sábado, 29 de maio de 2010


paisagem

entre o visto
e o imaginado retrato
Minas se mostra diamante
a olhos nus se oculta
ostra de ouro
a música barroca
o ventríloquo em suas entranhas
o monumento de capuz
a estrada antiga
a montanha seca
o vôo rasante dos urubus

quinta-feira, 27 de maio de 2010



tudo em MInas é de pedra sabão
os profetas de Aleijadinho
a escadaria das igrejas
seus candelabros de fé
suas esculturas
os degraus da cadeia púbica
o passeio da farmácia
a rua estreita
sob luz minguada
o piso da Casa do Contos
das prostitutas
o murmúrio dos homens
sua esperança
sua inveja
seu ódio e tédio
seu ócio
as folhas do livro sagrado
os muros de lamentações
o chafariz
por onde escorre a água
o tempo líquido do sonhos
a alma dos inconfidentes
os votos os ossos do ofício
as recorrentes traições


tudo em Minas com raríssimas sucessões
pelo sim e pelo não é de pedra sabão

sexta-feira, 21 de maio de 2010


zaz
o poema pássaro
pousou na pagina branca
mais que o albatroz
veloz
voou pela prça
pela paz dos homens

sábado, 15 de maio de 2010


canto as coisas sem nome
as coisas precárias de sempre
as que do passado no abismo se perderam
as coisas do futuro sem retorno
as que no presente se escondem
sob a ruína das letras se levantam

canto as coisas sem nomenclatura
sem registro na memória
nas porcelanas da família
sem herança literária
sem aparências
sem aparatos
sem fronteiras

as coisas das sombras canto
canto as coisas que não se humilham


quarta-feira, 12 de maio de 2010


Sant’Ana

meu avô paterno na janela
olhando o gado indo em direção ao rio
minha Vó no jardim da frente
nolhado as flores
tristes alecrins
rosas e dálias
brancas e amarelas

o rio carrega o tempo de areia
a vida lenta e movediça

o cerrado se estende pelas vertentes
em mandos e segredos familiares
antevejo um tempo de impossíveis reconciliações

segunda-feira, 10 de maio de 2010


comércio

a cidade engorda
com o comércio de pedra
com ares de falso orgulho
e arcos de triunfo
com o comércio de ferro velho
de engodos e grutas esgotadas
troca de roupa
de farpas e influências
com a compra e venda
de votos
de carros
de fazendas
de almas e indulgências
de ferramentas
de cimento
e outros cereais em pó
trocam-se ofensas
e oferendas
por ópios
álibis
e óbitos
diplomas
hematomas óbvios
pães e opiniões
por meia dúzia de ovos
- quem for mais esperto
carrega o ouro
engole o outro
segura touro
diz o devoto contrito
o legislador sem juízo
o oráculo de olho torto
três vezes
com a mão no bolso

o boi todo se lambe
o crime anda solto
envolto em bruma
em moeda mais clara

homens e mulheres se fingem
dobram esquinas e joelhos
choram às ocultas
se riem de si mesmos
de seus múltiplos
mínimos prazeres
da torre da Igreja Matriz
Nossa Senhora do Carmo
tudo vê

sexta-feira, 7 de maio de 2010


notícia

avise a todos
por todos os meios
por todos os códigos
oficiais e falsos
sem falácias nem hipocrisias
avise bandeirantes e paulistas nordestinos e baianos
avise ao rei
ao vice-rei da cobiça
aos bandidos todos da corte
do Planalto
avise
grite alto
não economize verba de publicidade
aos contratadores da ganância
avise às claras
a todas as classes
de casa em casa
às ocultas
de cara limpa
de ficha suja
de capuz
aos padres
aos párias
aos poetas
aos intelectuais
aos corruptos
de todas as verves
e rituais
avise pelos rádios e jornais
pela TV digital
pela Internet
pelo correio
avise ao mundo
a Europa ao fim do dia
aos Clube dos
Sete
aos traidores de plantão
à torcida do Atlético
aos deuses tristes da Grécia
a Atenas em chamas
ao povo da Cochichina
da Pasargada
avise
o ouro de Minas
o orgulho se acabou
a paciência poética
foi para os quinto
o Ribeirão do Carmo
fede a enxofre
esgoto de aluvião
Minas não há mais
nem deveria
pelo que resta da paisagem
da Serra do Curral
pela honra do dever
em nome da liberdade de expressão
espalhem a notícia
avise a Tiradentes
aos poetas Inconfidentes
aos legisladores inconseqüentes
ao oráculo de crentes e beatas
o que Drummond já previa

o ouro de Minas acabou
a prata de Minas acabou
o mundo não rima
não tem sedução
o Pico do Cauê se exilou
de dentro e fundo só restam
dores gerais e solidão

quarta-feira, 5 de maio de 2010


alusões
a pedra em Minas se impõe
em múltiplas figurações
a pedra em Minas se sobrepõe
em muros e discriminações
a pedra em Minas se interpõe
em ruas e desertificações
a pedra em Minas se extravia
em múltiplas migrações
em magras minerações
a pedra em minas se insinua
em suas nuas ulcerações
a pedra em Minas
e suas dúbias interpenetrações
a pedra em Minas não se opõe
em suas líricas alusões
a pedra em minas não se esgota
em suas míseras escoriações
a pedra em Mians poligrota
em suas defuntas manifestações
a pedra em minas pedragógica
em suas fúnebres alucinações
a pedra em Minas polimórfica
sem suas inúteis interpretações
a pedra em Minas cristalógica
em suas históricas escavações
a pedra em Minas cosmológica
em suas concretas construções
a pedra em Minas solidão
em suas crônicas solidificações
a pedra de Minas perdição
em suas barrocas ponderações
a pedra em Minas mitológica
em suas poéticas remições

segunda-feira, 3 de maio de 2010


Minas
não a palavra
a geografia enfática
o cinismo da montanha
não o lugar
de lua enigmática
o abismo da manhã
Minas
o que não se diz
nem de longe se desconfia
a sete chaves se guarda
a luta
o lucro
o luto
o latifúndio das letras
nem mineiro sabe
deveras o mito
as muitas
os segredos maiores
os deveres de Minas

terça-feira, 20 de abril de 2010


A dança dos anjos
Futebol em sua essência é festa para os olhos. Está mais perto do balé do que do Karatê. É lindo, livre e lúdico. Não tem nada a ver com brigas de torcida ou artes marciais.Pode até lembrar, em alguns lances inusitados, um jogo de capoeira. Assemelha-se às artes plásticas, a um painel gigante com minúsculas telas em movimento.Nisto, o futebol tem tudo a ver com a sedução da alegria e da visualidade da estética contemporânea. Nada a ver com a violência das ruas, das disputas de poder nas arenas de Roma ou do Congresso, com a desenfreada competição do mercado. Não quero, aqui, pensar o futebol simplesmente como produto ou evento alienante. Isto existe, mas fica por conta dos que desejam, em nome de interesses próprios ou de grupos hegemônicos, transformar tudo em mercadoria, em objetos de consumo. Em meios de dominação. Também não quero ver, de propósito, o torcedor como alienado joguete das olas e marolas de braços, cores, caras e caretas, apitos, cornetas e bandeiras que aumentam, ainda mais, o brilho dos estádios. Dos grandes e pequenos. Das várzeas, sobretudo. Imagino o futebol como uma confraternização dos sentidos, caarnavalizaçao dos sentimentos e instintos mais primitovos do ser humano à procura de si mesmo. A brincadeira, a sublimação da força bruta, a comunhão da vida com sua dura e permanente realidade. Mas, para isto, dentro das quatro linhas, os atletas também não deveriam ser transformados em gladiadores, em imperadores. Heróis ou réus. Nada disso. Deveriam ser vistos apenas como atletas, seres humanos dadivosos, dedicados a uma atividade profissional, lúdica e solidária. Pessoas habilidosas, artistas talentosos que se entregam de corpo e alma ao que fazem, Seres que desenham com os pés e voam com os braços abertos para muito além dos limites dos estádios. Pássaros, talvez, de tempos míticos.
Ao escrever estas linhas, naturalmente estou pensando nos “Meninos do Santos Futebol Clube”. Não só pelo sucesso da temporada no Campeonato Paulista, já em sua fase final, sob a orientação discreta e competente do técnico Dorival Jr., mas pelo estilo de jogo do grupo. Estes garotos jogam com o coração. Fazem ressurgir, em tempos de tragédias e violência, dentro e fora dos gramados, nas ruas e nos lares, nas cidades e nos campos, o que sempre foi a vocação do futebol brasileiro: a brincadeira, a molecagem sadia, o drible, a velocidade, a dança. A surpresa em cada lance. O espetáculo de jogar o jogo com a bola da vida. E, claro, a chuva de gols. Esse estilo bem poderia inaugurar uma nova tendência no futebol brasileiro. Tendência que privilegie a genialidade, a flexibilidade e a leveza, contra a força, a gritaria, as ofensas pessoais, carinhos, cama de gatos e ponta pés anti-esportivos. E, como estamos próximos da Copa do Mundo, nada mal se o Dunga, técnico da Seleção Brasileira de Futebol, cujo mérito todos reconhecemos, tivesse olhos para ver e sensibilidade para convocar dois craques –Neimar e Ganso – cuja bela atuação tem tudo a ver com a grandiosa diferença técnica, o sentido de conjunto e a união da gloriosa equipe santista. Vale ver jogar, quando olhos e coração vivem e vibram na mesma sintonia. O resultado só poderá ser a justa conquista. A merecida vitória.

quinta-feira, 25 de março de 2010


O olhar que caminha
O título não se quer original. Faz parte do texto “No mundo da leitura: a leitura do mundo”, primeiro capítulo do livro “O jornal como proposta pedagógica”, de Joana Cavalcanti. Não é, nem seria possível ser original em tempos de pós-modernidades, tardias ou não. Paulo Freire já ensinou bastante, com profunda sabedoria, sobre a arte de bem se ler o mundo.
O que há de original neste texto que ora se insinua sobre o vazio que se segue em linhas e signos imprevisíveis é a disposição do leitor em prosseguir na sua leitura. É o momento mesmo em que seus olhos deslizam à procura de algo perdido no tempo, memórias ancestrais, talvez. Terras devolutas, quem sabe. Terrenos baldios, desses atravancados de ferro-velho, caixas de papelão, livros deteriorados, pedaços de canos, restos de carros enferrujados, panelas furadas, todo tipo de rejeito da insaciável oficina de consumo. Desses lugares que só meninos e meninas encapetados, afeitos a molecagens, conseguem ver e explorar. Nesses territórios malditos não se entra de sapato novo e engraxados, de roupa domingueira, branca e alvejada. De grifes exclusivas e excludentes.
Se o leitor se deixar levar pelo prazer do caminho, certamente irá descobrir, pelo desejo e pelo gosto de caminhar, motivos de sobra para continuar sua viagem pelo texto-vida que aqui se estica mundo a fora. Terá rara oportunidade de descobrir e recriar“cores, formas e imagens” , de sentir “cheiros, sons”, de tocar de pele a pele “ texturas” e, se for mais ousado que a média dos mortais, de ler grafismos, gravetos, gramados, garranchos, tudo que sob algum aspecto se assemelha a palavras, ao rastro dos bichos, dos signos na paisagem extensa e infindável. Mais profundas e atraentes, entretanto, são as paisagens humanas. Nem sempre amenas e amorosas. Agrestes e espinhosas, traiçoeiras e abissais muitas vezes. Escorregadias e evasivas, quase sempre. Saber percebê-las e cativá-las é arte para poucos. São mais comuns, nesses jogos, a conquista e o domínio. As gerações mortas já o provaram.
O olhar que caminha desenha percursos os mais diversos, conforme seja seu caminhar ardoroso ou frio. Varia se se desenha em si mesmo, em ritmo de caminhada sossegada em alguma manhã de sol ou no final de uma tarde de verão. Também será diferente se for um olhar solitário ou povoado de companhias amigas e galantes. Faladoras. De cima de uma bicicleta, de dentro de um carro, do trem-de-ferro, no metrô ou de avião, certamente os olhares se mostram diferenciados tanto pela angulação, quanto pela rapidez de seu deslocamento. Cercado pelas águas , de dentro de um barco, os olhos podem colher, aram horizontes e lembranças vickings sob o ondeante azul do céu. Mediatizados ou condicionados pelos óculos, pela lente da máquina fotográfica ou da filmadora, os olhares perscrutam visões e enquadramentos ainda mais diferenciados.Olhares que espiam pelas frestas das janelas ou pelos buracos de fechadura, à moda mineira, por certo herança portuguesa, não merecem tanta consideração.
Produtivos são os olhares ciganos, desses que pousam. Descansam sobre paisagens inacessíveis. Apaixonam-se pelo que divisa entre o permanente e o transitório. Dizem que olhares se parecem com espelhos de água. Há os rasos e lamacentos, os límpidos e profundos. Transparentes. Há olhares misteriosos e vagos. Fisgam. Fingem não ver, para olhar mais dentro e inquisidor.
O olhar que caminha não caminha só. Abre janelas ao vento, de par em par, em sucessões indefinidas, concêntricas. Leve, leva consigo a cultura e a história de seu portador, de sua gente. Mais, carrega dentro de si toda a herança acumulada desde a origem da raça humana. O olhar que caminha não enxerga o mundo tal qual. Percebe-o, apenas, em sutis e vertiginosas representações. São leituras atravessadas por histórias, lutas, guerras, romances, aventuras, descobrimentos, sonhos, projetos, sofrimentos, colonizações. Existem olhares livres e ou colonizados. Livres são os olhares que caminham por caminhos espontaneamente traçados pelo prazer de caminhar. Como diz o poeta “pelo caminho que se faz, caminhando”
O olhar que caminha livremente descobre mundos igualmente livres e lindos. Mundos falidos, lidos a caminho, de ida e volta para a escola, de passagem pelas avenidas da cidade em sossego noturno. Apaziguada em seus afazeres e posses pelas rezas na igreja matriz. Mundos virtualmente lidos e vividos. Mundos de caminhos reais. Leituras mais que decifração dos tristes códigos gravados a ferro e fogo nas páginas dos livros, na pele, no coração dos homens e mulheres, sobreviventes destes tristes trópicos.
O olhar que caminha decifra, inventa, recria e constrói novos mundos. Mira o olhar do tigre e admira a paisagem que nele se reflete. Simplesmente caminha da mesma forma que o tigre e nele se espelha, apesar das bibliotecas e dos livros esquizofrênicos. Desconfie, portanto, de certos livros. O olhar que caminha ama o que lê. Vive o tempo necessário para as leituras possíveis. Caminha solto entre signos ou sobre as florestas incendiadas salta. Aqui o caminhante se insinua em sombras entes de estender seus olhos sobre mapas mais distantes descansam. Estica-se na sala sobre os livros de sua predileção. O mundo da leitura e a leitura do mundo se confundem. Misturam-se a caminho. O olhar brilha.

sábado, 13 de março de 2010



ave palavra nossa de cada dia
pássaros sem pausas
pastos auríferos
sob céu de seda brotam
manso mistério de gado
em descanso de sombrs buritis
só asas cantam
de silêncio em silêncio se imiscui
fora da paisagem a poesia voa

sexta-feira, 12 de março de 2010



nada

nada aprendemos com a morte
no Calvário
no Horto das Oliveiras
não há choro
nada é necessário

a morte dos pássaros e dos rios
das geleiras e florestas
a morte dos peixes
dos bichos de terra firme
nada nos ensina
nem mesmo a morte de nosso melhor amigo
de um parente mais próximo
dá-nos algo essencial
sobre a vida precária
a que em nós teima em resistir
por insistência do corpo provisório
castigo do espírito insaciável

à todas as mortes assistimos
impávidos e inertes
entre omissos e impotentes
mas avenidas e estradas
nos templos e cavernas
nas arenas e super-mercados
nas fábricas e estádios
como se assiste a um ritual de magia
a uma luta de serpentes
a um programa imbecil de TV

a notícia da morte por e-mail
se mistura a imagens de catástrofes
e “spans” de mal gosto
a comentários políticos e inócuos
sobre o cotidiano de um herói sem caráter
de um país sem imaginação

a tudo se iguala a Tal
sem rosto
em consórcios de consumo
sem perceber nos consumimos
em espetáculos sucessivos e recorrentes
sob rótulos e slogans
os mais diversos e eloqüentes

nada aprendemos com a morte
alheia
por mais estúpida e feia
estampada nos jornais
na Internet
com as mortificações globais
menos ainda aprendemos
com a mobilidade das nuvens
com o discurso dos sobreviventes
no percurso de nossa própria morte

nada aprendemos com a morte

domingo, 7 de março de 2010


No Dia Internacional da Mulher....resolvi brincar com o Chico Buarque e escrever uma cação como se...vejam como ficou:A melodia ainda está a caminho.

súplica

olhem para mim
vejam nos meus olhos
tudo o que existe
tudo o que puder
sentir
mais dentro de mim
onde ninguém vê
mora um querubim
dói só de pensar
na dor
no dom de ser mulher

vejam quem sou eu
vejam onde estou
o que se perdeu de mim
por onde passei
ninguém chorou
por mim na TV
eu cai na vida
sou a mãe da vida
estou sem saída
estou de partida
sem saber quem sou
para onde vou

olham para mim
como se eu fosse
sala de visita
capa de revista
um cartão postal
uma presa fácil
um falso rubi
ágil no que faço
dócil na conquista

sou admirada
mais que uma estrela
sou mais desejada
sou mal entendida
pelo que prometo
pelo que espero
pelo que revelo do amor
em nome da vida
ao longo da estrada
nas marcas de meu corpo
em meu próprio espelho
estou dividida

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010


A dengue pode matar
Leia , imprima e divulgue.

Arcos virou notícia
em tudo o que é lugar
eu não falo por malícia
o leitor vai concordar
o mosquito é atrevido
vive sempre escondido
a dengue pode matar

ta virando epidemia
pelo que ouvi falar
o bicho tem picardia
esperteza pra picar
e pior é traidor
adora vaso de flor
a dengue pode matar

tem cada mosquito gordo
que dá dó só de olhar
não trabalha e vive solto
rola de lá e pra cá
mosquito bem titulado
sem nunca ter estudado
a dengue pode matar

cada mosquito sisudo
até no modo de andar
perna fina barrigudo
custa se equilibrar
tem mosquito milionário
que pica só operário
a dengue pode matar

já vi mosquito agressor
em tudo quanto é lugar
tem mosquito professor
este nem é bom falar
pica sé pelo poder
pelo prazer de picar
a dengue pode matar

o mosquito é praga antiga
é só você pesquisar
mais velho quanto a intriga
bem mais velho que o mar
para tudo tem razão
adora flor de caixão
a dengue pode matar

é bicho de tradição
de poder familiar
só não pica a própria mão
pois seria suicidar
mosquito finge de amigo
é onde mora o perigo
a dengue pode matar

ele mora nos quintais
sabe a hora de voar
esconde nos matagais
nos jardins e no pomar
e pior é mentiroso
desleal e perigoso
a dengue pode matar

tem mosquito na igreja
na empresa e no bar
tem mosquito na pedreira
ou no que dela restar
mosquito vive de lucro
pica até cavalo xucro
a dengue pode matar

tem mosquito que sorri
na hora que via ferrar
eu mesmo juro já vi
até mosquito chorar
mosquito neo-liberal
mata mais do que punhal
a dengue pode matar

e tem mosquito na praça
no bairro chique a vagar
tem mosquito que só passa
pra poder alguém pegar
o mosquito é uma droga
vive até na sinagoga
a dengue pode matar

ele adora pneu velho
água limpa é o seu lar
não se olha no espelho
com medo de se assustar
e pior entra jogo
populista e demagogo
a dengue pode matar

ele mora em casa pobre
em mansão mora no ar
de tão falso se encobre
não dá nem pra acreditar
vive do sangue do povo
todo ano vem de novo
a dengue pode matar

tem mosquito ignorante
não sabe nem soletrar
usa apenas do rompante
para poder dominar
mosquito adora dejeto
adora roubar projeto
a dengue pode matar

tem mosquito candidato
a candidato a picar
adora pó de asfalto
mas se diz que é popular
já vi mosquito erudito
este é mais esquisito
a dengue pode matar

tem mosquito sem cultura
sem gosto sem paladar
tem mais bunda que cintura
que cabeça pra pensar
e se acha o maioral
na escala nacional
a dengue pode matar

tem até mosquito brega
não dá nem para escutar
tem mosquito que escorrega
onde acaba de cagar
mosquito é bicho tinhoso
predador mais perigoso
a dengue pode matar

por isto preste atenção
não se deixe acovardar
entre neste mutirão
que tudo pode mudar
combata este mosquito
feito as pragas do Egito
a dengue pode matar

Arcos merece carinho
merece mais se cuidar
não há de ser um bichinho
por destino ou por azar
que vai picar tanta gente
por a cidade doente
a dengue pode matar

vamos todos combater
com este bicho acabar
a vida há de vencer
há de florir e cantar
seu povo merece mais
merece respeito e paz
a dengue pode matar

por isto caro leitor
faça o verso vicejar
seja mais um bem-feitor
de mãos dadas vem lutar
não vote neste mosquito
atrevido e esquisito
a dengue pode matar

por isso caro leitor
não se deixe enganar
pelo zumbido o que for
seja gosto ou paladar
este mosquito moderno
se esconde atrás do terno
a dengue pode matar

e por aqui eu termino
meu cordel de convocar
seja idoso ou menino
todos vão participar
Arcos é civilizada
merece ser bem cuidada
a dengue pode matar

não quero ninguém de fora
a dengue tem que acabar
comece já e agora
a varrer e a limpar
vamos por fim à sujeira
viver não é brincadeira
a dengue pode matar

traga verdade e alegria
vamos com força esfregar
jogue água e poesia
pra tudo desinfetar
casa jardim coração
rua riacho emoção
a dengue pode matar

em nome da ecologia
do bom viver do lugar
em nome do dia a dia
mais feliz e salutar
vamos fazer nossa parte
viver a vida com arte
a dengue pode matar

a morte não é tão feia
como se pode pintar
pior é morrer na peia
sem poder espernear
eu prefiro a liberdade
de viver nesta cidade
a dengue pode matar

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010


o poema prefere
palavras curtas
de pele intacta
mínimas em tudo
sem asas
sem artefatos óbvios

ave e ar
água e pedra
palavras que
sob sol antigo
fervem se afloram

o poema prefere
palavras míticas

domingo, 31 de janeiro de 2010


Haiti

só quem viu
poderá nos dizer
quanta dor
quanto sofrimento
quanta solidão
só quem sentiu
tremer seu corpo
seu coração
pode chorar seu povo
merece mais
que o poder
merece amor
merece voz
todos os seres
aves e plantas
bichos e homens
ios e mares
merecem ter um país feliz

ver o vento da morte
passar
e chegar uma nova estação
e do fundo da terra brotar
a liberdade
e a esperança morar
em suas mãos

só quem viu o que eu vi
pode chorar por ti
só quem ouviu
pode cantar por ti
Haiti
Haiti Haiti
ai de ti
ai de ti
ai de todos nós


de comum insiste
a pedra na memória
o riachinho sujo
sobre o mesmo arqueado nome
a imaginária história
de tropeiros sem descanso
a fé missionária
veio de fora
de igual os fornos
e as forjas de sandice

de comum o que ainda resta
dos mortos no cemitério velho
alguns arcos de barris
o abismo entre os vivos
as rixas entre seus donos

arco íris por acaso ronda
o céu branco de fumaça
em uma incerta manhã
de sermão dominical
com sua ambígua
e desconfortável paz

de comum exibe a pedra
o face inculta do túmulo

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010


não é do poema
o que nele habita
homens sem rosto
tempo sem futuro
lugares sem marcas
não é do poema
tudo o que nele grita
o que em sua órbita vazia
grávido de angústia
sobre si gravita
no poema nada sequer
se prende por instinto
nada imita a vida
animal mais íntimo

não é do poema
a solidão da escrita

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

exorcizo pela escrita
no útero da paisagem
o que de mim
em mim mesmo ultrapassa
a parede da fala
o malefício do poema

prefiro ser vasto em sossego
sem saliência
liso de gravuras
mais que própria pedra de giz