domingo, 5 de agosto de 2007

não

não o tudo que posso
não posso tudo
nem tudo que falo
é pássaro
paisagem
nem tudo de passagem
voa
não
não sou mera imagem

nem tudo hulha
nem tudo fogo
nem tudo foge
nem tudo molha
nem tudo brilha

nem tudo bolha
nem tudo milha

nem tudo falha
nem tudo urra
nem tudo mia
nem tudo terra
nem tudo ilha
nem tudo torre
nem tudo folha
nem tudo

basta

não falo pelos cotovelos
para os espantalhos
falo para os espelhos
pelos sem olhos
pelos que de joelhos
ferem de pedra
a pele da voz
falo pelo avesso da alma
pela voz dos que não

não
nem tudo se move
nem tudo é neve
nem tudo suave

não
não sou astro
sou ave

não calo sobre meu corpo
não consinto na minha morte
não
não calo por conveniência
de nenhuma ordem política
de nenhuma desordem pública
pelas contingências da língua
pela beleza das penas
pela imponência da túnica
pela impotência da fala
contra a palavra única
ouço
quando falar não ouso
quando o falar não posso
quanto no vento vou
meu pensamento ecoa

não
não posso falar tudo
nem tudo reaver da fala
a herança legendária
os contos de fada
a falácia da mata
a falência do outro
o som da floresta
o sumo da fruta
o sem razão do dito
o que me cala o sono
o interdito no
na ponta do bico
no labirinto do rio
o que em hábil álibi me ilude
o pouso
a gaiola de ouro
o ufanismo das letras
a profusão das mídias
a imprecisão dos livros
a profusão de eventos
os livros que nunca li

não
não falo
do que não seja pele nova
do que apelo não seja
dentro ou fora da mim
chuva branda
chumbo grosso
cova
casa
covil
minha fala
com a faca no pescoço
com a foice na janela do verso
não falo
não me sujeito
às penas dos homens
sou mesmo sem lado
sem trato
sem jeito
de coração enorme
inconforme e duro
pluriforme pássaro
bípede na vertigem
na voragem dos ares
com a velocidade
com a ferocidade
com a voracidade
da cidade e suas leis suspensas
da cidade e seus jardins suspeitos

se o fosso do bico
se a boca se abre
devolve em vômito
o ar
o murmúrio
a fala insossa
a sonoplastia
a polifonia
a microfonia do mundo
o poema sem carne
o alo do osso
o falso riso
quando falo
o verbo se lança em infinitos vôos
não passo em branco
pelo buraco das nuvens
passo como convém aos pássaros

falo com língua solta
com asas curtas
com os pés presos pelas as flores

falo
como durmo trepo
adoro vento

falo por mim
por mínimas palavras
por cima das sete cores
o mundo em sílabas se funde
só a linguagem me alimenta
debaixo do céu insólito

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