terça-feira, 6 de março de 2007



Universidade Brasileira
Liberdade, Liberdade,
abra as asas sobre nós!


Uma conversa com estudantes de diversos cursos, em nível de graduação, mais algumas leituras e pesquisas, tiraram-me o sono por um bom tempo. Trata-se da sempre polêmica questão da liberdade de expressão do pensamento e da autonomia do conhecimento dentro das escolas de ensino básico e nas Universidades.
Os alunos, com a ansiedade, a falta de jeito e o tom de rebeldia naturais e saudáveis quando se trata da fase estudantil, reclamaram da quase ausência de liberdade para exporem seus pensamentos, manifestarem seus desejos, defender seus direitos de estudantes e de cidadãos. Em suma, mostraram, sem o saber, o ambiente árido e hostil em que vem se transformando, de alto a baixo, o sistema educacional brasileiro ao longo das últimas décadas.
A brevidade deste artigo não me permite analisar, em detalhes, as causas e as conseqüências deste conflito histórico, quando a escola, não abdica sob nenhuma hipótese, de seu papel – já que sua função deveria ser necessariamente outra – de privilegiado aparelho ideólogo do estado. Dimensão que os atuais estudantes, alienados como estão de si, da cultura e da história, nem de longe desconfiam. Apenas se mostram insatisfeitos, desinteressados e, no caso dos mais sensíveis, instintivamente mais perceptíveis, tristes e frustrados.
Isto acontece, vale a pena ressaltar, no advento das novas tecnologias e no seio da tão auto-suficiente e ciosa de si sociedade que se autodenominou era da informação e do conhecimento. A contradição parece obvia e absurda, mas é real. Coisas assim, sob lutas e protestos, em regimes de exceção, como foi o caso das décadas de 60 e 70, no auge da Ditadura Militar, regime autoritário que deve ter atrasado a história e a construção da democracia e de autonomia do povo brasileiro em pelo menos um século.
Pelo visto, já se estão colhendo os espinhos dessa “lavoura arcaica”. E o pior, uma lavoura que está aos cuidados de uma geração de docentes vinda de um ensino básico e uma universidade desfigurados pela ação destrutiva e hegemônica do neo–liberalismo.

Depois de falar de sua formação acadêmica, intelectual e de cidadã, Marilena Chaui, no artigo “A Filosofia como vocação para a liberdade” analisa as mudanças (involuções, grifo meu) ocorridas no âmbito da Universidade Brasileira. Transformações que, de certa maneira, confirmam o péssimo estado em que se encontra o ensino básico, a julgar pelo perfil dos alunos, que chegam aos cursos superiores – a maioria despreparada - semi-analfabetos funcionais, sobretudo em termos sócio-político e cultural.
No mesmo artigo, Chaui divide, de forma esquemática, o processo de degeneração da Universidade Brasileira, em três etapas. Universidade entendida como espaço dinâmico e de diálogo democrático e interdisciplinar, permanente e vivo entre ensino, pesquisa e extensão.Embora seu foco seja a universidade pública, em essência suas críticas, e talvez com maior razão, podem ser aplicadas à boa parte das universidades particulares. Estes sim, meros pontos de venda, balcões de oportunidades, passarelas para a moçada bacana desperdiçar tempo e dinheiro.
O primeiro momento da destruição, diz a filósofa da liberdade ainda sob a ditadura, deu-se com a imposição da “universidade funcional”, oferecida às classes médias para compensá-las pelo apoio à ditadura, oferecendo-lhes a esperança de rápida ascensão social por meio dos diplomas universitários. Foi a universidade da massificação e do adestramento rápido de quadros para o mercado das empresas privadas instaladas com o “milagre econômico”.
A partir dos anos 90, sob os efeitos do neoliberalismo, deu-se a nova fase destrutiva com a implantação da “universidade operacional”, isto é, o desaparecimento da universidade como instituição social destinada à formação e à pesquisa, surgindo em seu lugar uma organização social duplamente
privatizada: de um lado, porque a serviço das empresas privadas é guiada pela lógica do mercado; de outro, porque seu modelo é a empresa privada, levando-a a viver uma vida puramente endógena, voltada para si mesma como aparelho burocrático de gestão, fragmentada internamente e fragmentando a docência e a pesquisa. Essa universidade introduziu a idéia fantasmagórica de “produtividade acadêmica”, avaliada segundo critérios quantitativos e das necessidades do mercado.
Ao ler esta análise de Marilena Chauí a voz e as queixas daqueles estudantes ganharam vulto em minha consciência de educador e de cidadão. De intelectual e artista atento, sempre preocupado com uma questão fundamental: o desenvolvimento material e espiritual do ser humano e o pleno exercício de sua liberdade, como indivíduo político, cidadão do mundo. E, como tal, eticamente responsável por si, pelos outros e pelo futuro do mundo onde vive. Apesar de todas as ameaças que pesam sobre o mundo e sobre a humanidade.
Tomo, aqui, o conceito de liberdade formulado por Albert Einstein no texto “Sobre a Liberdade”. Por liberdade, diz, entendo as condições sociais, tais que, a expressão de opiniões e afirmações sobre questões gerais e particulares do conhecimento não envolvam perigos ou graves desvantagens para seu autor. E essa liberdade de comunicação, indispensável para o desenvolvimento e a ampliação do conhecimento científico; deve ser garantida por lei. Mas lei, por si só, segundo Einstein, não basta. Daí, “para que todo homem possa expor suas idéias sem ser punido, deve haver um espírito de tolerância em toda a população”.
Na visão do cientista as escolas exercem importante papel na construção desta visão liberaria. Para ele, “as escolas, podem interferir no desenvolvimento da liberdade interna (de cada indivíduo) mediante influências autoritárias e a imposição de cargas espirituais excessivas aos jovens. Mas, por outro lado, elas podem e devem agir afirmativamente, de forma “a favorecer essa liberdade, incentivando o pensamento independente.
É que ainda de acordo com Einstein, o progresso da ciência pressupõe a possibilidade de comunicação irrestrita de todos os resultados e julgamentos - liberdade de expressão e ensino em todos os campos do esforço intelectual.

De certa forma, as referências feitas por Marilena Chauí, ao pensamento e recomendações pedagógicos do seu mestre Bento Prado Jr. que a acompanham e alimentam ,ainda hoje, seu desejo de conhecer a realidade e sua vocação libertária encontram eco nos ensinamentos sobre o papel da Escola e a postura ética dos autênticos educadores. Com meu mestre, lembra a filósofa professora, descobri que o ensino é formador quando não é transmissão de um saber do qual nós seríamos senhores, nem é uma relação entre aquele que sabe com aquele que não sabe, mas uma relação assimétrica entre aquele cuja tarefa é manter vazio o lugar do saber e aquele cujo desejo é buscar esse lugar.
É para este aluno atento e interessado que dedico este pequeno artigo, em cujas entrelinhas, habitam suas angústias frente ao excesso de controle burocrático e o autoritarismo professoral de que detém um certo poder em nome de um incerto saber.
Tudo indica que com a sociedade do conhecimento e a era da informação contraímos uma dívida histórica com o homem contemporâneo; tiraram-lhe a esperança e a utopia; não cumpriram sua promessa de libertação; e, ainda, por cima, promovem, em escala planetária, como legítima realidade e necessidade, o individualismo, a competição, o autoritarismo e a arrogância. A Universidade, por seu lado, que sempre se orgulhou de ser um Campus, isto é, um espaço privilegiado de resistência e de luta contra toda forma de opressão, vem se transformando, ela mesma, em um sistema burocrático, fechado, fragmentado e acrítico e, por isso mesmo, autoritário e opressivo. Um lugar marcado, não por sua excelência científica, de cunho cultural e humanista , mas por ser um mercado suntuoso, reprodutor de signos envelhecidos e negociador de traiçoeiros e imponderáveis poder. Um lugar sem atrativos, onde o saber perde todo o seu sabor! E anacronicamente, teremos de cantar como nos piores tempos da história deste país, Liberdade, Liberdade, abra as asas sobre nós!

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