quinta-feira, 24 de dezembro de 2009


Jão,Hoje, me vi pensando como seria viver em um país de leitores literários. Pode ser apenas um sonho, mas estaríamos em um lugar em que a tolerância seria melhor exercida. Praticar a tolerância é abrigar, com respeito, as divergências, atitude só viável quando estamos em liberdade. Desconfio que, com tolerância, conviver com as diferenças torna-se em encantamento. A escrita literária se configura quando o escritor rompe com o cotidiano da linguagem e deixa vir à tona toda sua diferença – e sem preconceitos. São antigas as questões que nos afligem: é o medo da morte, do abandono, da perda, do desencontro, da solidão, desejo de amar e ser amado. E, nas pausas estabelecidas entre essas nosssas faltas, carregamos grande vocação para a felicidade. O texto literário não nasce desacompanhado destes incômodos que suportamos vida afora. Mas temos o desejo de tratá-los com a elegância que a dignidade da consciência nos confere.A leitura literária, a mim me parece, promove em nós um desejo delicado de ver democratizada a razão. Passamos a escutar e compreender que o singular de cada um – homens e mulheres – é que determina sua forma de relação. Todo sujeito guarda bem dentro de si um outro mundo possível. Pela leitura literária esse anseio ganha corpo. É com esse universo secreto que a palavra literária quer travar a sua conversa. O texto literário nos chega sempre vestido de novas vestes para inaugurar este diálogo, e, ainda que sobre truncadas escolhas, também com muitas aberturas para diversas reflexões. E tudo a literatura realiza, de maneira intransferível, e segundo a experiência pessoal de cada leitor. Isto se faz claro quando diante de um texto nos confidenciamos: "ele falou antes de mim", ou "ele adivinhou o que eu queria dizer".João, o texto literário não ignora a metáfora. Reconhece sua força e possibilidade de acolher as diferenças. As metáforas tanto velam o que o autor tem a dizer como revelam os leitores diante de si mesmo. Duas faces tem, pois, a palavra literária e são elas que permitem ao leitor uma escolha. No texto literário autor e leitor se somam e uma terceira obra, que jamais será editada, se manifesta. A literatura, por dar a voz ao leitor, concorre para a sua autonomia. Outorga-lhe o direito de escolher o seu próprio destino. Por ser assim, João, a leitura literária cria uma relação de delicadeza entre homens e mulheres.Uma sociedade delicada luta pela igualdade dos direitos, repudia as injustiças, despreza os privilégios, rejeita a corrupção, confirma a liberdade como um direito que nascemos com ele. Para tanto, a literatura propõe novos discernimentos, opções mais críticas, alternativas criativas e confia no nosso poder de reinvenção. Pela leitura conferimos que a criatividade é inerente a todos nós. Pela leitura literária nos descobrimos capazes também de sonhar com outras realidades. Daí, compreender, com lucidez, que a metáfora, tão recorrente nos textos literários, é também uma figura política.Quando pensamos, João, em um Brasil Literário é por reconhecer o poder da literatura e sua função sensibilizadora e alteradora. Mas é preciso tomar cuidados. Numa sociedade consumista e sedutora, muitos são leitores para consumo externo. Lêem para garantir o poder, fazem da leitura um objeto de sedução. É preciso pensar o Brasil Literário com aquele leitor capaz de abrir-se para que a palavra literária se torne encarnada e que passe primeiro pelo consumo interno para, só depois, tornar-se ação.João, o Brasil Literário pode, em princípio, parecer uma utopia, mas por que não buscar realizá-la? Com meu abraço, sempre, Bartolomeu

Prezado Bartolomeu, li sua carta de um só fôlego. Nela reconheci o amigo dileto, o escritor delicado e cuidadoso e, em fusão vivenciada, o cidadão atento aos problemas e esperanças de um país admirável e povoado de contradições. Nada mais justo e oportuno um “movimento por um Brasil literário” nos moldes propostos em sua amável carta. Nada mais necessário aos escritores, aos leitores que escrevem, aos intelectuais de nosso tempo ( e, hoje, mais do que nunca, de todos os lugares) essa retomada de c consciência , em uma perspectiva crítica , mas humilde, da importância da literatura e da leitura no processo de construção/reconstrução/reinvenção deste Brasil que amamos e, por isto mesmos, questionamos.
Indispensável dizer sobre o caráter sincero e brilhante de seus conceitos e análises sobe o texto literário. A idéia da metáfora como força política ( não apenas como figura de linguagem, como adorno ou subterfúgio) é fundamental ao ofício, sacro-ofício ou sacrificio literário. Mais que uma carta em defesa da Literatura procurei entender suas belas palavras como um alerta aos escritores, sejam os neófitos, seja os veteranos, consagrados, reconhecidos ou anônimos...a todos que labutam diariamente com a palavra e delas se alimentam,,mais espiritual do que materialmente. Alerta, no sentido de que todos devemos
caminhar em direção à solidariedade, à comunhão e à comunicação, sem cair na armadilha da globalização, no fetichismo da tecnologia e no isolamento egoísta e consumista propagado pelo neo-libralismo.
Desculpe-me se não entendi o que escreveu como devia, mas como leitor, limitado sob muitos aspectos, não posso ir além do que sou capaz rss..
Bartolomeu, li e repassei sua carta para compartilhar suas iéias e ideais com pessoas que sei interessadas e Literatura/leitura e com os destinos e desatinos brasileiros.Confesso que ,desde que tive a honra de trabalhar sob sua orientação na Fundação Clovis Salgado –Palácio das Artes, quando passei a conheê-lo de mais perto, tenho procurado aprender com cada linha que você escreve. É um privilégio ter amigos de seu porte e humildade.
De minha parte, coloco-me à sua disposição para o que eu puder contribuir ,mais diretamente para que este movimento ganhe força e seja vitorioso.
Carinhosamente,
João

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