segunda-feira, 17 de janeiro de 2011


a tragédia do Rio
dita de outra forma


água seu curso
de enigmas e desconstrução
seu discurso livre de sintaxe
de complementos
segue só água a morte
e suas desconexas
conotações
segue só água
a mídia cega
no útero das nuvens
do vento sem adjetivos
segue só água
o mito do dilúvio
a rebeldia dos anjos
a queda dos montes
o que de água se arrasta
a terra a mata
floresta e casas
cavalo e ponte
nem se salva
na arca
segue só morte
de pedra e pânico
a água do batismo
estranha fonte
do sótão da palavra chuva
segue só lama
a morte sem luvas
só água de antes
só lâmina e mácula
arame e magma
a máscula mortalha
o bruto abutre de alivião
segue só água por onde
sua língua alcança
do mundo o coração
só água onde antes bebia
não bebe mais no espelho
o homem
a onça
água e pedra de irmandade
se imantam
lixo e diamante
se dividem em prantos
sege só água
tinge de sangue o horizonte
só água em cachos
em cântaros
de mapas sem nome
segue que água bebe
mesmo sem fome
come da cidade a alma
o cerne
segue de água a língua
se multiplica em signos
e ditames
em sigilos
os dilemas
os reclames
segue só água
seca do homem
o desejo
o orgulho
a infâmia
segue só água
penetra
perfura
afaga
afoga
sufoca avança
perpetra a hecatombe
segue só água a linguagem da chuva na montanha
nem santa
nem satânica
sua semântica dissonante
segue só água sertânica
de janeiro a março
sem bossa ou máscara
água só marcha
de sombras sonâmbulas
na direção do Atlântico

só água seu discurso irônico
a arquitetura do idioma
não a imagem da água
a água mesma
sua viagem anômala
seu discurso multiforme
polifônico
ninguém escuta
o barulho da chuva
o ritmo da musica
o embrólio de tudo
o rumor das sombras
o discurso d’água
pela água se dissolve
arrebenta a língua
por dentro de si mesmo
o vasto dicionário de abismos
a cidade da palavra
tomba

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