sábado, 26 de maio de 2007


Essas Formas 12 – Maio 2007

Essas Formas 11 – Maio 2007

Essas Formas 10 – Maio 2007

Essas Formas 9– Maio 2007

Essas Formas 8 – Maio 2007

Essas Formas 7 – Maio 2007

Essas Formas2 6 – Maio 2007

Essas Formas 5 – Maio 2007
Essas Formas2 5 – Maio 2007

Essas Formas 4 – Maio 2007

Essas Formas 3 – Maio 2007


Essas Formas2 – Maio 2007

Essas Formas -Maio 2007

sexta-feira, 13 de abril de 2007


“ Nas palavras aparentemente isoladas do texto, ouve-se a multidão de vozes que ali ecoam.” Nicodemos Sena



o que ecoa na palavra pedra
reverbera no interior
não é a voz do vento
o som das letras do livro invisível
nem o canto do pássaro canoro
de cinco patas
com setenta dentes de granito
nem a voz das plantas imberbes
o que ecoa no oco das coisas
no socavão das bocas insaciáveis
não são palavras apenas

é o estrondo da bomba
a explosão da aparência
o grito cotidiano
de desmandos e desavenças
o que ecoa é trovão sem luz
o trem de ferro
de ventre obeso
sob o peso das almas
do indigesto alimento
o que ecoa no portal da manhã
no meio da arde
na escuridão da noite sem futuro

e a fratura exposta da montanha
a solidez do poema
a sordidez do império em chamas
afundado sob pedras
sob colunas de papel
é a solidão de homens e mulheres
amargurados e tristes
imersos em sues mistérios
perdidos em falsos desejos e afazeres
o que ecoa
no que de pedra ainda resta
é o sem mister
o entulho
o barulho dá magoa
no interior do túnel
do túmulo sem máscaras
no mais o que ecoa
é silencio
submissão de comensais
sortilégios de toda as desordens
de glórias e desonras
um estranho conforto de cemitério

a morte muda ecoa na oca boca do
mundo

domingo, 1 de abril de 2007


A favor da Ética
Contra os inimigos do Jornalismo

O Jornalismo vem perdendo prestígio social, encantamento, charme e espaço concreto no meio acadêmico e na mídia. Esta afirmação incisiva poderia ser apenas uma interrogação, uma hipótese de caráter científico, não fossem tão reais e fortes as evidências que, todos os dias, sob diversas formas e meios assaltam, invadem e violentam nossa consciência de profissionais que se querem éticos e cidadãos. A rigor não poderia usar a primeira pessoa, mas como jornalista, sinto-me na obrigação de romper com o pacto de neutralidade do texto para me envolver nesta luta que não deveria ser só dos jornalistas , mas de todos os setores democráticos da sociedade, dos quais o jornalismo tem sido, historicamente, um forte aliado.
A situação é grave. Exige medidas urgentes e integradas através de uma ampla articulação nacional entre entidades de classe, escolas, empresas bem posicionadas, ONGS, sociedade civil, e setores governamentais comprometidos com a construção da justiça social e da democracia no país e no mundo. Desculpe-me o leitor pelo estilo enumerativo, pontual e pouco analítico, mas é que, mesmo aqui, luto contra os limites e a exigüidade de tempo e de espaço.

Em matéria de 13 de macro de 2007, publicada no site O Jornalista, “a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e os 31 Sindicatos de Jornalistas do Brasil estão conclamando a categoria a ampliar a luta em defesa da profissão e denunciar à sociedade os interesses escusos dos grandes grupos de comunicação, principais interessados na desregulamentação da profissão e no fim do requisito do diploma para o exercício do Jornalismo”. “Luta justa, de fundamento constitucional, contra uma questão levantada, tendenciosa e artificialmente, em 2001, pela juíza Karla Rister que, em “única decisão” no meio jurídico brasileiro, foi desfavorável aos jornalistas profissionais”.

O desrespeito e a agressão a jornalistas que procuram exercer a profissão com ética e dignidade ultrapassam o campo legal e atingem níveis de violência inaceitáveis em todas as partes do planeta. De acordo com informações divulgadas pelo Instituto
International News Safety, baseado em Bruxelas,” dois jornalistas foram mortos – semanalmente nos últimos dez anos”. Segundo o documento, 27 colegas foram mortos no Brasil, entre 1996 e 2006. No total, segundo dados do IINS, mil profissionais de imprensa perderam a vida - assassinados a sangue frio -, em todo o mundo na última década.
São dados alarmantes que demonstram a fragilidade das instituições e o flagrante desrespeito a seus princípios, frente a luta concreta de interesses de classe e de grupos hegemônicos nos campos econômico, político , e sócio cultural. A crise da razão mata a sensibilidade e a solidariedade entre os seres humanos e dá lugar à barbárie contemporânea, potencializada em ambiente global e tecnológico. Por absurdo que pareça na sociedade da informação e do conhecimento, princípios constitucionais, estabelecidos em códigos de ética e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos como: “Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”(Artigo 3) e “Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.( Artigo 19) soam inócuos e anacrônicos.A sociedade contemporânea orgulhosa e prepotente, que alardeia suas conquistas e suas exigências de diálogo, transparência, qualidade de vida e responsabilidade social, não suporta ver reveladas as suas chagas mais aterradoras por uma categoria profissional, cuja essência de sua atividade é a busca da verdade e a defesa dos valores fundamentais do homem. Um profissional que tem como parâmetro de sua atividade um Código de Ética que diz, por exemplo, em seu Art. 7o - O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação. Ou no Art. 9o do mesmo Código de Ética, - É dever do jornalista: a) Divulgar todos os fatos que sejam de interesse público.b) Lutar pela liberdade de pensamento e expressão.
Estratégias

No entanto, o que mais se vê na prática cotidiana da atividade jornalística pelo mundo a fora e, particularmente no Brasil, é a tendência em desvalorizar a profissão e denegrir a imagem dos jornalistas. Das querelas políticas e desmandos regionais e provincianos aos sofisticados sistemas de controle sediados nas metrópoles a tendência tem sido a mesma, sob diferentes formas e estratégias.

Entre estas estratégias está o esvaziamento dos cursos de Comunicação Social de todo o seu conteúdo critico e humanista, nivelando, cada vez mais para baixo, o nível do ensino e de exigência acadêmico-pedagógica. O aumento indiscriminado de escolas , na sua maior parte sem infra-estrura laboratorial, o despreparo intelectual e cultural dos alunos ingressantes aliado a uma visão mercadológica da educação e à errância didático-pedagógica dos chamados professores “itinerantes”, fazem com que, no final de cada semestre, o mercado, competitivo e exigente, receba/exclua uma leva profissionais cada vez mais numerosa e mais despreparada. Soma-se a isto um esforço teórico e político para incluir dissolver o Jornalismo, ignorando toda a história da formação e desenvolvimento da profissão e em nome das novas tecnologias e da pós-modernidade, na vala comum das práticas comunicacionais emergentes. Neste balaio de gato ninguém sabe, ao certo, onde começa o autêntico jornalismo ou o marketing de todas as vertentes. Ninguém sabe julgar pelo comportamento de um incerto tipo profissional e pelos produtos apresentados, se se está fazendo jornalismo ou relações públicas. Isto sem falar da babel criada nas áreas das artes gráficas, fotografia, jornalismo digital e web-designer.

Mal preparados técnica, cultural e politicamente - por professores ( dadores de aula ) carreiristas e igualmente pragmáticos, acríticos, descomprometidos com o processo integral da educação - e inseguros, sem opção nem oportunidade de emprego e de trabalho digno, os novos jornalistas se vêem obrigados, em busca de um lugar ao sol, a fazerem o que “pinta” pela frente, sob qualquer condição. Frustrações pessoais e desvios éticos são os resultados mais comuns deste processo degenerativo que se produz e se reproduz em um círculo vicioso e pernicioso.

Luta concreta

Contra o controle econômico e político dos meios de comunicação, em escala mundial, contra a má qualidade do ensino, contra toda a ordem de agressão e violência que vem sofrendo o Jornalismo e os jornalistas não se pode nem se deve lutar apenas com palavra, a matéria-prima da atividade jornalística. É preciso libertar a própria palavra, a linguagem em toda sua complexidade contemporânea, dos grilhões da dominação, dos preconceitos e da incompetência. Mas a libertação da palavra e da linguagem pressupõe a desalienação dos homens, dos códigos e signos que estruturam e movem suas práticas, suas formas de produção e de trocas simbólicas. Pressupõe, também, uma visão mais ampla e aberta sobre o que seja a realidade educacional e comunicacional, bem como dos princípios e valores que a regem.

Parece claro que a atividade jornalística, hoje mais do que nunca, não tem nada de romântico, nada de lírico nem de charmoso. E luta diária com as palavras e contra quem pensa ser o donatário delas, luta concreta e corporal, o paradigma do jornalista culto, ético, curioso, questionador, respeitável e respeitado, características que moldavam seu perfil e lhe rendiam prestígio profissional, político e social, estão se desmoronando a olhos vistos. Enquanto o Jornalismo vai deixando de ser uma área específica do conhecimento, para se dissolver no caldeirão fervente da mídia, o jornalista, em numero cada vez maior, vai perdendo as referências históricas, a memória de sua profissão. Isolados pelo individualismo e desarticulados em termos profissionais, rompem-se, facilmente, os vínculos que deveriam unir a categoria e, colegas de profissão, solidários e combativos, vêem-se transformados pela falta de consciência profissional e pela nem tão invisível máquina do poder, em competidores cruéis e irredutíveis. Um jogo onde vale tudo que sirva para alavancar o sucesso profissional ou simplesmente garantir um emprego muitas vezes medíocre e mal remunerado. Naturalmente, cada um destes aspectos levantados merece maior aprofundamento, devido à sua complexidade, mas no limite deste espaço nasce pelo menos uma certeza: é preciso lutarmos todos, a favor da ética e contra os inimigos reais e virtuais do jornalismo.

terça-feira, 6 de março de 2007



Universidade Brasileira
Liberdade, Liberdade,
abra as asas sobre nós!


Uma conversa com estudantes de diversos cursos, em nível de graduação, mais algumas leituras e pesquisas, tiraram-me o sono por um bom tempo. Trata-se da sempre polêmica questão da liberdade de expressão do pensamento e da autonomia do conhecimento dentro das escolas de ensino básico e nas Universidades.
Os alunos, com a ansiedade, a falta de jeito e o tom de rebeldia naturais e saudáveis quando se trata da fase estudantil, reclamaram da quase ausência de liberdade para exporem seus pensamentos, manifestarem seus desejos, defender seus direitos de estudantes e de cidadãos. Em suma, mostraram, sem o saber, o ambiente árido e hostil em que vem se transformando, de alto a baixo, o sistema educacional brasileiro ao longo das últimas décadas.
A brevidade deste artigo não me permite analisar, em detalhes, as causas e as conseqüências deste conflito histórico, quando a escola, não abdica sob nenhuma hipótese, de seu papel – já que sua função deveria ser necessariamente outra – de privilegiado aparelho ideólogo do estado. Dimensão que os atuais estudantes, alienados como estão de si, da cultura e da história, nem de longe desconfiam. Apenas se mostram insatisfeitos, desinteressados e, no caso dos mais sensíveis, instintivamente mais perceptíveis, tristes e frustrados.
Isto acontece, vale a pena ressaltar, no advento das novas tecnologias e no seio da tão auto-suficiente e ciosa de si sociedade que se autodenominou era da informação e do conhecimento. A contradição parece obvia e absurda, mas é real. Coisas assim, sob lutas e protestos, em regimes de exceção, como foi o caso das décadas de 60 e 70, no auge da Ditadura Militar, regime autoritário que deve ter atrasado a história e a construção da democracia e de autonomia do povo brasileiro em pelo menos um século.
Pelo visto, já se estão colhendo os espinhos dessa “lavoura arcaica”. E o pior, uma lavoura que está aos cuidados de uma geração de docentes vinda de um ensino básico e uma universidade desfigurados pela ação destrutiva e hegemônica do neo–liberalismo.

Depois de falar de sua formação acadêmica, intelectual e de cidadã, Marilena Chaui, no artigo “A Filosofia como vocação para a liberdade” analisa as mudanças (involuções, grifo meu) ocorridas no âmbito da Universidade Brasileira. Transformações que, de certa maneira, confirmam o péssimo estado em que se encontra o ensino básico, a julgar pelo perfil dos alunos, que chegam aos cursos superiores – a maioria despreparada - semi-analfabetos funcionais, sobretudo em termos sócio-político e cultural.
No mesmo artigo, Chaui divide, de forma esquemática, o processo de degeneração da Universidade Brasileira, em três etapas. Universidade entendida como espaço dinâmico e de diálogo democrático e interdisciplinar, permanente e vivo entre ensino, pesquisa e extensão.Embora seu foco seja a universidade pública, em essência suas críticas, e talvez com maior razão, podem ser aplicadas à boa parte das universidades particulares. Estes sim, meros pontos de venda, balcões de oportunidades, passarelas para a moçada bacana desperdiçar tempo e dinheiro.
O primeiro momento da destruição, diz a filósofa da liberdade ainda sob a ditadura, deu-se com a imposição da “universidade funcional”, oferecida às classes médias para compensá-las pelo apoio à ditadura, oferecendo-lhes a esperança de rápida ascensão social por meio dos diplomas universitários. Foi a universidade da massificação e do adestramento rápido de quadros para o mercado das empresas privadas instaladas com o “milagre econômico”.
A partir dos anos 90, sob os efeitos do neoliberalismo, deu-se a nova fase destrutiva com a implantação da “universidade operacional”, isto é, o desaparecimento da universidade como instituição social destinada à formação e à pesquisa, surgindo em seu lugar uma organização social duplamente
privatizada: de um lado, porque a serviço das empresas privadas é guiada pela lógica do mercado; de outro, porque seu modelo é a empresa privada, levando-a a viver uma vida puramente endógena, voltada para si mesma como aparelho burocrático de gestão, fragmentada internamente e fragmentando a docência e a pesquisa. Essa universidade introduziu a idéia fantasmagórica de “produtividade acadêmica”, avaliada segundo critérios quantitativos e das necessidades do mercado.
Ao ler esta análise de Marilena Chauí a voz e as queixas daqueles estudantes ganharam vulto em minha consciência de educador e de cidadão. De intelectual e artista atento, sempre preocupado com uma questão fundamental: o desenvolvimento material e espiritual do ser humano e o pleno exercício de sua liberdade, como indivíduo político, cidadão do mundo. E, como tal, eticamente responsável por si, pelos outros e pelo futuro do mundo onde vive. Apesar de todas as ameaças que pesam sobre o mundo e sobre a humanidade.
Tomo, aqui, o conceito de liberdade formulado por Albert Einstein no texto “Sobre a Liberdade”. Por liberdade, diz, entendo as condições sociais, tais que, a expressão de opiniões e afirmações sobre questões gerais e particulares do conhecimento não envolvam perigos ou graves desvantagens para seu autor. E essa liberdade de comunicação, indispensável para o desenvolvimento e a ampliação do conhecimento científico; deve ser garantida por lei. Mas lei, por si só, segundo Einstein, não basta. Daí, “para que todo homem possa expor suas idéias sem ser punido, deve haver um espírito de tolerância em toda a população”.
Na visão do cientista as escolas exercem importante papel na construção desta visão liberaria. Para ele, “as escolas, podem interferir no desenvolvimento da liberdade interna (de cada indivíduo) mediante influências autoritárias e a imposição de cargas espirituais excessivas aos jovens. Mas, por outro lado, elas podem e devem agir afirmativamente, de forma “a favorecer essa liberdade, incentivando o pensamento independente.
É que ainda de acordo com Einstein, o progresso da ciência pressupõe a possibilidade de comunicação irrestrita de todos os resultados e julgamentos - liberdade de expressão e ensino em todos os campos do esforço intelectual.

De certa forma, as referências feitas por Marilena Chauí, ao pensamento e recomendações pedagógicos do seu mestre Bento Prado Jr. que a acompanham e alimentam ,ainda hoje, seu desejo de conhecer a realidade e sua vocação libertária encontram eco nos ensinamentos sobre o papel da Escola e a postura ética dos autênticos educadores. Com meu mestre, lembra a filósofa professora, descobri que o ensino é formador quando não é transmissão de um saber do qual nós seríamos senhores, nem é uma relação entre aquele que sabe com aquele que não sabe, mas uma relação assimétrica entre aquele cuja tarefa é manter vazio o lugar do saber e aquele cujo desejo é buscar esse lugar.
É para este aluno atento e interessado que dedico este pequeno artigo, em cujas entrelinhas, habitam suas angústias frente ao excesso de controle burocrático e o autoritarismo professoral de que detém um certo poder em nome de um incerto saber.
Tudo indica que com a sociedade do conhecimento e a era da informação contraímos uma dívida histórica com o homem contemporâneo; tiraram-lhe a esperança e a utopia; não cumpriram sua promessa de libertação; e, ainda, por cima, promovem, em escala planetária, como legítima realidade e necessidade, o individualismo, a competição, o autoritarismo e a arrogância. A Universidade, por seu lado, que sempre se orgulhou de ser um Campus, isto é, um espaço privilegiado de resistência e de luta contra toda forma de opressão, vem se transformando, ela mesma, em um sistema burocrático, fechado, fragmentado e acrítico e, por isso mesmo, autoritário e opressivo. Um lugar marcado, não por sua excelência científica, de cunho cultural e humanista , mas por ser um mercado suntuoso, reprodutor de signos envelhecidos e negociador de traiçoeiros e imponderáveis poder. Um lugar sem atrativos, onde o saber perde todo o seu sabor! E anacronicamente, teremos de cantar como nos piores tempos da história deste país, Liberdade, Liberdade, abra as asas sobre nós!



Dia Internacional da Mulher
Amor, a palavra feminina.
João Evangelista Rodrigues
“ Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: uma lucidez vazia, como explicar?”
Assim Clarice Lispector inicia seu poema , A lucidez perigosa. É a esta lucidez que gostaria de ter acesso, como mediador da palavra feminina, para, sem pretensão nem preconceitos de qualquer ordem e ordenamentos, tecer esta homenagem em comemoração do Dia Internacional da Mulher.
Ao escrever este texto penso em todas as mulheres do planeta e no longo processo de instituição e inscrição do feminino no universo econômico, político e sócio-cultual bem como na luta imemorial pela sobrvivência e emancipação do ser humano. Trajetória marcada, em cada período, por características distintas, momentos de glória e de luminosidade e longas eras de sofrimento e obscuridade impostos à figura feminina. Natural e culturalmente falo, escrevo de outro lugar.Falo de um espaço vazio onde a imagem da mulher, por mais que tente dela me aproximar e tocá-la, é sutil e fugidia como reflexos de um espelho e ancestral.São aproximações e fugas que, sucessivamente , ampliam minha admiração e meu desejo de sentir, não de deter, a essência do que escapa.
Falo de certa forma, desse lugar marcadamente masculino aludido por Adélia Prado, no poema Moça na Cama, evocando a presença paterna:
“ Papai tosse, dando aviso de si, vem examinar as tramelas, uma a uma. A cumeeira da casa é de peroba do campo, posso dormir sossegada. Mamãe vem me cobrir, tomo a bênção e fujo atrás dos homens, me contendo por usura, fazendo render o bom.”
Em meio a este extremo cuidado e controle e zelo moral e social, a mesma Adélia, diria suspirando: “Jamais o seu peito mais duro que o aço. Palpita a não ser a louca ambição.Supõe-se - orgulhoso - que é soberano, Que todas as belas vassalas lhe são! Mais falso que a brisa que as flores bafeja, Se mil forem belas... a mil finge amar...”
Estranha contradição. Vindo deste mesmo universo machista de que fala a poeta, sinto que será preciso mais do que a consciência da situação e do importante papel que as mulheres ocupam,hoje, na sociedade, para compreender com lucidez e superar a enorme distância que separa homens e mulheres. Pois, nos dia que correm, ambos vem se tornado cada vez mais presas frágeis e fáceis de um modo de ver e de viver que os transforma de seres potencialmente amorosos e complementares, em fatores de produção e consumo, altamente competitivos e desencontrados.
Talvez por isso, Hilda Hilst prefira não sublimar nem romantizar essa relação e busque manter a íntima clareza e liberdade no seu gesto amoroso ao dizer:
“Que este amor não me cegue nem me siga. E de mim mesma nunca se aperceba. Que me exclua de estar sendo perseguida E do tormento De só por ele me saber estar sendo.”
E a partir de sua constatação se posiciona enfaticamente como mulher de seu tempo, atenta e participativa; É este mesmo estranho amor, em campos opostos, já codificados e gastos, que Lya Luft procura exorcismar e desencantar através do poder mágico das palavras sempre fortes e sinceras quando se tratam de sua escrita.
“Estranho também esse amor,, com hora marcada para a mutilação da morte, o minuto acertado, e o fim consultando o relógio para nos golpear.”
Mais suave e venturosa, entretanto, é a visão de Cecília Meireles, quando escreve o seu
“Barqueiro, que céu tão leve! Barqueiro, que mar parado! Barqueiro, que enigma breve, o sonho de ter amado!
A história feminina, pelo menos boa parte dela, pode ser entendida ao se contemplar as marcas do tempo e da traça no vestido que Adélia guarda/esconde com carinho no armário de seu marido.
“É só tocá-lo, volatiliza-se a memória guardada. “

Já Florbela Espanca manifesta suas dúvidas e cismas sobre os mistérios do amor e, lírica, interroga,
“Digo pra mim: de nós dois Quem ama e quem é amado?...”
Mas que amor é esse que move e faz tudo mover, que nasce, morre , remorre e nasce cada manhã? Que formas novas de relacionamento estão surgindo com os sintomas atuais de um tempo comprimido, tenso, fragmentado, virtual e volátil? Ainda haverá tempo pra homens e mulheres, de todas as condições sociais, e independente de suas opções amorosas, dos amantes aprenderem um com o outro o “fermoso assunto” o sempre urgente e fervoroso amor? Que novos paradigmas estão nascendo e que dóceis ou cruéis conseqüências podem nos revelar? Será que teremos de cada um a seu modo aprendermos “a arte de viver sozinho”, como tem sido alardeada através da mídia e da Internet?

Seja como for, tudo indica que a noção de cara metade está definitivamente superada pelas condições pós-modernas. E que, nenhuma forma de agressão e violência, de exploração, de cara de pau, poderá ser tolerada, atualmente, nas relações humanas, sobretudo, nas que dizem respeito ao relacionamento amoroso entre homens e mulheres. O amor ainda é possível? Será possível/empreender a cada manhã/ um novo gesto /além da gesticulação da língua / da mão vazia / entre a xícara de café/ e a fruta-pão/ o que de novo poderá surgir / no desvão da janela/além do sol antigo/do instintivo movimento de tudo/sentimento estático se descreve o mundo que se dobra se repete/sobre si desaparece?

Mergulhado na dúvida e sem ter conseguido atingir a lucidez desejada, tento desvendar os passos da poeta Ana Cristina César.
“Era inverno e a mulher sozinha... Escureciam as esquinas e o vento uivando...

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Triálogo I

Do prazer de voar com o livro
ao imaginário museu de tudo


A vantagem de vir ao mundo, após milênios de história, é já encontrarmos o mundo bastante modificado pelo engenho e arte do homem. Impossível seria enumerar essas modificações. Além do fogo, das pirâmides e dos Jardins Suspensos da Babilônia, pode-se, sem medo de erro, incluir a água potável, o avião, a penicilina na galeria das invenções. A metafísica, a literatura – a poesia - a física mereceriam lugar de destaque. Para os mais radicais e intolerantes, esclareço que usei a palavra metafísica como metáfora de Filosofia. Sei que não se trata de um conceito exato, mas como não posso detalhar, aqui, os meandros da história do pensamento humano, desde antes dos gregos, resolvi correr o risco da imprecisão. Funciona como um buraco para puxar assunto. Nem sempre dá certo, mas...
Para simplificar talvez fosse aconselhável buscar a raiz de tudo o mais.Ressaltaria, neste museu, apenas a palavra, a linguagem, os signos e as imagens de toda a arte e conhecimento construídos pela humanidade. Incluindo aqui as ruínas e as desconstruções. O que já foi feito e o já desfeito. O que existe, teima em resistir. Aquilo que existirá e o que será impedido de existir. Seria justa e razoável esta opção, pois, sem dúvida, a linguagem está na origem e na trajetória de toda a História do homem. Não a linguagem abstrata, mas o que desta linguagem floresceu dentro e fora do coração do homem.

Que o leitor não se zangue pela minha última escolha. Junto com as cerâmicas primitivas, as telas dos pintores e dos poemas e músicas , de todas a s raças e gerações, colocaria sob luz clara um objeto admirável e único:o livro. Pasmem aqueles que não descobriram, ainda, o sagrado hábito da leitura. Aqueles que, ao invés de bibliotecas, constroem suntuosas garagens. Sei que muitos pesquisadores e futurólogos alardeiam a morte do livro, o seu fim como instrumento e objeto de mediação das trocas, do prazer e do conhecimento. Ao contrário, imagino que o ambiente contemporâneo é espaço fértil para abrigar todas as formas de fazer e de saber. Cenário móvel capaz de estimular a convivência dialogada entre diferenças e pluralidades. No campo midiático, a despeito de suas especificidades, não acontece de outra maneira. Veja um exemplo singelo. Não estou aqui, agora, escrevendo a favor do livro, um texto no computador que será veiculado pela rede e quantos livros já surgiram e surgem a todo instante falando sobre a sociedade da informação e do conhecimento.
Ah! O museu. Boa lembrança esta de se criar um espaço bem atraente para se colocar nele todos os depoimentos e argumentos escritos ou gravados a favor deste objeto sedutor, ao mesmo tempo, esquivo e silencioso. Em defesa do livro saíram filósofos,escritores, cientistas, poetas, compositores. Juntos, formariam um belo acervo.
Crítica arguta, Susan Sontag observa que entre livro e leitor há uma relação de desejo. Além do conteúdo, da edição, da encadernação, da ilustração ou do papel, observa a ensaísta/leitora/autora, o livro exerce sobre os seus leitores aquilo a que poderíamos chamar uma verdadeira aeração física. É, portanto, objeto de cuidadoso carinho. Falando sobre o ato de ler, Michel Foucault coloca o livro como o ponto onde se inicia o processo de transformação e de enriquecimento do leitor “Trata-se, particularmente, de interrogar nossa relação com o livro, com a obra”.
Se se considerar o livro como a imagem que comporta e transporta a linguagem, é justo apropriar-se do que fala Victor Chklovski , aludindo a um tipo especial de imagem relacionada à arte: “o objetivo da imagem não é tornar mais próxima de nossa compreensão a significação que ela traz, mas criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão, e não o seu reconhecimento”
Tudo sugere que o livro, a despeito de sua grandeza na constelação do saber, não existe por si só. Dentro e em torno dele gravitam não só idéias e imagens verbais e não-verbais, mas mundos reais e imaginários, personagens e geografias, autores, editores, leitores. Com estes últimos o livro e a leitura representam possibilidade reais para se criar laços através de uma relação de prazer e de liberdade. Os homens passam, o livro-pássaro,poderíamos parafraseando, reverenciar o para sempre adorável Mário Quintana. Para Borges, o encontro entre o livro e o leitor dá origem a um “faro estético”.
“Mudamos incessantemente e é possível afirmar, com Borges, que cada leitura de um livro, que cada releitura, cada recordação dessa releitura renovam o texto. Também o texto é o mutável rio de Heráclito”.
E Ramón Gómez de La Serna, nas suas Greguerías dizia:?O livro é um pássaro com mais de cem asas para voar?. Temos apenas de saber potenciar o seu vôo... Este o desafio: criar asas feitas livros e voar com eles, sem perder a direção da Terra. Da linguagem, a casa de todos, do mesmo e infinito livro.
Triálogo II
Sua excelência o leitor ou
os segredos da boa leitura

Quais os segredos da boa leitura? Você considera-se um bom leitor? Dar respostas satisfatórias a estas questões é desafio sem fim. Na ambiente acadêmico, lugar de vaidosas disputas, elas causam controvérsias e discórdias. Narizes torcidos! Entre intelectuais e artistas das diversas áreas, provocam apaixonados debates e confusão. Quanto ao leitor, ou melhor, aos leitores, já que existe uma gama de classificações desse animal exótico e fugidio, penso que estão pouco se lixando para essas querelas. O problema é que os segredos da boa leitura envolvem diretamente esta figura polêmica e invisível, heterogênea e dispersa. Não raro, dispersivas.
Não quero ser chato, mas antes de passar a frente, de tatear os meandros da leitura, gostaria de saber em que condições você etsá lendo estas linhas,m agora. Estaria confortavelmente acomodado em uma destas, que mais parecem camas. Ou estaria mesmo deitado? Vou ariscar um palpite: excelentíssimo leitor deverá estar em algum bosque imaginário. Sozinho. Embebido de pensamentos e imagens que nunca virão à luz. De pé, na fila de algum destes desaforados bancos.Não, isto não desejaria jamais para nenhum leitor, mesmo aquele mais ranzinza e detalhista. Esteja onde, como e com quem estiver quero lhe dizer mais uma vez que sem você todo texto escrito, independente do suporte, não passaria de um defunto vencido. Não precisa ficar intimado com meus elogios. É uma questão de justiça, uma verdade imposta pela realidade. Não lhe faço nenhum favor, portanto! E tem mais não estou me referindo só a esta simpática pessoa com quem estou conversando, agora, mas do outro leitor, de seu duplo, um personagem literário, co-participe da construção deste texto que está demorando a se desenrolar. O jogo, como se vê, é mais interessante e complicado. Um quebra cabeça sem fim.
Você, meu amigo, se me permite trata-lo assim, apesar de nossa tão curta convivência, é deveras importante. Importante e misterioso. Tão misterioso que os estudioso, os ditos cientistas, com todo o meu respeito, não conseguem entrar em um acordo quanto a sua identidade. Daí que para lhe dar um nome, fazerem uma denominação exata e digna de sua magnitude, inventam muitos apelidos, para dizer praticamente o mesmo fenômeno. Você pode se situar, por exemplo, entre os leitores virtuais, leitores ideais, leitores-modelo, superleitores, leitores projetados, leitores informados, arquileitores, leitores implícitos, metaleitores... Gostou? Se você me acompanhou até aqui por curiosidade, consideração ou por puro prazer, arisco lhe dar mais um epíteto: que tal leitor-paciente, “leitor-fashion”? Em qual destas classificações você acha que se enquadra? Não, não precisa me responder. Aqui, toda a decisão é sua. Com e em todos os sentidos.
Neste momento, no ato mesmo da leitura deste texto/duscurso/midiático o que estararia pensando o leito? O meu leitor, se assim posso dizer. Estaria sério? Atento? Interessado ou doido para chegar ao final do caminho? Curioso para saber aonde, após tantas encruzilhadas, pistas e atalhos, essas palavras em rede pretendem levá-lo. Não se iluda com as promessas que nem cheguei a formular ao longo deste escrito, pois, podem não passar de moinhos de vento, de conjecturas. Nada que mereça crédito incondicional. Antes duvide. Pergunte. Levante. Vá ao dicionário. Ao banheiro, se precisar. Tome café. Descanse os olhos. Olhe pela janela da sala, do texto. Se necessário use faca, estilete, canivete, mas remova os entulhos, levante as linhas e observe bem entre as malhas da rede. Discuta o que aqui não se mostra com sua esposa, irmão, namorada, amigos. Se estiver sozinho, não se perturbe. Discuta com você mesmo. Seja exigente. Não continue aí feito uma taça de cristal à espera de bom vinho. Entregue-se à leitura. Embriague-se. Deixe-se prender. Voe se assim o desejar.
Os segredos da boa leitura, se você esta me ouvido e tentando-me, sobretudo, naqueles pontos sobre os quais desentendemos, não existem. Pelo menos como em um catálogo de endereços, com seguras referências. Os segredos da boa leitura estão no ato de ler. No processo de caminhar, nadar, pedalar voar sobre a superfície lisa ou acidentada da linguagem e da língua, de espectros diversos e enigmáticos. Talvez por isso é que certa vez escrevi: a língua pátria me manda/a lingua pétrea me funde/a língua mátira me tece/a língua rosea me fura
a língua amada me lambe/a língua viva me mata/a língua morta me chama/a língua me deixa à míngua/e vela me venda me ilude /
a muitas milhas de mim/outras línguas me procuram. Língua e linguagem que possibilita a construção de mundos, nossa própria – imprópria algumas vezes - construção e reconstrução diária e permanente. Tornamos-nos homem, ser de consciência, equivale a dizer, ético, pela linguagem. Não só pelo diálogo amoroso, mas também pelos conflitos que ela gera. Não só pelas contradições engendradas no seu útero, mas, sobretudo, pelo consenso e possibilidades de superação que a linguagem da vida traz em si.
Ja está cansado, o leitor? Esse leitor que para Proust O leitor, para Proust, era um amante dos livros, da boa leitura. Espécie em extinção, que tudo pretere pelo prazer de página manchada de letras e ilustrações. De alguma, qualquer superfície marcada pela palavra oral e ou escrita, cantada ou declamada. Fixa ou animada. A linguagem é um cinema, auto-estrada de mão dupla. Seja devorada silenciosa, sinuosamente. Em solidão. Mas, adverte o escritor, “:...se nos acontece ainda hoje folhearmos esses livros de outrora, já não é senão como simples calendários que guardamos dos dias perdidos, com a esperança de ver refletidas sobre as páginas as habitações e os lagos que não existem mais”.
Em breve chegaremos ao final deste texto se é que algum texto tem fim. Cansado estou eu que, depois de concluir essa conversa silenciosa, perdi boa parte e, aqui estou, de novo, reescrevendo o já descrito. E, da mesma maneira que não se faz duas leituras iguais, não se escreve-reewscreve um texto de maneira semelhante ao original, jogado no lixo ou perdido por uma dessas perversões da tecnologia.
Você pode estranhar, mas a leitura, apesar da novidade contemporâneas, ou por causa delas, possui algo de mágico. De magia demasiadamente humana, penso! Seres de leitura somos condenado-abençoados a tudo ler. Decifrar, quem sabe a vida. O escritor João, o outro, Guimarães, mágico decifrador dos sertões de Minas e das mimosas Rosas da linguagem diz: "A vida também é para ser lida". E sendo o viver muito perigoso, segundo o João, posso intuir: ler, de leitura viva e atenta, é perigosa empresa. Sertão se afunda. Abre-se em buritis e rios do sem sentido. Oferece-se à leitura. Tudo se lê.Eis o engenho e a maldição do homem. O escritor e poeta Flávio Carneiro salienta: “Pode-se ler um romance ou um poema tanto quanto se pode ler no rosto de alguém um traço de dor, um sorriso, ou uma roupa, o céu, um jardim". Tudo são “caminhos que se bifurcam”, planetária biblioteca cósmica. Tudo de signos e silêncio se tece. O sertão engole o sol.
Tiáogo III

Ler e amar exige paixão

João Evangelista Rodrigues

A leitura e o amor exigem posições sempre novas e confortáveis. Exige paixão. Não se lê e não se ama como se estivesse comendo um “cachorro quente” em um fim de rua de subúrbio. Pensando melhor, confortável é pouco. As posições devem ser agradáveis. Sugestivas e prazerosas. É isto mesmo que estou querendo dizer. Você, leitor experiente e sensível, acertou em cheio! O ato de ler e o de amar têm em comum a paixão e o deleite. Ler sem paixão seria assim como fazer amor sem prazer. Sem desejo. Compulsoriamente.

Dois motivos levaram-me a escrever as linhas acima. O primeiro deles foi a modo que vi um adolescente lendo uma revista de variedades, que ficava entre xérox de livros didáticos. Textos extraídos da Internet e um monte de apostilas rabiscadas. O segundo motivo e, este me veio à tona, ao lembrar-me de como Ítalo Calvino age, ao transformar em sua narrativa, estilística e estrategicamente, o leitor concreto em um personagem ficcional, imaginário. Portanto, no romance pós-moderno, de raízes borgianas, os dois leitores são, ao mesmo tempo, um e outro. Assim, para o leitor que lê o livro, para o leitor que está lendo este pequeno ensaio sobre o ato de ler, não será fácil distinguir , com nitidez, o lugar onde ele realmente vive e se move: na vida real, com seus condicionamentos e aborrecimentos concretos, ou em um mundo virtual, ficcional. Em caso de dúvida, o leitor terá que resolver sozinho, esta “parada”. A bem da verdade, sozinho, de todo, não. Ele e o texto que leva nas mãos. Seja o livro de Calvino – se você ainda não leu, vale a pena ir ao encontro dele – ou em companhia deste rápido caso de amor com as palavras derramadas aqui, carinhosamente.

Ah, o adolescente, você ainda se lembra dele? Claro, ele estava lendo uma revista de variedades, de tal modo extravagante, que acabou por me chamar a atenção. Não que quisesse intrometer-me nos hábitos do moço, que mal conhecia. A revista estava longe dos olhos, no chão, entre as pernas, em meio a uma bagunça visual e sonora formada por CDs, DVDs, celular, garfo, prato com resto de macarrão, xícaras e copos de plásticos sujos de refrigerantes. O caos era maior porque o som e televisão do quarto estavam ligados ao mesmo tempo. No primeiro, tocava, a todo volume, uma destas despretensiosas “baladinhas” americanas, sem estilo nem personalidade. Na TV, o noticiário do trágico desabamento que abalou a cidade de São Paulo e sensibilizou todo o país. Para completar, a garota que morava no apartamento da frente esganiçava, frenética, o nome de nosso protagonista. Pela insistência e altura dos gritos, ela precisava falar com ele qualquer forma. Nosso leitor, por sua vez, não estava nem aí, para nenhuma destas coisas.

Explicados os motivos conscientes, que me levaram a este texto, deixo o leitor em paz para que ele desfrute o pouco que falta destas páginas.

Assim inicia o romance do italiano, nascido em Cuba: “ Você vai começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno. Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido. É melhor fechar a porta; do outro lado há sempre um televisor ligado. Diga logo aos outros: "Não, não quero ver televisão!". Se não ouvirem, levante a voz: "Estou lendo! Não quero ser perturbado!".
O adolescente, sob luz fraca e nebulosa, olhava desinteressadamente, para a revista. A mocinha quase se rasgava de tanta gritaria. Nunca se viu coisa igual. Queria mostrar o novo modelo de seu celular seu colega de faculdade. Nosso jovem leitor, por seu turno, seria incapaz de relatar, de repetir ao menos, uma só passagem da leitura. Mal decorou a cor, o nome da figura principal e a marca da grife que, orgulhosamente, exibia na parte traseira das calças.

Escolher a posição correta par ler exige espontaneidade e criatividade. Em pouco tempo, o corpo se cansa. Acomoda-se. A leitura, por mais interessante ou necessária, em alguns casos, torna-se pesada, chata, cansativa. O leitor acaba se dispersando e lá se foi o essencial do que lera.
Para seu leitor/protagonista, para o leitor concreto, já com o livro dele entre as mãos, Calvino sugere: “Escolha a posição mais cômoda: sentado, estendido, encolhido, deitado”. Deitado de costas, de lado, de bruços. Numa poltrona, num sofá, numa cadeira de balanço, numa espreguiçadeira, num pufe. Numa rede, se tiver uma. Na cama, naturalmente, ou até debaixo das cobertas. Pode também ficar de cabeça para baixo, em posição de ioga. Com o livro virado, é claro.
A esta altura dos acontecimentos, a revista ficou jogada entre os variados objetos. Desprezada. Entretanto, o autor de “Se o viajante...” não perde a esperança em seu leitor, no caso , o nosso, e oferece-lhe mais uma sugestiva opção, em tom de lúdica ironia: “manter os pés levantados é condição fundamental para desfrutar a leitura”.E completa, “regule a luz para que ela não lhe canse a vista. Faça isso agora, porque, logo que mergulhar na leitura, não haverá meio de mover-se.
O ato de ler mereceu a atenção de muitos outros escritores/leitores, antigos e contemporâneos. Machado de Assis era mestre na arte de envolver o leitor de seus romances, contos e poemas.
Outro, foi Rilke, o autor de “Carta a um jovem poeta”. Profundo e sensível, como era, escreveu: “Quero viver como se o meu tempo fosse ilimitado”. Quero me
recolher, me retirar das ocupações efêmeras. “Mas ouço vozes, vozes benevolentes, passos que se aproximam e minhas portas se abrem”.

O amor e a leitura se confundem no prazer das posições que o leitor/amante escolhe para ler e para amar. Na forma como a paixão se expressa e alarga o universo do leitor, real ou ficcional, no movimento íntimo e infinito das letras corporificadas e eternizadas pelo corpo e pelo espírito do homem. Gestos de leitura do amor. Ato amoroso de ler. Em todos os casos, a melhor escolha será sempre a do leitor.