sábado, 30 de julho de 2011


o avesso mineiro

para ser mineiro
não basta nascer em Minas
obra do acaso
pura predestinação
não basta proclamar
aos quatro ventos
arroubos de liberdade
sentimento essencial
ideal inatingível
trágica herança
espólio de mortes
roubos e traições
não basta
fazer política em benefício próprio
com astúcia de raposa
e juba de leão
fingir de bobo para levar vantagens
trucar em falso na hora da missa
enganar o povo que acredita
em Deus
em Zeus
no Papa
em bicho papão
no papo do patrão
que acredita no espírito mineiro
sem restriçções
sem fazer perguntas
que recita de cor
o ato de contrição


para ser mineiro
não basta comprar um sitio
uma fazenda
um chapéu
um manga larga alazão
nem entender os sons dos sinos
os grifos e grafites
represar os rios dos sentidos
São Francisco
Rio Doce
Jequitinhonha
Rio verde
Rio Grande
Urucuia uai
deveras que não

não basta admirar as montanhas
gastas
o minério etéreo dos astros
a geografia metafísica das vacas
a neta linguagem das fábricas
a polissemia das facas
urge escalar a Serra do Curral
rolar pela Serra do Rola Moça
tropeçar nas pedras
nas cinzas do Cauê
do que resta na Serra do Cipó
botar o dedo nas chagas
de Minas crucificada na Capital
em Congonhas
em Santo Antônio das Roças Grandes
no coração do Caraça
no cafundó do Judas
urge conhecer de perto
as rugas
as rusgas
as urtigas e intrigas
dos partidos e das tribos
as cidades todas históricas
e mágicas
Ouro Preto
Mariana
São João del Rei
Caeté
Diamantina
Pitangui
Serro e Sabará
Minas só de se saber
não há
é mais de se ver
e de se tocar
encher a pança em mesa farta
meneiridade só não basta
mineiros há
mergulhados na tristeza
na miséria mais que Jó
famintos de sonhos
e de pão- de- ló
de respeito pela coisa pública
de educação e festa
de afeto e poesia
de verdade e compaixão
para ser mineiro
não basta contar mentira
com ares de surpresa
e firme convicção
fazer catira
desatar a peia
se aproveitar da bondade alheia
comer queijo
pão de queijo
farofa de queijo
guardar o sobejo
para outro mais oportuno ensejo
não basta beber da boa
tirar gosto com leitoa
costelinha com mandioca
carne de sol com farinha
paçoca de amendoim
arroz com carne
feijão tutu com couve
orapronobis
galinha caipira com açafrão


para ser mineiro
nas basta
ser mineiro
ajuntar dinheiro
viver de rendas
cismar à toa
ter saudades do Latim
ou de Lisboa
há mais do que se ser
nos ilimitados limites de Minas
do sertão ao cerrado
do triângulo ao quadrilátero ferrífero
há mais debaixo do tapete
dos músculos dos bíceps
do que sabe o atleta
o vigário de plantão
do que suspeita o patife
o artífice do rei
o súdito do sultão
para ser mineiro
não basta concordar com a devassa
assinar sem ler
a concordata
morar na Savassi
ouvir seresta
música sacra
fazer serenata
tocar viola
tocar violino e tambor
cantar toada
rock in blues ou balada
para ser minero
não basta ser besta de barro
nem barroco
nem santo nem oco
é preciso acabar como vespeiro
exigir o troco do gerente do banco
do trocador do trem
pular carnaval em dezembro
ser minério de janeiro a janeiro
e isto ainda é pouco

basta de silêncio em Minas
fale cante grite mesmo que fique rouco

Nenhum comentário: