sábado, 15 de julho de 2006



Discurso de paraninfo da última turma do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da PUCMinas em Arcos, currículo em extinção, que vai colar grau no dia 07 de julho de 2 006.

Saudações

Prezados afilhados,

Senhoras e Senhores,

Boa noite a todos!


Dedicatória

Peço-lhes licença para dedicar estas palavras à educadora arcoense, Noêmia Teixeira Rodrigues, minha mãe e minha primeira professora, com quem aprendi o prazer da leitura e da escrita; a alegria de estudar, descobrir e vivenciar o mundo de maneira peculiar, participativa e solidária.

Estar aqui e agora, neste lugar privilegiado é, para mim, “uma alegria, mais que uma honra. A honra pode ser imerecida, a alegria nunca o é”. Compartilho o sentimento do filósofo e escritor francês, Roland Barthes, manifesto em sua aula inaugural da Cadeira de Semiologia Literária, do Colégio de França, pronunciada em 07 de janeiro de 1 977. Graduei-me em Jornalismo, pela PUCMinas, então Universidade Católica de MInas Gerais - em julho de 1978. Deste período, trago lembranças e lutas inesquecíveis. Lembranças de colegas e professores marcantes. Lutas pela liberdade e redemocratização do País. Barthes morreu na capital francesa, em 1980, deixando um vazio intelectual e cultural fora e dentro da academia.

Como já se pode antever, é do reino da linguagem, do espaço do sabor e do saber, da sedução da descoberta, que desejo lhes falar. A feitio de Barthes, com quem sempre procurei dialogar e mergulhar apaixonadamente nos terrenos baldios e crespos bosques de sua linguagem, sinto-me um “sujeito incerto”, “impuro”, no sentido, já que ao longo dos anos tenho me mostrado avesso ao rigor da ciência, ao ritual disciplinado e ortodoxo , que oscila entre a ordem e a rotina , a cor púrpura do poder e uma certa liturgia abstrata, metafísica , não raro, competitiva e hipócrita em que vem se transformando a vida acadêmica , a Universidade Brasileira. A história da formação e do desenvolvimento cultural do ocidente, da qual somos legítimos herdeiros e, não raro, filhos bastardos, traz em sua gênese uma questão, até hoje, praticamente sem respostas: trata-se do triunfo do pensamento de Aristóteles - via S. Tomás de Aquino – e da condenação de Sócrates à morte em 399 a. C. , em detrimento de um modo de pensar dialético , florescente e promissor. Morte que se repete historicamente ao longo destes mais de 2 mil anos de aventura do espírito e do conhecimento ocidental.

Não por acaso, portanto, a vitória, a hegemonia, momentânea, do neo-liberalismo que orienta as mudanças e marca de maneira profunda o cenário econômico, político e sócio –cultural neste início de milênio. Não por acaso o triunfo de um pragmatismo predador e de um funcionalismo travestidos pelas tendências pós-modernas. Não por acaso, essas formas de pensar e de agir infiltrarem-se nos departamentos, corredores, salas de aula e laboratórios de pesquisa universitários. A dívida é enorme. Os prejuízos, ainda maiores. Contra esta tendência neo-liberalizante, funcional, autoritária e burocrática,
devem-se contrapor os muitos e diversos olhares que miram e admiram o mundo através das gretas, das brechas e buracos existentes nos muros e grades que protegem a Universidade Brasileira - seja pública, privada ou comunitária - em suas dimensões fundamentais de Ensino, Pesquisa e Extensão, contra não se sabe bem o quê.

Certamente, não desconheço as incertezas de nosso tempo. Mesmo assim, ouso afirmar: não fossem a intuição, a inserção cultural, a arte e a criatividade, apoiadas todas por uma visão dialética sem travas nos olhares, não sei se poderia, ao menos, andar em paz pelas ruas do bairro onde moro, sem ser atropelado pela primeira carroça que por ali diariamente trafega. Somente a luz da razão, a mim não basta. Pior cego, entretanto, é aquele que não quer ouvir!

Caríssimos afilhados,

Este é um tempo maldito, sem inocência, em que tudo significa. Em que nada escapa à força da inteligência, menos ainda, à perversidade, dela. De tanto examinar, especular, recortar, fragmentar, tabular, classificar, copiar e colar, seu objeto de estudo, o ser humano, o estudioso, o pesquisador, o cientista, o professor-educando-educador, tudo se acabou por se reiificar. De tanto se escarafunchar o nariz, o “espírito das coisas”, as coisas estão, aos poucos, perdendo o espírito. É como objetos e não como sujeitos que a maioria dos indivíduos – não pessoas, exatamente - está se relacionando, projetando e executando as atividades acadêmicas, didático-pedagógicas. Burocraticamente. Ritualisticamente. Conforme manda o figurino. Quando muito.Nem mais, nem menos. A degeneração é obvia. As conseqüências, evidentes. Má qualidade de ensino. Formação humana, política, ética e cultural precárias. Abaixo da crítica. De óbvias e ululantes, passam despercebidas. Transformam-se em segunda natureza. Não sei se questões assim, reflexivas, - e reflexão não tem sido o forte das novas gerações - de ordem humanistas, serão consideradas anacrônicas, ou bem recebidas, por urgentes e necessárias. Universidade Brasileira, cuja crise não há como ignorar.Nem mesmo a avestruz mais pelintra! De mesma crise visceral está padecendo o Brasil, a sociedade brasileira.

Neste momento, cabe- nos modestas reflexões.

Caros afilhados, senhores pais.

Não gostaria de lhes falar apenas com os limitados recursos da razão. Primeiro, porque a pós-modernidade, conceito dúbio e, sob muitos aspectos, rarefeito, usou o potencial racional, oriundo da modernidade, ainda não esgotada, para decretar o fim, o desmoronamento da razão que sustentou – e talvez ainda hoje sustente, de maneira mais relativa é verdade – o edifício da civilização, da cultura ocidental, principalmente. Assim como o triunfo do capitalismo selvagem, do consumismo, sobre o socialismo real, o esvaziamento da afetividade e da solidariedade, do triunfo do individualismo sobre o sentimento de coletividade, da desconfiança, sobre a confiabilidade, do oportunismo estreito, estrábico e imediatista estão fazendo definhar, entre nós, a possibilidade de se projetar e construir sonhos e realidades mais estáveis e coerentes.

Tudo sugere que o desmoronamento seja um processo “natural”, sem volta, contra o que já não se pode fazer mais nada a não ser dançar uma “valsa vianense”, ou um tango argentino entre as ruínas do conhecimento, do resto, do rosto feérico da civilização.

Será que após Hiroxima, após o Holocausto, o assassinato de Jonh Lenon, a queda do Muro de Berlin, o misterioso ataque , à luz do dia, às Torres Gêmeas, o inferno Iraquiano e Africano, a Sérvia e o Timor Leste, a guerrilha urbana, as violências anônimas, as corrupções no Congresso , sua recente invação pel MLMST e a derrocada do projeto político do Partido dos Trabalhadores signifiquem o nascimento da barbárie , da tragédia contemporânea, de maneira absoluta, líquida e certa, o fim do sonho e da esperança?

Fim da esperança para todos os indivíduos, já que conceito de “pessoa”, e de humanidade, a exemplo de certas espécimes , são animais raros e em pleno processo de extinção.
Será que à Universidade, à academia, cabe apenas constatar, documentar, concordar e reproduzir esse caos desumano, individual, mundializado. Aqui entre nós, bem ao modo, à falta de estilo tupiniquim?

Ou às Universidades do mundo, as mais sérias e comprometidas, as menos venais; ou ao mundo como Universidade , como linguagem que não se conforma, cabe reafirmar a possibilidade do conhecimento, a tarefa de descobrir novos caminhos, de se compartilhar o prazer do percurso? Cabe reconstruir a legitimidade dos discursos que nutrem projetos e trajetórias individuais e coletivos, acadêmico-científicas sem abandonar a intuição, a sensibilidade, a cultura e a arte, em suma as sabedoria ancestrais?

Gostaria, não fossem as armadilhas e artimanhas da linguagem, de dizer o que tenho a dizer, o que realmente sinto, o que tenho vontade de dizer. Mas o desejo já é por si a demarcação do abismo entre o que possuímos e o que desejamos. Abismos entre abismos, somos o que somos. Seres sem rosto. Textos sem autoria, tudo em nome da moda, do modo, do medo pós-moderno de se viver-morrer, por nada.

Jean Paul Sartre foi incisivo ao afirmar: “o inferno são os outros”. O contexto é diferente, mas os fatos não menos agressivos e dolorosos como os reflexos da II Guerra, as ditaduras Européias e , mais tarde, latino-Americanas, a guerra do Vietnã , de certa forma, tudo já antevia a radical transição porque passa a sociedade contemporânea. Tudo está presente, por mais que descartemos os sofrimentos e horrores provocados por estes fatos. Pelos artefatos da inteligência e da guerra entre homens. Tudo sob o véu e o encantamento das novas tecnologias, das diversas formas de linguagem do Universo. Do Universo mesmo como linguagem. Particularmente interesso-me mais pelo mundo em quanto linguagem , enquanto efígie, do que pelas caleidoscópicas, evanescentes e , muitas vezes, vulgares linguagens do mundo.

O mesmo digo da Comunicação, do Jornalismo, da Filosofia, da Literatura, da História, da História da Arte, da Arte e da Cultura. Isto sem falar da Estética, da Bioética , da Física Quântica, da fotografia, da música, da Arquitetura e do Cinema, por exemplo. Tudo o que aqui for dito, mal dito ou bem dito, pouca valia terá. Afinal, esta é uma conquista, uma descoberta contemporânea, o sentido de todo o discurso e tudo é discurso, migrou da fonte , do falante , do coração de quem diz, para o ouvido, o cérebro para o sem-memória do interlocutor. Ao emissor, se é que este termo ainda tem sentido, cabe arquitetar os signos, de maneira livre ou condicionada, conforme seja sua autonomia, sua capacidade e sua independência frente aos “aparelhos” de controle, hoje mais sutis e muito mais sofisticados, criados pela sociedade da informação e do conhecimento. Mais da informação, de avalanche de dados, que de conhecimento, posto que este exige critérios, paradigmas flexíveis, mas consistentes, capacidade reflexiva e postura ética e crítica, dimensões raras nesses tempos de
pós-tudo-nada, diga-se de passagem.

Talvez a saída seja a busca de uma visão holística, o retorno à dialética, em novas bases históricas. Mas se dizem , com segurança, que Historia não há mais, o que fazer? Com a decretação da morte de Deus, da morte da arte,da morte da Historia , nada mais banal que a morte do homem e de suas convicções mais nobres. Cumpre-se a predição de Thomas Hobbes no sua mais importa obra política, "O Leviatã", publicada em 1651: após pouco mais de três séculos do lançamento desse livro, o homem se torna o lobo do homem;Alguns dirão, sempre foi assim, talvez será assim para sempre, digo-lhes. A trágica diferença, o que me assusta, é que agora sabemos o que somos. Compreendemos perfeitamente – embora muitas vezes preferimos negar - os motivos que nos levam a agir desta maneira.

O cenário tecnológico, em um mundo ecologicamente ameaçado, só potencializa e favorece aquilo para o qual a sociedade já estava predestinada. A autodestruição e o caos.

As grandes organizações, as metrópoles e as megalópoles, as bibliotecas, a biblioteca de Babel e a Universidade, enquanto sistemas de linguagem, elas mesmas, são igualmente interessantes. Interessantes, porque no lugar da mesmice, da reprodução pura e simples, a exemplo do que Borges diz sobre a “cópula e os espelhos” provocam, propõem, inventam, reinventam, articulam-se com vistas a novas formas de ser e de estar no mundo. Transforma-se o mundo da linguagem pela transformação do mundo, enquanto linguagem que se retro-alimenta.

Prezados afilhados,

Entretanto, mais do que pelo dizer, a comunicação autêntica e autônoma se faz pelo não dito, pelo interdito... Pela liberdade, não pela censura. Pela criatividade, pela ruptura. Não pelo “Abre-te Césamo”;. Não pelo Não pelo veredicto. A Comunicação, portanto, se realiza mais no campo do desejo, do imaginário, da necessidade de se romper este abismo, do que pelos processos e modelos, racionalmente concebidos, para dissimular e, ao mesmo tempo, manter o sistema de dominação vigente. Para quem se propõe verdadeiramente se comunicar vale mais o desejo do outro, do interlocutor, sua capacidade imaginativa de interpretação e de construção de sentidos, elaborados, criados a partir do arranjo comunicacional disponibilizado.

A comunicação verdadeira não se restringe à decodificação, unilateral e linear de códigos bem o ou mal estruturados. Não é absurdo considerar o mundo, o universo, meio e mensagem. Babel e espelho. Alfabeto e hieróglifo. Realidades que só se abrem pelo desejo, pela sedução, pelo encantamento, pelo sentimento. Não só pela poder.Pela força de qualquer ordem ou natureza. Pela força, a comunicação não acontece, nunca. Sempre surgirá um ruído a sujar a mensagem para perturbar a interpretação, para prejudicar a compreensão da realidade, da verdade dos fatos.

Meus afilhados,

A essa altura, vocês devem estar ansiosos e se perguntando: esse nosso padrinho ficou maluco de vez. Falou, falou e, ate agora, quase não se referiu ao Jornalismo. Será que não vai falar nada sobre a nossa nobre, pobre e esnobe profissão? Quero apaziguar os ânimos e a matar a curiosidade de meus caríssimos afilhados e das demais pessoas presentes, nesta noite inesquecível. É exatamente de jornalismo que estou tentando falar o tempo todo, não tenham dúvida.
Jornalismo, a “melhor profissão do mundo”, no dizer do “perioditaa” e escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez.

O Jornalismo, meus afilhados, é o próprio mundo em movimento. É o nascer e morrer de cada dia. É escritura permanente da vida e da morte, da história, das aventuras e desventuras do ser humano, todos os dias. Por isso, essencialmente fenomenológico. A verdade dos fatos, matéria prima e fonte de credibilidade do Jornalismo e do Jornalista, difere da verdade filosófica. Uma é fugidia, escapa entre os dedos diante da pressa e da pressão do “daed line”. A hora do fechamento de cada edição, de cada programa que precisa ir ao ar. O momento da morte nas redações. Evapora-se entre a produção e a divulgação da notícia. No intervalo que separa o leitor de sua leitura. Entre o espaço/tempo da leitura, a interpretação que ela provoca e a mudança de ponto de vista, o posicionamento do leitor, frente aos fatos, à realidade mediada. Midiatizada, portanto, por outra realidade que não a original. O fato mesmo em sua radicalidade acontece em outro lugar. Vem dessa fuga constante dos fatos, dessa rarefação da realidade, a importância e o papel do trabalho jornalístico, com destaque para a prática da reportagem. Ao bom repórter cabe revelar o que se esconde por trás do fenômeno, do que surge, à primeira vista,
como sendo a verdade. E qual é a nossa verdade, hoje, o Brasil?

Poderia, a esta altura do campeonato, - não da Copa do Mundo - por os pés no chão. Tropeçar em algum paralelepípedo. Chutar o balde, diante de tanta imundície e desancar o Presidente da República que ultimamente vem fazendo tudo para merecer uns bons xingos: poderia falar da falta de profissionalização e de ética do mercado jornalístico, sobretudo o regional. Falaria dos baixos salários da categoria, da permanência dos provisionados, dos “precários “ e da expansão indiscriminada dos Cursos de Jornalismo. Da falta de qualidade no ensino de Jornalismo na maioria dessas faculdades. Poderia falar, ainda, do controle da informação, da liberdade de imprensa , da censura econômica , via agência de publicidade e outros conchavos. Falaria do desemprego, do subemprego. De como os patrões , sobretudo no interior, exploram os novos jornalistas. Dos riscos da profissão. Faria um inventário lamentável do número de jornalistas mortos no cumprimento de seu dever, no “front” da notícia, em várias partes do planeta.

Por fim, poderia apontar as mazelas, os desafios e oportunidades oferecidos pela profissão de Jornalismo. Poderia aé criar fantasias e falsas perspectivas para animar meus afilhados nesta noite festiva. Lamento desapontá-los, ms lebres são lebres e gatos se são pardos o são em qualquer momento e lugar. O bom jornalista não deve se confundir com a perfeição das imitações. Nem se curvar ao ritual de exéquias e de boas maneiras quando se trata de ver, de descobrir o que de fato está acontecendo.

Meus caros meninos e meninas, meus colegas de profissão”

Sigam, em frente, não olhem para trás, sob pena de se transformarem em estátua de sal. Penetrem “surdamente no reino das palavras”. Do verbo viver. Do signo delirante da existência. Mergulhem de cabeça , de corpo e alma, no mundo da linguagem. Não falsseem os fatos, sob nenhum pretexto ou condição. Não ludibriem o leitor. Não se vendam por nenhum tesouro. Não traiam, não subtraiam suas convicções. Procurem ver mais longe, além do brilho do “pircem” em seus umbigos ou no umbigo daqueles que comem e bebem ao seu lado, nos dias secos, caudalosos ou fartos. Não sejam nem tanto mineiros, nem tanto, o contrário. Cuidem para não se cegarem, perderem-se sob as luzes dos holofotes. Lembrem-se: jornalistas não são tão importantes, como se julgam: menos ainda os proprietários de veículos, os empresários, os negociadores de informações ou, em muitos casos, traficantes de influências.

Importantes são os leitores. A verdade dos fatos, a realidade, a postura ética que orienta a abordagem e o tratamento destes fatos, desta realidade. Se alguém se sente incomodado pela realidade da qual eles são personagens ou protagonistas, pior para eles. Melhor para a ética. Fica decretado, diria Tiago de Melo, que vale a realidade, o relato objetivo, correto e coerente que dessa realidade, honestamente tentam, todos os dias, fazer os jornalista, o repórter. A verdade dos fatos é mais eloqüente e crível e a confiança e a credibilidade são a essência do Jornalismo sério e comprometido com a defesa intransigente dos direitos essenciais do cidadão. Estes direitos estão descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, garantidos pela Constituição Brasileira e corroborados pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

Do respeito cotidiano a estes princípios dependem a credibilidade do jornalismo e o êxito profissional do jornalista. O êxito de cada um de vocês. Êxito, que nem de longe se traduz em sucesso, quer pelo “status” que a profissão proporciona, quer pelo maior volume de dinheiro que alguns profissionais de destaque conseguem ganhar com honestidade.

A verdade dos fatos, a transparência profissional, a equidade no trato com as fontes e os colegas de trabalho são mais eloqüentes que qualquer retórica balofas, que como toda a estratégia narrativa visa mascarar a realidade, proteger pessoas culpadas, defender interesses particulares ou de grupos a troco de benesses e “jabaculê”. A médio e longo prazos ,expedientes dessa natureza se mostram ineficientes e prejudiciais ao indivíduo, ao profissional e, principalmente, ao conjunto da sociedade.

Ruben Alves, em sua pertinente crítica à falta de criatividade e de ousadia da maior parte dos candidatos aos cursos de pós-graduação da Unicamp, observa que a maior parte desses futuros mestres e doutores são hábeis devoradores e recitadores de livros, mas são incapazes de criar, eles mesmos, pensamentos fortes e originais. Pensamentos que já sendo, no ato de pensar, uma ação afirmativa, possam contribuir para modificar o conhecimento, as ciências. a cultua e as artes do ambiente onde atuam. Podem, assim, transfigurar a face do Universo.
Em seu livro “Cartas a uma jovem socióloga”, lançado em 1970, o conhecido sociólogo francês Alain Touraine recomenda: "É preciso abandonar as utopias e profecias, ainda que catastróficas, para analisar o movimento, desconcertante, mas real, das relações sociais". Eu digo-lhes, é preciso analisar o movimento desconcertante, mas real, das relações sociais sem abandonar as utopias que poderão tornar as profecias mais catastróficas em um concerto de possibilidades e esperanças mais harmônicas.
Lá fora, avança uma grande noite. É verdade, também, que muitas estrelas tremem, teimam em constelar seus brilhos para juntas iluminarem o Universo. Para vocês, caros afilhados, o futuro se iniciou no gesto amoroso de seus pais.Quando cada um de vocês foram concebidos em carinho e esperança. Hoje, estão dando mais um importante passo. Muitos outros passos serão necessários para que cada um conquiste o seu objeto de desejo. Vença seus próprios abismos. Nunca se sintam realizados, pois, neste momento, se tornarão iguais aos milhares de fantasmas que trafegam pelas ruas e praças deste país: são mortos-vivos em busca de notoriedade, de fortuna fácil, de falsa felicidade.Em busca daquela mesma “glória vã e da vã cobiça, a que chamamos fama” registrada por Luis de Camões no seu, no nosso “Lusíadas”.

Levantem a cabeça, sem perder a humildade, encham o peito de ar e rompam as inexistentes portas deste “mundo, vasto mundo”. Não se esqueçam nunca deste momento luminoso, início do que poderá ser uma longa e bela trajetória humana e profissional. Agora, quero lhes fazer um pedido pessoal, de padrinho e de companheiro de profissão: não se afastem muito...Não se afastem, diria Drummond.

Valho-me da linguagem, única arma em que acredito, para lhes dirigir minhas últimas palavras nessa noite. Confesso que até este momento, foi a alegria que me tomou pela mão.Quanto à honra, cabe a vocês, meus afilhados, decidirem se realmente fiz por merecê-la. Não perderei mais a alegria que vocês me proporcionaram, diante das vicissitudes da vida e dos grosseiros desatinos do ser humano.

É por isso que, sem medo de ser ou esnobe ou esdrúxulo, valho-m de uma palavra “fora de moda”, dessas que parecem adormecer no aconchego do dicionário, mas, ao menor ruído, despertam-se e se colocam como sinais, em plena encruzilhada.

Trata-se da palavra “sapientia “ que, desde o início de meus estudos clássicos, me leva a admirar pessoas anônimas e sem letramento oficial. Mundos e pessoas à margem, linguagens periféricas, pelos quais só pessoas, jornalistas ou não, armadas de sensibilidade ética e de comprometimento político e social, conforme ensina Paulo Freire, por meio das diversas vertentes e verdades de suas Pedagogias, podem se interessar. Destaco a Pedagogia da Autonomia como ensinamento propício para orientar a ação dos jornalistas, para regar a Terra ameaçada e propiciar o renascimento de um humanismo integral, livre e libertário! Proponho o ressurgimento, entre nos, da palavra SAPIENTIA : “nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível”.

Para encerrar, abro as portas nem sempre largas da linguagem, recorrendo-me, uma vez mais, ao pensamento sempre luminoso e sedutor de Roland Barthes:

Produz sem apropriar-se
Trabalha sem nada esperar
A obra terminada esquece-a
e porque a esquece
a obra permanecerá.

Um largo abraço fraterno e confiante do sempre amigo, João Evangelista.



Arcos, 07 de julho de 2006.
João Evangelista Rodrigues

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