Noite Latina
trinta e três mineiros chilenos
emergem do centro da terra
como se de parto originário
brotassem as árvores e as pedras
os anjos e os bichos de todas as espécies
as cidades e suas maquinarias de tédio
as estrelas todas que povoam o universo
permaneceram no coração
do deserto de Atacama
durante muitas luas e muitos sóis
astros invisíveis aos olhos imemoriais
renascem por milagre ou sorte
por sortilégios da tecnologia
da poesia e da música
da arte de viver
como se de vento solitário fossem
a sua carne e o seu pensamento
e cavalgassem sobre si mesmos
com a leveza do tempo prisioneiro
entre Deus e o Diabo
os trinta e três heróis
operário de um tempo mineral
surgem de longa e solidária espera
da inexplicável fé no amor
confiaram no acaso
na eficiência da técnica
no sempre incompleto
conhecimento humano
só eles sabem o que sentiram
em suas fabulações oníricas
entre as paredes das noites
sem estrelas
o desejo de viver adiou a morte onipotente
o fantasma da solidão
no túmulo provisório
o mundo inteiro assiste ao vivo
em tempo real o resgate inédito
a versão da mídia
uma a um chega à superfície da terra
no útero da cápsula de metal
pisam a terra firme
recebem o carinho familiar
o beijo de Judas
atento e inoportuno
promete maiores alívios
deixa marcas evidentes
todos querem participar da trágica aventura
da bem sucedida empresa
por um momento os deuses pedem trégua
o universo pára de respirar
o canto de Pablo Neruda se eleva além dos Andes
a bandeira chilena ostenta o orgulho
latino- americano
“estamos bem no refugio os trinta e três”
o mundo continua sua acelerada trajetória de enganos
preso às fantasias de uma guerra surda e sem memória
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