sábado, 8 de julho de 2006


Copa do Mundo
A paixão fora do lugar

João Evangelista Rodrigues


Os brasileiros assistimos estarrecidos ao último capítulo da Copa do Mundo. Novela grotesca que vai ao ar de quatro em quatro anos. Na mesma época das eleições presidenciais.No caso da Seleção Brasileira, eliminada pela França as cenas finais não surpreenderam, embora tenham provocado irreparáveis estragos no coração de muita gente. O sonho do Hexa, substituto para necessidades e esperanças mais urgentes, foi adiado, só Deus sabe para quando.
Quanto a escolha do novo presidente, só a partir de agora o jogo começa a se esquentar.Se na disputa da Alemanha, os brasileiros só podíamos assistir a derrota passivamente, na disputa de Brasília todos somos jogadores muito especiais. Cada eleitor é uma estrela. Sem cartolagem nem patrocinadores para encher o saco ou manipular os resultados. Somente o eleitor com sua visão crítica, com suas dores crônicas. Com sua consciência política cada vez mais a aguçada. Compromisso ético, transparência e qualidade total deveriam ser também atributos do jogo político.

Nas quartas de finais da Alemanha, tudo se passou como se aquele fosse um jogo virtual. Duelo de sombras. De fantasmas. Verdadeiro pesadelo. Os franceses venceram esportiva, espiritual e moralmente. Os brasileiros não reagiram. Não lutaram. Não se mexeram em campo. Não mudaram suas táticas, nem se indignaram. Um vexame! Aceitaram simplesmente a hegemonia do adversário que, mais uma vez, tiraram de letra nossa alegria, já minguada.

Na Alemanha brilham a força, a disciplina e a tradição da Europa contra o romantismo e os salamaleques do terceiro mundo. Os colonizadores, os dominadores e invasores de continentes desta vez foram longe demais: espezinharam o orgulho brasileiro e no seu lugar decretaram, com um gol de morte, o luto, a vergonha nacional.

Vergonha, não pela derrota em si, mas pela forma como fomos derrotados. O circo estava armado para a revanche, para a desforra, embora todos os entrevistados ligados de alguma forma à seleção brasileira negassem tal sentimento. Mas dava para ver pelos seus semblantes o que se passava no coração dos jogadores e dos dirigentes As brincadeirinhas ingênuas, as piadinhas decoradas, as matérias adocicadas, as entrevistas semi-estruturadas, nada conseguira disfarçar a fragilidade emocional do grupo. Mis uma vez ficou claro que vingança e ódio em nada ajudam, sobretudo nas situações limites.
E foi assim. Na lateral do gramado, o técnico Parreira parecia petrificado diante do que via. Zagalo se curvou aos azares da sina. O relógio corria mais que nossos jogadores. O tempo foi passando, passando, como sempre costuma passar, estejamos ativos e atentos ou de braços cruzados. Eternamente deitados em berço esplêndido. Não havia espírito de luta nem de liderança. Não houve iniciativa nem determinação. O exemplo da seleção Portuguesa, de Felipão, passo bataido. Nem a derrota da Inglaterra! Orgulhosos, seus craques lutaram até à exaustão, até o último instante.

Mas o Brasil! Ah, o Brasil! Ninguém viu, nem quis saber.Afinal, somos ou não somos “os melhores do mundo?”. Somos penta-campeões, é verdade, mas ficou provado que titulo não ganha jogo. Nem o tão proclamado peso da camisa. Futebol se ganha em campo. Isto sim, jogando noventa suados minutos.

Pagamos o preço da empáfia, do ledo engano que assolou o país nas últimas semanas. Na hora do duro, no momento da decisão, ninguém assumiu o leme. O lance. Assim, à medida em que o tempo corria, o barco afundava, com todos os brasileiros a bordo.

É isso! Ganha-se fama e morre-se na cama. Na grama. No mar da glória e de grana. Até que em um certo momento, a casa cai.A máscara cai. A faicha cai para todos os brasileiros; existe coisa mais importante na vida que o futebol. E no lugar dos aplausos, são as vaias a música de fundo para a o final triste e inexplicável de mais uma novela burlesca na telinha.

Se, pelo menos, nossos atletas tivessem se empenhado, suado a camisa, ficado nervosos, chorassem de vergonha ou de raiva! Não, nada disso aconteceu. Nada mesmo! Continuavam em campo, vendo o tempo passar, trocando bola, como em uma divertida pelada no clube, entre amigos, em uma dessas descomprometidas manhas de domingo. Faltou atitude. Faltou paixão.Faltou futebol, talvez. Se pelo menos lutassem, todos aplaudiríamos nossos “heróis” quando abatidos pisassem o chão do Brasil. Na verdade, grande parte dos integrantes da seleção brasileira não irá retornar, pois, já moram na Europa. Longe como estão de nossa gente e de nossos problemas econômicos, políticos, e sócio-culturais, pouco se lhes importam as lágrimas do povo, sobretudo das camadas subalternas.

Que o povo brasileiro não siga o mau exemplo dado por nossa seleção no grande jogo eleitoral que agora se inicia. Que nossa gente entre em campo disposta a lutar, a discutir, a defender seus direitos de cidadãos. Que todos possamos desfrutar a alegria de ver a nação brasileira, em todos seus quadrantes, mais rica e mais feliz, Mesmo que o Brasil não tenha conquistado o título de Hexa Campeão do Mundo. Não há vergonha nenhuma em perder um jogo, mas o que não podemos é perder nossa dignidade de pessoas, de nação livre e democrática. Nem perder esse jogo, nem entregar nosso país aos detentores do poder mundial.

O que todos os brasileiros estamos precisando é de atitude. De postura. De vergonha na cara. De consciência política.De ética. De educação e cultura. Sem esses atributos não se pode construir um Nação de verdade.Muito menos virar um jogo bastante desequilibrado que começou a mais de meio século. Todos em campo, portanto, para defendermos as nossas riquezas espirituais e naturais, nossa cultura. Nossos valores éticos, só assim poderemos torcar, compartilhar, em condições de respeito e igualdade, o que somos e o que temos com os outros povos do Mundo.

Mais uma vez a paixão estava fora do lugar, por isso perdemos o jogo. Por isso sofremos tanto! Nossa seleção saiu à francesa, mas os brasileiros continuaremos em campo, firmes e atentos. Prontos para viver e sermos felizes. “Adieu mes amis” , diria Zinedine Zidane.

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