sábado, 17 de fevereiro de 2007

Triálogo II
Sua excelência o leitor ou
os segredos da boa leitura

Quais os segredos da boa leitura? Você considera-se um bom leitor? Dar respostas satisfatórias a estas questões é desafio sem fim. Na ambiente acadêmico, lugar de vaidosas disputas, elas causam controvérsias e discórdias. Narizes torcidos! Entre intelectuais e artistas das diversas áreas, provocam apaixonados debates e confusão. Quanto ao leitor, ou melhor, aos leitores, já que existe uma gama de classificações desse animal exótico e fugidio, penso que estão pouco se lixando para essas querelas. O problema é que os segredos da boa leitura envolvem diretamente esta figura polêmica e invisível, heterogênea e dispersa. Não raro, dispersivas.
Não quero ser chato, mas antes de passar a frente, de tatear os meandros da leitura, gostaria de saber em que condições você etsá lendo estas linhas,m agora. Estaria confortavelmente acomodado em uma destas, que mais parecem camas. Ou estaria mesmo deitado? Vou ariscar um palpite: excelentíssimo leitor deverá estar em algum bosque imaginário. Sozinho. Embebido de pensamentos e imagens que nunca virão à luz. De pé, na fila de algum destes desaforados bancos.Não, isto não desejaria jamais para nenhum leitor, mesmo aquele mais ranzinza e detalhista. Esteja onde, como e com quem estiver quero lhe dizer mais uma vez que sem você todo texto escrito, independente do suporte, não passaria de um defunto vencido. Não precisa ficar intimado com meus elogios. É uma questão de justiça, uma verdade imposta pela realidade. Não lhe faço nenhum favor, portanto! E tem mais não estou me referindo só a esta simpática pessoa com quem estou conversando, agora, mas do outro leitor, de seu duplo, um personagem literário, co-participe da construção deste texto que está demorando a se desenrolar. O jogo, como se vê, é mais interessante e complicado. Um quebra cabeça sem fim.
Você, meu amigo, se me permite trata-lo assim, apesar de nossa tão curta convivência, é deveras importante. Importante e misterioso. Tão misterioso que os estudioso, os ditos cientistas, com todo o meu respeito, não conseguem entrar em um acordo quanto a sua identidade. Daí que para lhe dar um nome, fazerem uma denominação exata e digna de sua magnitude, inventam muitos apelidos, para dizer praticamente o mesmo fenômeno. Você pode se situar, por exemplo, entre os leitores virtuais, leitores ideais, leitores-modelo, superleitores, leitores projetados, leitores informados, arquileitores, leitores implícitos, metaleitores... Gostou? Se você me acompanhou até aqui por curiosidade, consideração ou por puro prazer, arisco lhe dar mais um epíteto: que tal leitor-paciente, “leitor-fashion”? Em qual destas classificações você acha que se enquadra? Não, não precisa me responder. Aqui, toda a decisão é sua. Com e em todos os sentidos.
Neste momento, no ato mesmo da leitura deste texto/duscurso/midiático o que estararia pensando o leito? O meu leitor, se assim posso dizer. Estaria sério? Atento? Interessado ou doido para chegar ao final do caminho? Curioso para saber aonde, após tantas encruzilhadas, pistas e atalhos, essas palavras em rede pretendem levá-lo. Não se iluda com as promessas que nem cheguei a formular ao longo deste escrito, pois, podem não passar de moinhos de vento, de conjecturas. Nada que mereça crédito incondicional. Antes duvide. Pergunte. Levante. Vá ao dicionário. Ao banheiro, se precisar. Tome café. Descanse os olhos. Olhe pela janela da sala, do texto. Se necessário use faca, estilete, canivete, mas remova os entulhos, levante as linhas e observe bem entre as malhas da rede. Discuta o que aqui não se mostra com sua esposa, irmão, namorada, amigos. Se estiver sozinho, não se perturbe. Discuta com você mesmo. Seja exigente. Não continue aí feito uma taça de cristal à espera de bom vinho. Entregue-se à leitura. Embriague-se. Deixe-se prender. Voe se assim o desejar.
Os segredos da boa leitura, se você esta me ouvido e tentando-me, sobretudo, naqueles pontos sobre os quais desentendemos, não existem. Pelo menos como em um catálogo de endereços, com seguras referências. Os segredos da boa leitura estão no ato de ler. No processo de caminhar, nadar, pedalar voar sobre a superfície lisa ou acidentada da linguagem e da língua, de espectros diversos e enigmáticos. Talvez por isso é que certa vez escrevi: a língua pátria me manda/a lingua pétrea me funde/a língua mátira me tece/a língua rosea me fura
a língua amada me lambe/a língua viva me mata/a língua morta me chama/a língua me deixa à míngua/e vela me venda me ilude /
a muitas milhas de mim/outras línguas me procuram. Língua e linguagem que possibilita a construção de mundos, nossa própria – imprópria algumas vezes - construção e reconstrução diária e permanente. Tornamos-nos homem, ser de consciência, equivale a dizer, ético, pela linguagem. Não só pelo diálogo amoroso, mas também pelos conflitos que ela gera. Não só pelas contradições engendradas no seu útero, mas, sobretudo, pelo consenso e possibilidades de superação que a linguagem da vida traz em si.
Ja está cansado, o leitor? Esse leitor que para Proust O leitor, para Proust, era um amante dos livros, da boa leitura. Espécie em extinção, que tudo pretere pelo prazer de página manchada de letras e ilustrações. De alguma, qualquer superfície marcada pela palavra oral e ou escrita, cantada ou declamada. Fixa ou animada. A linguagem é um cinema, auto-estrada de mão dupla. Seja devorada silenciosa, sinuosamente. Em solidão. Mas, adverte o escritor, “:...se nos acontece ainda hoje folhearmos esses livros de outrora, já não é senão como simples calendários que guardamos dos dias perdidos, com a esperança de ver refletidas sobre as páginas as habitações e os lagos que não existem mais”.
Em breve chegaremos ao final deste texto se é que algum texto tem fim. Cansado estou eu que, depois de concluir essa conversa silenciosa, perdi boa parte e, aqui estou, de novo, reescrevendo o já descrito. E, da mesma maneira que não se faz duas leituras iguais, não se escreve-reewscreve um texto de maneira semelhante ao original, jogado no lixo ou perdido por uma dessas perversões da tecnologia.
Você pode estranhar, mas a leitura, apesar da novidade contemporâneas, ou por causa delas, possui algo de mágico. De magia demasiadamente humana, penso! Seres de leitura somos condenado-abençoados a tudo ler. Decifrar, quem sabe a vida. O escritor João, o outro, Guimarães, mágico decifrador dos sertões de Minas e das mimosas Rosas da linguagem diz: "A vida também é para ser lida". E sendo o viver muito perigoso, segundo o João, posso intuir: ler, de leitura viva e atenta, é perigosa empresa. Sertão se afunda. Abre-se em buritis e rios do sem sentido. Oferece-se à leitura. Tudo se lê.Eis o engenho e a maldição do homem. O escritor e poeta Flávio Carneiro salienta: “Pode-se ler um romance ou um poema tanto quanto se pode ler no rosto de alguém um traço de dor, um sorriso, ou uma roupa, o céu, um jardim". Tudo são “caminhos que se bifurcam”, planetária biblioteca cósmica. Tudo de signos e silêncio se tece. O sertão engole o sol.

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