segunda-feira, 25 de setembro de 2006



Política não é isso mesmo
Tempo de refletir e mudar
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Quem se der ao trabalho de consultar o dicionário, um tratado de filosofia ou qualquer obra do gênero verá, com surpresa, que política não tem nada a ver com o que se fala e se pratica hoje em dia no Brasil. Lá se foi o tempo dos grandes estadistas, das pessoas cultas e éticas, de um certo tipo humano - em via de extinção - que se destacava, ganhava prestígio e conquistava respeito pela coerência e labor com que se dedicava à causa pública. Sempre foram raros, é verdade, mas distinguiam-se .Faziam a diferença. Suas ações, norteadas pelo compromisso e pela sabedoria política, exerciam influência e transformavam positivamente o perfil do país. Suas vozes ecoavam e eram ouvidas nos longes com a mesma veemência e força dos que lhe estavam próximos.
E , agora, que as eleições estão cada vez mais próximas, sentimos falta destes senhores e senhoras respeitáveis e honrados, candidatos merecedores , de fato, da confiança e da preferência dos eleitores. Nem pára-quedistas, nem oportunistas, nem carreiristas, mas políticos coerentes e conseqüentes. Onde estão eles? Em quem votar? Para que votar? Só para ficar em dia com um lei anti-democrática, que transforma o sufrágio universal, a liberdade de escolha, em voto obrigatório. Seguirá o eleitor o que dizem as pesquisas? Ou ainda há tempo para reverter esta triste e crua e triste realidade política brasileira.
Tenho por mim, que a voz do povo, nem sempre, é a voz de Deus. Penso mesmo que, existindo Deus, ele não perderá uma mínima parcela de sua santa e infinita sabedoria e eternidade, metendo a mão nesta cumbuca de falcatruas , negociatas, de cinismo e de corrupção que se tornou a vida nacional.E o pior, com o aval de significativa parcela de artistas, acadêmicos e intelectuais, até então, considerados a antena da raça, a reserva moral e a voz da consciência sócio-política e cultural. Quem não se lembra das grandes mobilizações e manifestos de peso encabeçados por ele. Arriscaria a repetir o que já disse há alguns anos: o advento do neo-liberalismo, do marketing cultural e das leis de incentivo - tudo gato do mesmo saco - prostituiu e desintegrou a classe artística em nome de um falso profissionalismo. A arte de arte virou mercadoria e o artista um empresário de meia tigela. E entre a obra de arte e o público, floresce a grotesca figura do agente cultural, uma espécie híbrida de atravessador e de gigolô da criatividade alheia. Assim é o mercado, Deus me livre!
Já os resultados das recentes pesquisas eleitorais dão margem a outras interpretações, além de revelar a vantagem do candidato a reeleição à presidência na intenção de voto do eleitorado brasileiro. Seria correto, por exemplo, afirmar, a partir destas pesquisas, apesar das técnicas de amostragem e das margens de erros, metodologicamente previstas, que as próximas eleições seriam definidas pela massa de miseráveis que habita as periferias, as favelas, as palafitas, guetos e viadutos que assustam o país. Seria o voto a arma mais eficiente dessa ampla camada da população brasileira para concretizar uma vingança historicamente engendrada? Mais forte que a violência dos assaltos à mão armada, dos seqüestros. Do roubo sistemático de carros, da máfia de políticos e do crime organizado? Seria vingança ou justiça social contra a mínima elite entrincheirada nos grandes conglomerados industrias e financeiros, nos condomínios de luxo e carros blindados? Qual será o peso da chamada “classe média” nestas eleições? Nulo, alienado ou vendido, como sempre pelo preço vil, as migalhas que sobram da mesa elegante e farta dos poderosos? E saber que esta “misere” foi gerada ao longo de várias décadas por uma elite renitente, conservadora, arrogante e gananciosa.
Alguém poderia argumentar, e com razão, que os resultados das pesquisas também podem ser fruto da ignorância e da necessidade de milhões de brasileiros à margem do processo produtivo e do consumo de bens matérias e culturais. Pode até ser, já que o analfabetismo e a ignorância são produtos da mesma política autoritária, populista e manipuladora. Seja qual for o argumento, o certo que esta é a realidade mais triste de um país sem perspectiva e sem esperança. Mas os resultados dizem também que nem sempre a maioria tem razão. Haja vista o que aconteceu nos regimes facistas e nazistas. A experiência tem mostrado que o regime democrático só pode ser saudável, quando se desenvolve no mesmo terreno e no mesmo ritmo em que florescem a justiça social, a educação e a cultura.
Foi este quadro deprimente de crise ética, política, educacional e cultural, que levou o Senador pelo estado do Amazonas, Jefferson Peres – não confunda alhos com bugalhos, isto é, com o outro Jéferson, o Roberto que, nem mesmo gostaria de citar aqui – a fazer um pronunciamento trágico e contundente. em 30.08.2006 no plenário do Senado Nacional. No seu pronunciamento, o Senador revela toda a sua angústia desilusão com a classe dirigente, sua decepção com boa parte dos artistas e intelectuais.Anuncia, ainda e anuncia sua despedida da vida pública e promete continuar sua luta, como cidadão, em outras trincheiras como a imprensa.
Assim se expressa o nobre Senador “ a crise ética não é só da classe política, não. Parece que ela atinge grande parte da sociedade brasileira. Ele vai voltar porque o povo quer que ele volte. Democracia é isso. Curvo-me à vontade popular, masinconformado. Esta será uma das eleições mais decepcionantes da minhavida. É a declaração pública, solene, histórica do povo brasileiro deque desvios éticos por parte de governantes não têm mais importância.Isso vem até da classe dos intelectuais, dos artistas. Que episódiodeplorável aquele que aconteceu no Rio de Janeiro semana passada! Artistas, numa manifestação de solidariedade ao Presidente, com declarações cínicas, desavergonhadas! Um compositor dizer que "política é isso mesmo, fez o que deveria fazer", o outro dizer que "política é meter a mão na 'm...'"! Um artista, em qualquer país do mundo, é aconsciência crítica de uma nação. Aqui é essa, é isso que é a classe artística brasileira, pelo menos uma grande parte dela, é o povo conivente com isso”.É lamentável que políticos conscientes não suportem as pressões e abandonem seus postos dando lugar cada vez mais a pessoas despreparadas política, ética e culturalmente, dispostos a negociar com toda o tipo de bandidos, aproveitadores e delinqüentes de toda a toda a laia, salvo, é claro, às raríssimas exceções.
Há quem diga que a ignorância é cega, surda e muda. O pior é quando um país faz do estado da ignorância uma forma de ser para beneficiar os mais espertos e sem escrúpulos. Em países assim, como este momento lamentável por que passa o Brasil, não há lugar para a primavera, nem para a esperança.Neles florescem a omisao de quem vê, o silêncio de quem ouve, a conivênia que quem fala. No lugar da alegria e da vida prevalecem a trágica arrogância dos poderosos e dos cínicos. A palavra justa perde seu lastro concreto e o sufrágio universal, sua áurea de democracia e liberdade.
Pelo sim e pelo não, política mesmo é dimensão mais séria e sagrada da expressão da vontade e do desejo humanos.

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