terça-feira, 6 de março de 2007



Dia Internacional da Mulher
Amor, a palavra feminina.
João Evangelista Rodrigues
“ Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: uma lucidez vazia, como explicar?”
Assim Clarice Lispector inicia seu poema , A lucidez perigosa. É a esta lucidez que gostaria de ter acesso, como mediador da palavra feminina, para, sem pretensão nem preconceitos de qualquer ordem e ordenamentos, tecer esta homenagem em comemoração do Dia Internacional da Mulher.
Ao escrever este texto penso em todas as mulheres do planeta e no longo processo de instituição e inscrição do feminino no universo econômico, político e sócio-cultual bem como na luta imemorial pela sobrvivência e emancipação do ser humano. Trajetória marcada, em cada período, por características distintas, momentos de glória e de luminosidade e longas eras de sofrimento e obscuridade impostos à figura feminina. Natural e culturalmente falo, escrevo de outro lugar.Falo de um espaço vazio onde a imagem da mulher, por mais que tente dela me aproximar e tocá-la, é sutil e fugidia como reflexos de um espelho e ancestral.São aproximações e fugas que, sucessivamente , ampliam minha admiração e meu desejo de sentir, não de deter, a essência do que escapa.
Falo de certa forma, desse lugar marcadamente masculino aludido por Adélia Prado, no poema Moça na Cama, evocando a presença paterna:
“ Papai tosse, dando aviso de si, vem examinar as tramelas, uma a uma. A cumeeira da casa é de peroba do campo, posso dormir sossegada. Mamãe vem me cobrir, tomo a bênção e fujo atrás dos homens, me contendo por usura, fazendo render o bom.”
Em meio a este extremo cuidado e controle e zelo moral e social, a mesma Adélia, diria suspirando: “Jamais o seu peito mais duro que o aço. Palpita a não ser a louca ambição.Supõe-se - orgulhoso - que é soberano, Que todas as belas vassalas lhe são! Mais falso que a brisa que as flores bafeja, Se mil forem belas... a mil finge amar...”
Estranha contradição. Vindo deste mesmo universo machista de que fala a poeta, sinto que será preciso mais do que a consciência da situação e do importante papel que as mulheres ocupam,hoje, na sociedade, para compreender com lucidez e superar a enorme distância que separa homens e mulheres. Pois, nos dia que correm, ambos vem se tornado cada vez mais presas frágeis e fáceis de um modo de ver e de viver que os transforma de seres potencialmente amorosos e complementares, em fatores de produção e consumo, altamente competitivos e desencontrados.
Talvez por isso, Hilda Hilst prefira não sublimar nem romantizar essa relação e busque manter a íntima clareza e liberdade no seu gesto amoroso ao dizer:
“Que este amor não me cegue nem me siga. E de mim mesma nunca se aperceba. Que me exclua de estar sendo perseguida E do tormento De só por ele me saber estar sendo.”
E a partir de sua constatação se posiciona enfaticamente como mulher de seu tempo, atenta e participativa; É este mesmo estranho amor, em campos opostos, já codificados e gastos, que Lya Luft procura exorcismar e desencantar através do poder mágico das palavras sempre fortes e sinceras quando se tratam de sua escrita.
“Estranho também esse amor,, com hora marcada para a mutilação da morte, o minuto acertado, e o fim consultando o relógio para nos golpear.”
Mais suave e venturosa, entretanto, é a visão de Cecília Meireles, quando escreve o seu
“Barqueiro, que céu tão leve! Barqueiro, que mar parado! Barqueiro, que enigma breve, o sonho de ter amado!
A história feminina, pelo menos boa parte dela, pode ser entendida ao se contemplar as marcas do tempo e da traça no vestido que Adélia guarda/esconde com carinho no armário de seu marido.
“É só tocá-lo, volatiliza-se a memória guardada. “

Já Florbela Espanca manifesta suas dúvidas e cismas sobre os mistérios do amor e, lírica, interroga,
“Digo pra mim: de nós dois Quem ama e quem é amado?...”
Mas que amor é esse que move e faz tudo mover, que nasce, morre , remorre e nasce cada manhã? Que formas novas de relacionamento estão surgindo com os sintomas atuais de um tempo comprimido, tenso, fragmentado, virtual e volátil? Ainda haverá tempo pra homens e mulheres, de todas as condições sociais, e independente de suas opções amorosas, dos amantes aprenderem um com o outro o “fermoso assunto” o sempre urgente e fervoroso amor? Que novos paradigmas estão nascendo e que dóceis ou cruéis conseqüências podem nos revelar? Será que teremos de cada um a seu modo aprendermos “a arte de viver sozinho”, como tem sido alardeada através da mídia e da Internet?

Seja como for, tudo indica que a noção de cara metade está definitivamente superada pelas condições pós-modernas. E que, nenhuma forma de agressão e violência, de exploração, de cara de pau, poderá ser tolerada, atualmente, nas relações humanas, sobretudo, nas que dizem respeito ao relacionamento amoroso entre homens e mulheres. O amor ainda é possível? Será possível/empreender a cada manhã/ um novo gesto /além da gesticulação da língua / da mão vazia / entre a xícara de café/ e a fruta-pão/ o que de novo poderá surgir / no desvão da janela/além do sol antigo/do instintivo movimento de tudo/sentimento estático se descreve o mundo que se dobra se repete/sobre si desaparece?

Mergulhado na dúvida e sem ter conseguido atingir a lucidez desejada, tento desvendar os passos da poeta Ana Cristina César.
“Era inverno e a mulher sozinha... Escureciam as esquinas e o vento uivando...

Um comentário:

Anônimo disse...

João,
Adorei o texto!
Você escreveu de um lugar masculino mas com a sensibilidade feminina!
Poético e verdadeiro.

Obrigada pela homenagem!
Beijos,