltam das páginas infinitas do universo
rugem rangem rasgam vomitam água e fogo
a ira de Netuno que tudo ununda
rolam com os cadáveres dos homens e das coisas
pelas encostas
desfilam com os mortos pelos morros amassados
pela ruas e avenidas mascaradas
ruflam tambores
entoam marchas fúnebres
pelos becos e esgotos
pelos canais todos da convencional incomunicação

as bocas anônimas cantam hinos
solidários
juntas se iluminam

as águas e sua linguagem insípida
inodora encantadora polissemia de enigmas
com seu discurso indecifrável
tudo liquida
tudo esmaga com sua força natural
sem regime
sem lei

nada estanca o sofrimento
o silêncio do Planeta sonâmbulo
diante de tantas palavras e idiomas

o mundo todo quer entender
o grito solitário
o discurso das águas sem sono

............................

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011


o urubu não precisa de poesia
nem o tatu de terra macia
a cotovia canta sua própria melodia

somente o homem necessita da canção
para viver suportar seu dia a dia

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011


para este poeminha fim de tarde
aproveito pingos de chuva da vidraça
dejetos de pássaros
de gorjeios no passeio público
retalhos de uz no lusco-fusco
sobremontanhas
tudo o que sobreviveu na cidade sem alma

terça-feira, 4 de janeiro de 2011


já não me basta fazer silêncio
há muitas vozes no deserto
Já não me basta ficar quieto
há muito movimento
no universo
solidão é tudo o que almejo
não a solidão do desejo
da ausência alheia
no fundo dos espelhos
falo da profunda solidão
da maior de todas

a que talvez
nenhum homem alcançará
a que nunca conquistarei

domingo, 2 de janeiro de 2011


escrevo e assino
escrevo contra a desesperança
contra tudo o que sobre vários estilos
e desculpas
me quer escravo
a cada manhã me assassina