terça-feira, 10 de julho de 2007


Embaçamentos Urbanos ou Embaraçamentos Humanos

Não raro, ouve-se a moçada dizer, em tom de ironia: tá tudo embaçado, “brother”! A expressão, contaminada em várias direções semântica, cultural e sociolingüística, expressa bem a situação do mundo contemporâneo. Uma aldeia em chamas. Aos olhos vermelhos de fumaça ou de chorar o leite derramado, ou por amores perdidos, o céu não é mais de brigadeiro. Está embaçado de lato a baixo. A Leste, a Oeste, de Norte a Sul. São embaçamentos. De toda ordem. Formam-se ao longo do tempo, como parasitas em árvores frondosas, pela tradição dos nomes, pela omissão das leis, pelos interesses econômicos e vícios político-administrativos.
De repente, dá-se conta de que tudo está embaçado: o corpo, a alma, a inteligência, a responsabilidade social, a sensibilidade, a consciência política e, sobretudo, a ética. Praticamente ninguém escapa à onda de embaçamentos que invade a sociedade contemporânea. Longe de nós e, não raro, muito próximo.Nas nossas barbas. Debaixo de nossos olhos. Embaçamento dos grandes, que só não vê quem não quer ou quem, de tão embaçado, já não distingue o que é um céu de brigadeiro de um céu invadido pelo vendaval de pó, poeira e fumaça.
Os embaçamentos urbanos, então, estes são praticamente invisíveis. Seguem o ritual do mando e são provocados em horas mortas, no sigilo dos escritórios e no confortável segredo tradicional da família mineira, por exemplo.E nem adianta o alerta dos cientistas e autoridades internacionais sobre a trágica e preocupante realidade ambiental do planeta. Tudo vai se tornando cada vez mais embaçado. Do espelho do banheiro à alma humana, do meio rural ao meio urbano. Nem os céus de Brasília escapam à fúria de tal inescrupulosa fumaça. Se tudo continuar assim não será mais possível respirar, praticar esportes ao ar livre ou mesmo observar as garças que ousarem sobrevoar pela manhã e à tarde as casas tranqüilas e submissas da cidade enfumaçada.
Tal embaçamento vem tomando corpo entre nós, arcos de fumo e mau cheiro. Se você ainda não percebeu , pare e observe.
Toda a região está infestada por esses incríveis processos de embaçamento, geralmente subsidiados por “justificativas e licenças oficiais plausíveis”. Tudo em nome do progresso inadequado, do lucro injusto e da abusiva utilização da natureza, da qual somos parte integrante. Ou ainda há quem pense ser o homem o rei da criação, com direitos arbitrários sobre os bens da terra?
Que o ser humano não seja um animal natural, apesar de toda sua capacidade intelectual, prepotência e ânsia de poder absoluto.Daí, que muito pouco é feito ou quase ninguém se lixa com questões ambientais sérias como a camada de ozônio, efeito estufa, o esgotamento da água potável no Planeta, com a morte dos rios e das florestas, da extinção da fauna e da flora. E claro, do próprio ser humano, artífice e ator, beneficiário e vítima da estranha tragédia em escala mundial que hoje se alardeia.
Ou há quem ainda pense que Arcos, com suas queimas de pedra e pneus, lotes vagos, lixo espalhado na periferia e na zona rural consiga escapar ilesa? E os municípios vizinhos de Pains, Formiga e Córrego Fundo, abarrotados de calcinações, com a mesma vocação econômica predatória, não fazem parte do Planeta Terra? Não é por acaso que se multiplicam, entre os habitantes da região, casos de gripe, câncer, alergia, irritação da pele e dos olhos, asma e insuficiência respiratória.
Triste embaçamento do céu, da terra, do mar e do espírito humano.Torpes embaçamentos urbanos que infetam o ambiente e envenenam os sentimentos e corações.
Desculpe-me o leitor, pois, no lugar destas palavras embaçadas de indignação, gostaria de escrever algo mais leve, inspirado, quem sabe, nas garças que ainda sobrevoam a cidade branca, sob a luz quente do entardecer. A realidade, entretanto, impõe palavras mais dolorosas e contundentes. Enfim, uma Ética do Cuidado, como propõe Leonardo Boff, implica também a denúncia e a contestação. Implica, ainda, a exigência de medidas urgentes por parte das autoridades, dos órgãos públicos, das empresas de grande, médio e pequeno portes e de uma atitude pró-ativa de todos os cidadãos para eliminar o abuso contra a natureza e o desrespeito ao ser humano, ao cidadão comum que somos todos, em todos os quadrantes da Terra.
Que Arcos possa comemorar seus 69 anos de emancipação política-administrativa com o firme propósito de seguir o exemplo de tantas cidades brasileiras, onde se investem recursos humanos e econômicos significativos em benefício de uma política ambiental séria, tendo em vista a educação cidadã, o respeito e o cuidado com a natureza. Só assim, será de fato uma cidade amável e agradável para se viver, com qualidade de vida, esperança e acima de tudo, respeito mútuo.

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