terça-feira, 12 de setembro de 2006


Paradoxos contemporâneos
Ainda é possível ser feliz.

O homem vive, atualmente, estranho paradoxo. Depois de romper as fronteiras das ciências e das tecnologias, debate-se em uma crise de identidade e ética sem similar na história. Nem mesmo o período do pós-guerra, anos 50 e 60, foi tão enervante e cruel como o que se vivencia neste momento. Se naquela época predominava a descrença com relação às instituições e à generosidade do homem, havia , por outro lado, uma boa dose de consciência social, de rebeldia, de luta ideológica e de contestação política e moral. Angustiados, tristes ou rebeldes , cada grupo lutava para superar as limitações e propunha alternativas, modos de vida diferentes, posturas marcantes e e combativas diante das atrocidades da guerra, do imperialismo e das injustiças sociais. Acreditava, ainda, no poder de mobilização, organização e transformação social. Este sentimento e esta certeza geravam novas formas de relacionamento e de solidariedade afirmativos e saudáveis. Sentia-se que o homem, ser social por essência, estava vivo e palpitante. Pensava-se.Sonhava-se. O conforto era menor e menos as bugigangas chinesas contrabandeadas via Paraguai. Não havia, ainda, a Internt, nem a LER nem a Aids. Drogas, só para grupos privilegiados, mesmo assim mais leves e com nítida conotação de protesto e posturas alternativas. “Quem não tem colírio, usa óculos escuros”, cantava o Raulzito.
Certamente, não havia shopping-centers, sexo virtual, super-mercados. Os anti-depressivos eram raros e cuidadosamente medicados nos casos estritamente necessários.Não distribuídos a granel, “até para galinhas”, como panacéia para todos os males. Agrotóxicos, poluição, mensalão, máfia das combes, seqüestros, tudo era motivo de escândalo e repulsa por parte da sociedade. Máfia e crime organizado , só nos filmes americanos. Havia poucas universidades, mas se preocupava muito com a formação humana e ética, além da formação técnico-profissional. Havia pouca rede de esgoto nas cidades e menos favelas. Era o tempo do “topa-tudo” e da conga. Tênis e carros importados, nem pensar. A água não era tratada e ainda se tomavam lombrigueiros. Respeitavam-se os pais, os professores, o padre e demais autoridades. Amigo era mesmo coisa para se guardar no lado esquerdo do peito. A amizade e o amor eram nobres sentimentos.Poucas coisas eram descartáveis. Colecinavam-se marcas de cigarros, selos e LPs, aqueles discos grandes com fotos bem feitas e textos bem escritos, produzidos com gosto, arte e cultura. Havia poucas opções de lazer, de consumo, de entretenimento, mas todos acreditavam, desejavam e buscavam a felicidade, motivo maior da vida e da existência humana. Não o consumo pelo consumo. Não o objeto pelo objeto.O luxo pelo luxo, a luxúria. A reconfiguração sem limite do prazer e da competição desenfreada.
Em (torça) multiplicam-se as doenças, as drogas, as inimizades entre homens e países, as guerras, os acidentes automobilísticos. A morte e vida se igualam em vulgaridade e banalização.
Afogado nas maravilhas e facilidades do conforto contemporâneo o homem quer viver tudo, a qualquer preço, a qualquer custo.

Configurações cada vez mais arrojadas. Acrítico, soterrado de informações, mas sem conhecimento e sabedoria, o homem contemporâneo mergulha”de ponta cabeça” no consumismo e no individualismo, de matriz neo-liberal. Segue obediente , cego e mudo os ditames e insinuações da mídia cada vez menos comprometida com os valores e o bem estar da sociedade e cada vez mais concentrada, em nível mundial, nas mãos de poucas pessoas.
Tudo isso acontece com o meu, o seu, o nosso consentimento explícito ou tácito, seja por comodismo, por modismo ou por mera comunhão de estilos, de pensamento e de interesses.
Daí, o grande paradoxo contemporâneo.. O homem-comsumismo, o homem máquina de produzir e destruir sabe o que é felicidade. Saberá o homem contemporâneo que, por um longo período da história ocidental, a felicidade era colocada com o fim ultimo do humanidade, um fim a que todo homem em particular desejava atingir? E o que é ser feliz, mesmo sabendo-se limitado e provisório? Será correr a mais de duzentos por hora e morrer na primeira curva do asfalto, maquiado para o funeral, pintado de escuro. E como diz a canção popular de um certo e talvez já esquecido Sidnei Miler, “se você tem pressa que arranje um carro” Compre depressa tudo o que puder, música brega, tv de plasma, um bazar barato, tudo isso, “Pois é, pra quê?
Sem falso moralismo ou chateação , quero lhe perguntar, caro leitor, cara-a-cara, olhos nos olhos: será que, em meio a tantos paradoxos e contradições o homem contemporâneo anda poderá viver feliz?

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