segunda-feira, 29 de dezembro de 2008




ah! o espírito de Minas!
o que pela manha me visita
esta poesia sem corpo
sem consideração pelo que vivo e sofro
essa escrituração sem fim
no chão
na areia
no lodo
no lado oposto do que vejo
do que por mim aprendi
às soltas pelas veredas
esse cavalo doido
sem rédeas
sem pasto
sem paragem
assa paisagem semi-morta
esse cartão postal
debaixo de minha aporta
esta dissimulada desconsideração
pela vida
esta neurastênica afetação
à moda inglesa
essa herança de letras
de escrituras amareladas no baú
de retratos e retretas
esse sabor de requeijão
esse cheiro de café
esse repertório de rezas
esse cemitério de ócio
esta fingida desconfiança
do óbvio
da faina da mídia
pelo que não domina
pelo que por invencionices da alma
no coração se insinua
esta sutil alegria
com o infortúnio dos parentes
com a tristeza alheia
esta ambição
esta fome de ouro
de escravo e gado
esse pendor pela inveja
pela sediçao
essa insaciável vocação
para a acumulação de renda
de terra e tédio
esse discreto ascetismo da razão
essa faina sem trégua
pela posse
pela glória de deus
pela força da lei
pelo demo
pelo que hei-de
pelo que desconheço
pelo que não tenho
pelo que não temo
essa colheita cotidiana de ojeriza
pelo que não sucede
esse gostinho soberbo
pelo pódio
esta velada necessidade de sonhar
de proclamar o silêncio
de respirar a honra
de proteger o sexo das nuvens
esta hipocrisia
essa infâmia em família
essa homilia de queixas
essa humilhação noturna

essa porteira fechada
esse medo do Inferno
este céu de chumbo
entre montanhas mutiladas
essa mutilações invisíveis
esse pendor sem cura
pelo poder
esse gosto pela arte da traição
pelas obras sacras
pelo sacrifício
pelo sacrilégio
pelo sacramento
pelo tiro nas costas
pela sedução barata
pelo casamento indissolúvel
pela comunhão de bens
pelo prazer profano de ser mineiro
pela profanação dos túmulos
dos oratórios nos museus
dos oráculos às escondias
esse anjo barroco
esse oco de mundo
essa donzela de branco
esse túmulo visceral
esse mal sem remédio
esse mal entendido
esses contornos ilegíveis
entre a honra e o crime
esse auto-elogio sem pejo
entre a nota promissória
e o cheque sem fundo
essa sina sem volta
de se ter nascido entre serras
de vagar por Minas
feito cachorro sem dono
de se escapar pelas gretas
esa identidade às avessas
esse sono de pedra
essa mineiridade insuspeita
o que de modo essencial
move á fé a face o disfarce
o montanhoso orgulho de ferro

? seria isso Poeta o espírito de Minas!
ou signo mais mineral
renasce no abismo sob nossos pés
cansados de descer e subir ladeiras
de esculpir palavras de lapidar a pedra?

? seria isso Poeta o espírito de Minas!