terça-feira, 26 de maio de 2009



sempre viva sempre
a amável artesania das mãos
o trabalho sustentável
a fé e a magia feminina
tecelãs de todas as manhãs
para sempre o sol
o vento no cabelo das meninas
os animais e os insetos
as pedras e o céu
as águas e as plantas
para sempre vivam
as mais belas flores do Capivari
bem ali no pé do Pico do Itambé

terça-feira, 19 de maio de 2009



Ocupação Dandarta. Uma experiência fotográfica

João Evangelista Rodrigues

O ato de fotografar é, em si, invencível desafio. O assunto sempre escapa diante de condições as mais adversas.Acrescenta-se a isto a condição humana do fotógrafo, sua história de vida, sua visão de mundo, seus medos, suas ideologias e neuroses de toda a ordem. E a fotografia? Esta vem? Surge? Constrói-se?
Grande desafio é penetrar em mundos desconhecidos ou que , de alguma forma, não fazem parte do universo do fotógrafo. De sua vivência.De sua classe social.Mundos paralelos, por assim dizer. Como chegar até o objeto de desejo da câmara? Como e quando disparar o obturador , uma espécie de rifle mortal, ante o qual a maioria das pessoas se curvam, por medo, submissão, curiosidade ou vaidade.Como estabelecer um relacionamento humano e cidadão com as pessoas que integram a cena, o cenário, o quadro da imagem: Por que escolhemos esta e não aquela personagem, que muitas vezes, manifesta seu desejo de ser fotografada, fuzilada, com um olhar de sedução ou de súplica?
Estas são apenas algumas das centenas de perguntas que envolvem o ato de fotografar e, para as quais, nunca tenho resposta satisfatória ,pronta e acabada. Neste campo sinto-me sempre no começo a cada experiência.

Ontem, dia 16 de maio, fotografei durante umas duas horas a Ocupação Dandara, no Bairro Céu Azul, em Belo Horizonte, para cobrir uma apresentação de Violeiros , em solidariedade ao movimento. Participaram da apresentação Pereira da Viola, Wilson Dias, Joacir Ornelas , Dimas, Gustavo Guimarães e militantes da Ocupação Dandara.Representantes de vários segmentos socais, como estudantes, apoiaram a manifestação cultural. Este grupo de violeiros, do qual faço parte como compositor, defende a idéia de que a viola deve estar a serviço das causas sóciais e na defesa da cidadania e da sustentabilidde.

Na verdade, fotografei pouco, levando-se em conta meu hábito de fazer muitas fotos em cada saída, para editar ...sempre tive a fotografia na conta das caçadas, das possibilidades, do inalcançável. Daí que faço o máximo de imagens que posso, para escolher, sabe-se como, com que critérios e dúvida, quais?
Enquanto mergulhava naquele mar escuro de barracas, cobertas de lonas pretas, meu pensamento não parava de fervilhar. Caminhar naquelas ruas de papelão e casas sem nada dentro, algumas sem teto, me pareceu caminhar por cenários de ficção, por labirintos imaginários. Não foi medo nem preconceito o que senti.Foi raiva e vergonha de testemunhar esta incômoda presença, de saber que ela faz parte de nossa arquitetura.Ali, bem ao lado de um dos bairros mais charmosos e valorizados da Capital. E, o que mais me chamou a atenção, na volta de meu trabalho foi a certeza de que todos os moradores daquelas mansões e freqüentadores dos restaurantes chiques da região, pareciam alheios a tudo e desfrutavam solenemente as delícias de sua vidinha confortável, nos limites dos valores burgueses.Tranqüilos com sua consciência. Com seus deveres de cidadãos plenamente em ordem. Pelo menos do ponto de vista deles, claro.
Sei que, como fotógrafo, neste curto espaço de tempo, não consegui chegar nem na beira desta realidade. Sequer toquei sua superfície. Caminhei, conversei, cliquei. Recebi belos sorriso de senhores e senhoras idosas, de crianças e e de jovens que ali estão , acampados , de plantão, à espera da sempre adiada solução da lei e da justiça.

Ate dançar, eu dancei, embora este não seja meu forte(rsrs), com uma senhora do acampamento. Fui preso e libertado por uma garota que fazia deste jogo uma forma de obter recursos para os acampados. Depois de preso , alguém paga uma pequena prenda de $R0,50 (cinqüenta centavos) , uma espécie de fiança pelo crime que você não cometeu (rss).Pronto.Você está novamente livre, para ir e vir.Pra desfrutar dos seus direitos de cidadão e dos “confortos e prazeres”propiciados pelo insaciável sistema neo-liberal.Moradia, saúde, educação, alimentação, transporte, cultura...Não é barato?Não é um barato?
Bem, voltando ao ato fotográfico, enquanto me empenhava a captar algumas imagens significativas ao meu propósito: apoiar o movimento Dandara – aviões , verdadeiras mansões luminosas , cortavam o céu de Belo Horizonte, por cima do Bairro da Pampulha.
Cá embaixo, éramos todos um bolinho de gente, pequenas formiguinhas carregadas de grandes sonhos e desejos...os tripulantes e passageiros daquelas espaçonaves, ansiosos como deveriam estar para pôr os pés na terra e voltar para o aconchego de seus lares, nem de cima, nem de longe, deram conga do que estava se passando no acampamento Dandara.
E o fotógrafo, bem, este aprendeu mais algumas importantes lições sobre a vida e sobre o ato de fotografar. Entre as luzes dos aviões e a tristeza de uma escuridão sem água ( a Copasa mandou cortar a água do acampamento) , o fotógrafo optou pela segunda opção.Abismado, como sempre deve ficar todo fotógrafo diante das injustiças históricas, das muitas realidades deste país, chamado Brasil;

segunda-feira, 18 de maio de 2009


Wilson Dias
Viola Caipira:
territórios de resistência
e de identidade da cultura

João Evangelista Rodrigues*

O desafio deste artigo é refletir, dentro de seus limites, sobre o papel de resistência da viola caipira, de dez cordas, enquanto elemento intrínseco de formação da identidade da cultura brasileira. Visa mostrar, também, o caráter visionário e crítico, por que não dizer revolucionário, que a viola, vem assumindo na contemporaneidade, após longo período de ostracismo. Não seria exagero falar de um renascimento do universo caipira, seja por meio da valorização deste instrumento, pela variedade de ritmos que ele proporciona, seja pela nova música que nele se compõe e canta, sem preconceito, antes com admiração, em todo o território nacional. Não pretendo, aqui, entrar em detalhes sobre a origem da viola, suas características técnicas e suas possibilidades estéticas, nem de sua evolução ao longo da história do processo de desenvolvimento sócio-econômico e político cultural brasielrio.

O leitor atento pode perceber, de início, que o que aqui se apresenta não é fruto de uma abordagem acadêmica, fundada em pesquisas formais e sistemáticas, mas nem por isso menos importante, por nascer da vivência, da observação e do contato direto com os diversos segmentos e ambientes que compõem o mundo da viola, hoje, no Brasil. Sendo assim, este modesto texto não tem a pretensão de verdade absoluta nem de esgotar o tema nos limites aqui impostos. Nem precisa dizer da relevância do tema que, aos poucos, vem ganhando respeito e conquistando espaço no mundo acadêmico, como matéria curricular e objeto de pesquisa não só nos Conservatórios e Faculdades de Música, mas em outras áreas do conhecimento, como Comunicação Social, Antropologia, Sociologia, por exemplo.

Portanto, nada mais se espera do leitor que, no final deste artigo, ele se desperte para a riqueza do universo da viola e sobre sua importante presença na paisagem humana e sócio- cultural da vida cotidiana brasileira. Feitas estas ressalvas já é hora de avançar um pouco mais rumo ao universo da viola caipira e mergulhar no coração brasileiro.Que neste itinerário, o leitor atente ler de maneira aberta e sem preconceitos e releve caso já tenha conhecimento ou domine, com maior autoridade, alguns conceitos aqui apresentados. Pois, ao homem do campo, que veio do meio rural, nos braços de quem a viola floresce e canta, é própria a humildade, sem submissão, a curiosidade, sem arrogância, a doação e a troca sem intencionar, de antemão, lucros ou vantagens imediatas.

Ao contrário, fazem parte do complexo caráter desse homem, dono de sabedoria e de comportamentos bastante peculiares, a cordialidade e a coerência entre o pensado e o vivido, entre suas crenças, sua religiosidade , seus mitos e o seu cantar. De mesma forma, sua ética, exigente e cuidadosa, apreendida com a natureza da qual depende, e com a qual sua vida e sua existência em muitos pontos se confundem.

E neste universo natural, de vida social incipiente que a viola floresce. Melhor dizendo, refloresce, após anos sumiço do repertório caipira, apagamento pela mídia e esquecimento pelo publico consumidor de musica. A viola caipira só não desapareceu, de vez, da paisagem cultural e musical brasileira, porque, ficou, durante anos – sobretudo entre as décadas de 70 a 90, resguardada no ambiente sagrado da religiosidade popular. Quer dizer sob a proteção das bandeiras das Folias de Santo Reis, do Divino, de São Benedito, de São Gonçalo e as festas de romaria. Manifestações populares profanas, de cunho lúdico e festivo como nos bois de janeiro, mutirões e bailes de roça, também serviram de santuário da viola caipira, seja preservando ou resgatando ritmos como o coco, samba de roda, batuques, cateretê, moda de viola, desafio e repentes e muitos outros ritmos enraizados nos gosto e na sensibilidade do homem rural.

Se por um lado, desde sua chegada ao Brasil, na época do “descobrimento”, com os jesuítas, a viola assumiu um papel de certa forma, pacificador, domesticador, e, portanto, conservador, não se pode ignorar , por outro, que ela possui uma natureza aglutinadora, festiva, lúdica, misteriosa e mágica. São estes últimos aspectos que fazem da viola caipira um símbolo de resistência e de identidade da cultura brasileira. Nem mesmo os interesses políticos e econômicos, a submissão de alguns segmentos culturais e de alguns grupos ao poder , conseguiram abafar esta força intrínseca que mora no cerne mesmo da viola.Harmonia e desejo de liberdade e de libertação que vibra em suas cordas finadas e encontra abrigos em seu braço , sempre disposto a lutar contra as injustiças e imposições.


Também a meio-caminho, entre a cidade e o campo, um entre-lugar, os bairros mais pobres e periféricos, onde a cultura popular continua resistinto ao massacre, às investidas da mídia, da massificação, termo fora de moda que, à falta de melhor opção , utilizo-o aqui. São massas de trabalhadores anônimos que tentam sobreviver com seus familiares com as mínimas condições possíveis. Neste quase não –lugar persistem núcleos, grupos, pessoas que ainda guardam os vestígios da cultura popular , oriunda do meio rural, como verdadeiras relíquias do patrimônio espiritual e cultural de nossa gente. Mesmo explorados, como mão de obra barata e não especializada, pela sociedade, violentados pela realidade sócio-econômica e vulneráveis aos efeitos da mídia, estes grupos tentam manter a tradição e as transmitir às novas gerações,presas fáceis de “produtos culturais” da moda, de gosto duvidoso, e de outras bugigangas impostas pelo mercado neo-liberal.

É verdade que grande parte das composições , consideradas obras primas, clássicos da música de viola, soam ingênuas diante das contradições sociais, reforçando e projetando conceitos e valroes que só interessam ao mandatários históricos e donos dos meios de produção , coronéis, latifundiários, industriais: em suam da elite agrária e industrial brasileira. Ao mesmo tempo, sempre existiu e, atualmente, com maior evidência, um número significativo e cada vez maior de compositores e de pessoas e grupos, cuja obras reflete visão crítica e postura engajada, não só diante das grandes questões como dos desafios planetários.

Que se der ao trabalho de buscar, de pesquisar, de parar e ouvir verá que a música de viola tem conteúdo forte.Fala da realidade trágica e contundente não só do Brasil, mas de um mundo global em vertiginosa mudança, a cujas conseqüências ninguém escapa. São mudanças que exigem de cada cidadão, onde ele se encontra, uma disposição de mudança e de adoção de uma “ética do cuidado, como bem propõe o conceituado teólogo e estudioso Leonardo Boff”.

Nesta perspectiva vem atuando entidades, instituições como Associação Nacional dos Violeiros do Brasil, o MST, Ongs e artistas e grupos de artistas espalhados por todo o pais. E o mais importante, importante; todo este trabalho reflete a alegria, a luminosidade, a força e energia que vem da Viola Caipira. É em torno deste instrumento sagrado, de seu bojo, que vem os acordes da alegria e as vozes da esperança de um Brasil mais justo, mais livre .Um Brasil festeiro e sincero Se me permite o leitor, vou fazer a defesa da viola , através desses versos feitos a singeleza e o carinho que a viola merece.

em defesa da viola

eu defendo a viola
pelo que tem de beleza
este instrumento chora
de alegria e de tristeza
quem quiser ser violeiro
tem que ter honra e nobreza

sei que a viola é bonita
mais bela do que princesa
parece moça de chita
em festa de realeza
quem quiser ser violeiro
tem que amar e ter destreza

minha viola é singela
mas é cheia de grandeza
o que sai de dentro dela
é a voz da natureza
quem quiser ser violeiro
tem que chegar de surpresa

eu defendo a viola
pelo que tem de certeza
pelo força da memória
por toda sua leveza
quem quiser ser violeiro
que jogue as cartas na mesa

minha viola é festeira
não gosta de viver presa
nas festas da padroeira
canta com fé e firmeza
quem quiser ser violeiro
que mostre sua proeza

a viola eu defendo
com amor e com brabeza
quando canto eu me rendo
à sua delicadeza
quem quiser ser violeiro
tem que vencer a riqueza

cada violeiro a seu modo
fez sucesso na defesa
todos juntos neste mote
vamos cantar com clareza
os violeiros e a viola
são sinceros companheiros

será isto o amor
mistério de pássaros
sob o céu sem fim
será isto
parede inevitável
trágica arquitetura
será isto
este mar de cores
linguagem e silencio

o amor não sei o que será
só sei que sinto
mesmo sem saber
o sabor deste momento
imóvel labirinto

quinta-feira, 14 de maio de 2009


amigos
são poucos
contam-se nos dedos
aprendem-se com a vida
com os segredos do tempo

amigos
são pouquíssimos
não se perdem
no lirismo dos temas
nos enredos e trâmites
da estrada mal sinalizada

convivem em silêncio
o amigo essencial
ao primeiro sinal ressurge da penumbra
ilumina

amigos não se perdem no percurso do medo

quarta-feira, 1 de abril de 2009


sei
poesia não é filosofia
se leio Fernando ressoa em minha pessoa
o pensamento do que não sou
tento refletir
a partir do que vejo
o que vejo pode não existir
diante da razão precária invenção da mente
sério
prefiro sorrir
viro paisagem presente
em seu devir
admiro entre poesia
e passamento oscilo
também mão sei
porque não sou vidente
nem tranquilo
se minha alma existe
talvez seja pássaro transparente
de mesma natureza
a alma da pedra
não sei se pedra existe
nem se tem alma o vento e as árvores ciprestes
se tiver
a alma terá a mesma natureza da alma agreste
da água em forma de rio
da torre da igreja
do pico do Everest
não sei se há algum sentido
em falar da natureza das coisas
se houver tudo será natureza
e nada terá sentido
a pedra água meu corpo que sou eu
o passado e o perdido
tudo seremos uma só paisagem
espelho sem alma
refletido
a nos olhar de longe o mar sem peixes
de passagem sem nada saber
da natureza do tempo da incomum viagem
de tudo com certeza
com razão
duvido

exconjuro
todas as palavras inúteis
adjetivos magros
gordos sem textura
advérbios sem valia
todas os palavrícios da literatura
esconjuro
os sinais de morte
na procura a linguagem si mesma se depura

terça-feira, 31 de março de 2009


? poesia
não serve para nada
se servisse
nada seria
poesia não é serva
poesia não serve!


renuncias
à literatura sem vida
à ditadura da gramática
à liturgia das rimas
ao ritual das mímicas
ao vil metal
aos sete sacramentos
da palavra submissa
renuncias a satanás
ao demônio da crítica
em nome da paz
entre homens e mulheres
de todas as pátrias
entre os poetas sem escolas
de todas as vontades
renuncias à história da infâmia
em nome de Orfeu
ao céu do Olimpo
ao dicionário de empáfias
a terra é pequena e concreta
renuncias á calmaria dos eventos
à feira dos sentimentos
em nome do Cão de Ulisses
renuncias ao carnaval do espírito
de todos os deuses
a todo o ornamento
a terra e um grande deserto
renuncias à gula
ao orgulho
à agulha que lhe costura a alma
em nome da água escassa
da águia de sete cabeças
aos sete pecados do capital
renuncias a ti
poeta
em nome da poesia


entrego-me a Vênus
ao vento cósmico
misterioso movimento
tudo ignoro
intriga-me de repente a cerca
“Penso logo, existo”
insisto em pensamento
lógico
impreciso e lento
o mundo se desaba
à minha frente
pego o mapa com as mãos
restauro pelo sentimento
o poema incontinente nuvem
profundo embaçamento
abro a cortina da linguagem
tiro a ferrugem do tempo
de nada sou distinto
concreto inútil fragmento
me foge ao tato a pedra
ao paladar por dentro
procuro meu escuro invento
cego raciocínio me provoca
pela poesia escavo a vida
todo o dia pelo menos tento

sábado, 28 de março de 2009


sob suspeita
o poeta escreve
a meia noite
a meia luz
ignora a lei do silêncio
a liturgia da lei
o movimento da rua
o regime do tempo
a cidade cega
adormecida sob a lua rubra
escreve com palavras dúbias
escapa aos olhos
do grande irmão
do guarda noturno
do governo diuturno
ao controle de qualidade
das leis do lucro
das rendas da escritura
das regras do grupo
do sermão das manhãs

escreve escava a gruta
escuta o som da palavra acesa
escapa pelo ferrolho da literatura

quinta-feira, 26 de março de 2009


exercício poético

Cruzeiro x Atlético
a torcida faz guerra no estádio
nada de novo
no campeonato mineiro
no balé dos gladiadores
nada muda
o estado das coisas
as cores das bandeiras
a bola continua redonda
no final de mais um domingo
radioativo
tristíssimo
poesia não é jogo
é luta corporal
prazer físico exercício poético

quarta-feira, 25 de março de 2009


Mimas submissa
mística alegoria
se ourifica em brumas
etérea substância
em linhas gerais
se esvai
entre montanhas
castiçais
ntre muros escravos
comensais
entre luas de neon
e salários mensais
liberdade em silêncio
nos horários de expediente
só nos obedientes comerciais

a luta insone
os sonhos
os sinos da realidade
os inconvenientes sinais
da poesia inconfidente
esses não
não se tocam mais

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009




Tranversias
Minas,suas vias e avarias

Por Ronnie Francisco Cardoso*

Resumo: Resenha do livro Transversais,de João Evangelista Rodrigues.Contagem,MG.
Santa Clara Editora de Livros,2002.
ABSTRACT: Review of the book Transversias,de João Batista Rodrigues.Contagem,MG:Santa Clara Editora de Livros,2002
PALAVRAS-CHAVE: Resenha. Minas. Transversias.
KEYWORDS: Report. Minas. Transversais.



O poeta João Evangelista Rodrigues fotografou Minas em suas Transversias:captou a geografia da língua que tão mineiramente exercita. No prefácio do livro (Transversias,Contagem:Santa Clara Editora de Livros) o professor Júlio Pinto observa que “a linguagem de João é assim,é lista que enumera haikaimente as fotografias de Minas em passo estroboscópico,marcando intervalos de luz”.
Pela objetiva do poeta,a Minas que em seus versos se multiplica em prismas e rosetas só pode ser aprendida à contraluz,pois sua imagem persiste inextricável.Da paisagem mineira,fixou a vastidão,o desenho,mas também abriu sua lente subjetiva para as intermitências ,as lacunas,os vazios,para que na geografia do texto sobre apenas os elementos necessários para o leitor montar e remontar a sua própria cartografia de Minas.
O que é Minas?Em Transversias,talvez seja o resultado da sua silhueta semovente,ma qual se confronta o arcaico e o moderno, o sacro e o profano,o comezinho e o acadêmico, a denúncia e a comemoração, o senhor e o escravo, o iletrado e o gramático.
Bem ao sabor barroco, o itinerário afetivo descrito pelo poeta João Evangelista Rodrigues define Minas a partir de marcas.Rastros que se acumulam ate demarcar provisoriamente o mapa íntimo e multifacetado das Gerais,que abarca:escrituras ns baús, o repertório de nuvens, refrões e oráculos,a folia de reis, os devotos, o casamento arranjado, o truco de pouca prosa, o fazendeiro arrogante,o arsenal de garrucha, o desfile de bestas,a rede de rendas,o bestiário, o relatório de injúrias, o peso do escapulário, o tempo mal-assombrado.A tudo isso se junta ainda, os andarilhos oníricos,os confrades e os comparsas, os convivas underground,os traficantes de esquina,os escritores nos bares.
A Minas líquida que o poeta observa encontra uma “pedra no caminho”,que na configuração subjetiva do espaço literário e geográfico mineiro delineada por ele é, metonimicamente, “a frase de Minas a que ainda se exibe / a que de dentro e montanhosa se adensa no poente / e de geografia em geografia de silêncio se exila / e que de dente em dente se arrebenta por dentro / se perde no percurso / de túnel se perfura ou as insígnias se insurge.”Sintonizada com sua época, a “antena paravólica” do poeta capta e descreve um tempo de muda.Aqui a “pedra” de Carlos Drumond de Andrade,mais do que atravancar caminhos é a “palavoura” através da qual se reconstrói um novo percurso poético, é o que permite o alicerce de outros versos que avançam sonoros e escorregadios ao encontro de um marco geoliterário: “na veia mesma de Minas / na pedra esquiva do verbo / a pedra no caminho.”
Na vocação arqueológica que percebemos nos versos de Transversias,a escavação é o processo a partir do qual se rompe com a imobilidade do óbvio e possibilita abrir a “vasilha de cinzas”, “ válvula de escape” a “vitrine dos mortos”.Na abertura que se faz,identificamos vozes e personagens da tradição literária mineira, encontramos Marilias e Dirceus, o José, de Drummond, os oráculos de Adélia Prado,o traçado mágico (seria o do Rubião) e múltiplo (seria o do Mendes) dos Murilos, as travessias e imagem terceira remetem ao mesmo Gerais que Guimarães Rosa amplificou e universalizou.
Minas é isso: muitas vias de acesso e de excesso.Cabe ao leitor descobrir as múltiplas formas de atravessa-la , de refazer sua geografia interna.Então, voltemos às Transversias de João Evangelista Rodrigues.Cada um que faça o seu próprio traçado.

* Bacharel em Comunicação Social pela UFMG
Mestre em Teoria da Literatura
Doutorado em Literatura Comparada pela Faculdade de Letras/UFMG
Estudos Literários.

Reseha publicada originalmente na Radio em Revista – Universidade Federal de Minas Gerais – Departamento de Comunicação Social-2 008-V4 n1/2

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009


corpo
sexy
top model
só pele e osso
por pouco
pelo pódio
pobre colosso
morde
come o sol
perplexo
porco gordo
morre

terça-feira, 27 de janeiro de 2009


tudo no poema
palavra inaugural
o que resta de tudo
mito sem face
sem fundo
tudo em verbo
constelar se funde

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

não por acaso o caos não canto
não conto causos
não me ufano de ser humano
nem brasileiro de ser urbano
sou por inteiro
um engenho de enganos
observo a infâmia dos homens
a infidelidade do idioma
a infelicidade dos anos
nego o acesso fácil
a face neutra dos objetos

pego o que posso para meu sustento literário
vivo de restos e miudezas sem cotação
não me queixo nem espero nada
do passado eterno
sou marcado pelo tempo
de homens marcado
pelo vento pela chuva
pelas tempestades do deserto
pelo excremento da mídia
pelo que excede
pelo que fede do abdome do globo
pelo que pesa no dorso do Planeta todo
falo sobre o desencanto
sobre o desencontro
sob escombros e sombras de sangue escrevo
prefiro a morte a ser escravo
de nada serve o verso
se for servo do perverso tempo
desde o inicio do Universo pelo avesso escrevo

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009


nada aprendemos com a morte dos inimigos
morrem os pássaros e os rios
os pais as flores e os espinhos
morrem os homens de um pais distante
nosso vizinho

pouco aprendemos com a morte de nossos amigos

três punhados de terra
algumas lágrimas nervosas
voltamos para o sem mistério
à retórica burrice de cada dia
mais morto do que vivo
nada se aprende com a própria morte

sonâmbulos seguimos mais ignorantes e sozinhos

sábado, 10 de janeiro de 2009


dos dizeres do poeta
( Imagem a prtir de um poema-objeto de Rosane Magalhões)
o que diz o poeta
com sua fala sempre incompleta

o que diz o poeta
quando o alvo se dispara contra a seta

o que diz o poeta
quando o verbo se fecha sobre a paisagem aberta


o que diz
o poeta diz somente do que lhe afeta

diz do que lhe falta
do que prediz ou lê nas cartas

o que o poeta quando diz
porque nada diz quando fala em voz alta

o poeta diz do som da flauta
do magnata infeliz que se mata
da engrenagem da máquina
da viagem a Marte
dos martírios por nada
das morte do poema da poesia insensata

porque desejam silenciar o poeta
porque o silêncio sela sua voz seleta

é proibido ao poeta dizer
se não for de forma concisa
sintética
se não for hermético
é possível ser poeta
sem fingir
sem aderir ao patético
sem ser parnasiano
romântico
simbolista
modernista ou concretista

sem ir ao supermercado das letras
ao cinema novo
ao comitê do povo
ao circo do cinismo literário
sem ser esperte ou otário

ao se ajoelhar diante do olhar
solar de Van Gogh
em se jogar no abismo do verso árido
sem cair do pico do Itacolomi
sem mudar seu fuso horário

o peta e seus dizeres
o poeta e seus prazeres
o poeta e seus pesares
o poeta e seus díspares
o poeta e suas essências
o poeta e seus aparências
o poeta e seus mal ditos zelos
o poeta e suas íntimas letras
o poeta e seus pêsames

é possível apenas ser poeta
sem paisagem
sem ornamento
sem passagem pela delegacia
de bons costumes
pela poesia sem perfume

o que diz o poeta quando em silêncio apenas ri

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009


o que me interessa em literatura
é a alma do homem
não a alma etérea dos místicos
e dos santos
não a aura dos profetas e anacoretas
a artimanha das cartomantes
caminho de pés descalços
por regiões mais concretas
piso no chão da fábrica do poema
no piso da rua onde moro

remexo o lixo da alma
o estômago da fera
sujo as mãos a cara de lama
lavo no sangue cotidiano
a máscara da mídia
do reclamo pulbliciotario

interesso pelo resto da lata de conservas
não pelo extraordinário
a linguagem impura das putas
as conversas sem reservas
sem atualidades
nem valor utilitário
não tem padrão nem padrinho
minha escrita em pânico
que se dane o dom
o dono da fantasia
o sumo pontífice do consumo
pouco me importa se
o crítico ruminante
cifra come a formula literária
queima gerúndios e adjetivos
n fornalha da escrita se forma o mal gosto
o mal cheiro da genitália do mercado de miçangas

escrevo quando o silêncio manda
conta minha alma de pedra grita a poesia