segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

que fantasmas dominam a cidade
movem suas máquinas de morte

que santos protegem a cidade
contra a peste da ignorância

que fadas distraem a cidade
com ilusões e encantamentos

que força move os desejos da cidade
sua obsessão pelo prazer

que deuses alimentam a cidade
nas épocas de miséria e escassez

que heróis protegem a cidade
contra a opressão e a discórdia

que idioma fala a cidade e suas mídias
que mediam sua cotidiana mediocridade

que crenças separam a cidade
com muros invisíveis e cruéis

quem fantasmas fecham as portas
quando a noite recomeça em nós

que feiticeiro médico ou charlatão
pode curas as doenças da cidade

que olhos são esses que nos olham
de soslaios pelas ruas mal iluminadas

quem dirige o relógio da matriz
o tempo mínimo que nos resta

que oráculo nos protege do ócio
quando após a missa nos odiamos

quem detém a chave do erário
enquanto o público se diverte com sandices

quem controla o regime das chuvas
e do poder que cai sobre a cidade

que seres moram nos esgotos da cidade
e tudo devoram com voracidade

quem guarda a senha dos segredos
dos cofres que escravizam a acidade

que mestres ensinam a cidade
estimulam a ganância e o egoísmo

quem fabrica o pão e as intrigas
que desintegram a cidade

quem trafica drogas e sonhos abstratos
para que a cidade se esqueça de si mesma

que juízes condenam a cidade
contra os seus crimes absolutos

quem guarda a cidade contra seus invasores
quem a protege em tempos de trégua

que guru ou cartomante se arriscaria
a prever o futuro da cidade sem felicidade

o que seríamos sem a consciência do que somos
senão fantasmagorias de uma cidade sem alma

quem sou eu no mapa da cidade
senão um ponto de interrogação

quem de fato vive em paz nesta cidade

sábado, 31 de dezembro de 2011


a Baal deus da pedra negra
ofereço este altar de palavras
ofereço o sacrifico da pedra
que da montanha sagrada
cai a cada manhã

ofereço
o que pelo fogo se purifica
a alma da pedra no forno
o coração do povo
de voz contrita se humilha

cubro de cal a cidade proibida

sábado, 24 de dezembro de 2011


Desejos

para o Natal
imaginei um poeminha
nada coloquial
nada de Herodes
de deserto
de fuga para o Shopping
de excursão para o Egito

nada de estrela do oriente
do ocidente
da TV decadente

mão quero reis
nem Magos nem gordos
pouparia a vida dos porcos
dos chesters e dos perus
quero uma ceia frugal ao ar livre
uma banquete universal
com vinho e frutas exóticas para todos

quero água potável
não preciso de neve
nem de papel Noel
quero um céu saudável
povoado de pássaros de rara plumagem
sem buraco negro ou camada de ozônio

gostaria que a rena e u burrinho
descansassem em campo fértil e floridas
nada de entregas à domicílio
nada de turismo interplanetário
de viagens às escondidas

a pobreza é igual e triste
em toda a parte
seja no Brasil
no Equador ou no Senegal
no Timor Leste ou no Haiti

no Natal
quero muitas árvores na
Amazônia
muitas luzes nas ruas das metrópoles
na periferia do planeta

quero água potável
menos poluição nos oceanos
menos violência contra as baleias
do homem contra si mesmo
mais cuidado no trânsito
no trato da coisa pública
menos tráfico de drogas e de influência
menos abuso de nossa paciência
de cidadãos
mais clemência para os fracos
os velhos e doentes
mais rigor na aplicação das leis
contra os ladrões e expoiadores
menos corrupção nos tribunais
nas palácios e nas mansões

não será preciso presépio
nem estrebaria
nem galo eletrônico
nem estrela virtual
porque ninguém há de nascer
fora do tempo
fora das maternidades
entre lençóis limpos e
sorrisos cordiais

quero um link para a paz
um kit de sobrevivência
embrulhado para presente
com felicidade e sossego
solidariedade
amizade e confiança

um frasco de amor
sensível
sensual e perfumado
me parece indispensável
para alegrar os dias
que nos habitam de tédio e incertezas
de indiferença e medo

o que mais gostaria no Natal
mais que um anel de brilhante
que o amor fatal da mulher invisível
um carro veloz e alucinante
que um DVD erótico
um Cd dançante
é poder viver e morrer em paz
aqui mesmo onde moro e não demorarei
porque breve é a vida
e leve é a morte dos homens
longe ou perto de Deus
seja em Belém do Pará
em Bagdá
em Roma ou em Belo Horizonte

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011


estou diante de teus olhos
e não me vês
escondo-me atrás das palavras
entre elas me ofereço
entrelaço signos e sentidos
teço cada manhã com fios indecisos
raios luminosos me cegam
sou mais apto para o vôo que a borboleta
mais sutil que a beija-flor
adoro sapos em dia de chuva
na penumbra da janela
coaxos encharcados de sinfonia
me remetem ao relento onde a vida me procura
o discurso dos grilos me ensinam
poesia é verso livre de literatura

segunda-feira, 28 de novembro de 2011


Silêncio

no princípio do princípio

era o verbo

a palavra primavera

a linguagem em flores encarnada

pela voz

abre-se o abismo dos tempos

da memória e do esquecimento

a história oculta do poema

no princípio do princípio

na havia mistérios nem fingimentos

só o pleno silêncio

segunda-feira, 24 de outubro de 2011


um gafanhoto não sofre

por ser magro mais que um faquir

mais que osso descarnado e triste

não pergunta porque está ali

seco mais do que um grilo sem fala

o gafanhoto salta sem saber

do seu salto a essência ou a razão

reinventa manhãs de orvalho sobre as ruínas das folhas

segunda-feira, 3 de outubro de 2011



aqui estou
a meio caminho de pedra
fujo do medo de me fugir
da perda de mim mesmo
do rugir da fera na sala iluminada
aqui estou sem fingir
de poeta fingidor
sem apalavras de água
que me cerquem
me lavem e me saciem
aqui estou sem mágoa
em meu exílio voluntário
fora do calendário oficial
do dicionário honorífico
do vendaval de glorias e medalhas
aqui onde sou apenas bruma
na manha de chuva
sem história sem relevo
apesar da geografia montanhosa
vivo sem tempo e sem aurora
porque assim é este tempo
sem memória sem aura e sentimento
pouco ou nada sei
do mundo que me cerca
das cercas e portões de ferro
que me dividem o sentimento

mundo de muitas chaves
me atormenta
me encerra no tempo
lúcido ou louco
me deixa trancado em mim
por pouco para sempre se fecha completamente

sábado, 24 de setembro de 2011


não guardo moedas nem sonhos de infância

ajuntei como pude palavras de céu alvejado

como se ajuntam vacas sagradas

para a ordenha

o deleite da vida na manhã virginal

colecionei lembranças de lençóis ao vento

presos em arame farpado

tudo em caixas de sabão minerva

ao lado de garrafas vazias

pedaços de corda de bacalhau

raramente entro neste quarto de despejo

sexta-feira, 23 de setembro de 2011


nada além do tempo

alheio ou único

bonito ou feio

ao olho nu do outro

me bifurco

tudo por acaso se mistura

se instaura sem receio

meio aura de dragão

meio asa de urubu

cortado ao meio

alfabeto em pânico

cavalo e vento

galope e freio

tudo se afigura incerto

estranho e cru

conforme o pacto

o peso

o pathos

o espasmo do verbo

desatento

o cozimento do asno

do pensamento obeso

tudo mundo de espanto

concreto sol azul

no firmamento fora do prumo

tudo em luta

no pântano do espelho se dilui

quarta-feira, 14 de setembro de 2011


prepara tua solidão

e escuta

é sobre ti que diz

este poema

sobre a humanidade oculta

em teu gesto único

fala resoluta

palavra extrema

segunda-feira, 12 de setembro de 2011


em tua solidão

está o teu sentido

o tecido de cada dia

a provação de tua existência

em permanente conflito

porque de nada ti adiantará

mergulhar no oceano

se dele não tiveres consciência

se com ele te confundires

abraça tua solidão

com todo o teu espírito

e tudo verás de perto

sem medo e sem fantasia

domingo, 11 de setembro de 2011

negócio da China
o ócio não germina
sobre pedras
fica no cio em qualquer lua
quando o amor termina
engorda longe dos olhos
do dono
come quando tem fome
dança quando quer
dorme quando tem sono
vê TV ao meio dia
adultera o dicionário
lê romance de cavalaria
joga futebol na grama do jardim
vídeo-game e gamão
ama a mulher do rei beócio
a top-model
a dama de vida difícil
a mucama
ri sem pedir licença
a Irene ou a Luzia
ama mesmo sem cama
ócio já foi pecado mortal
em Roma
crime capital em Alexandria
agora é charme
tema de pesquisa científica
moda de gente rica
coisa de classe
rende juros
poesia
dá fama
dá rima
o ócio sem culpas
é coisa fina
é dom do homem livre
recompõe os ossos do ofício
não presta conta ao fisco
anima o espírito das coisas
a alma indócil da cúpula
negócio da Chima
o ócio não é coisa para imbecil
não é preguiça qualquer
não é jovem nem senil
ócio é ócio
nos braços de qualquer mulher
quem tem ócio está no céu

onze de setembro

joão evangelista rodrigues

New York New York

a cidade exótica treme

chora ao som de um blues

flores de fumaça

de fogo e vento voam

sobre as ruas em ruínas

explodem tombam de orgulho

as torres gêmeas

entre folhas de fatura

de um negócio escuso

cobrem de veneno e horror

as almas

a raça em pânico

a fratura exposta

mostra a outra face

do Gênesis

um furacão de pombas

perfuram as pálpebras do mundo

inglórios reis se curvam



quarta-feira, 7 de setembro de 2011


o que de melhor herdastes na vida

foi a própria vida

a sabedoria que há de vir

com o tempo

de prazer ou de penúria

não apresses portanto

os passos do tempo

o ritmo

do que por natureza ti pertence

a morte não tem preferências nem pressa

é pontual e precisa

hospitaleira e eficaz no seu ofício

a todos contemplam com igual solicitude e benevolência

sábado, 27 de agosto de 2011


é só estorvo e fardo
o que guardo a sete chaves
em lugar secreto
livros empoeirados
recibos velhos
cartas de amor sem data
diplomas remendados com durex

mas o que sou
de mim não se perde por inveja
no supérfluo areal dos desejos
absorvo em silêncio



um homem por si
é solidão
círculo de fogo
envolto em água
alga e lodo
embarcação sem porto
um homem em si
por si se inventa
dele nada se subtrai
nada se acrescenta
sobre pedra calma
Sísifo sem alma
se desinventa




domingo, 21 de agosto de 2011


que glória há
em dominar o planeta
se onde pisas tudo morre e seca
adoece de peste crônica
de mal se cura
se contra ti voltam tuas conquistas
todos os engenhos que inventas
se te cortam a carne a faca e o forcado
as ferramentas todas que construístes
se são de veneno tuas refeições diárias
se não tens direito a um sono tranqüilo
se inimigos ocultos batem à tua porta com porretes e bazucas
se te assaltam corpo e alma
em plena luz do dia
se mores esmagado pelas máquinas ferozes e desnorteadas
se descansamos nossos corpos sobre cadáveres de espécimes extintas
que vitória é esta que cantamos
com orgulho com cega distinção
que trágica alegria a do ser humano que trai e mata seus semelhantes

em nome de que ciência e de que conhecimentos
continuaremos esta guerra sem fronteiras nem motivos
e como haveremos de tecer poemas
canções de exílio
em mundo assim
insípido e opaco
que triste melodia embala tua oficina de medo

que glória há em dominar o planeta