sexta-feira, 25 de agosto de 2006



alguns me querem lírico
outros me querem tísico

alguns me querem forte
outros me querem cínico

alguns me querem rico
outros me querem mínimo

alguns me querem cômico
outros me querem em coma

alguns me querem falso
outros me querem fixo

alguns me querem leve
outros me querem frio

alguns me querem medo
outros me querem mito

alguns querem que eu parta
outros querem que eu fique

alguns me querem mártir
outros apenas morto

ninguém se importa
com meu preparo físico

ninguém se importa
se sou feliz ou triste

ninguém se importa
se sofro reumatismo

de espinhela caída
de “ leer” artrose ou bronquite

se uso droga pesada ou leve
ou se a tudo isto resisto

ninguém se importa
se a mula é manca
se o cão é doido
se o galo é cego
se o rio é seco
se a vida é breve

poucos perdem tempo
com meus versos duros
com meus versos curtos
com meus versos túmidos
com meus versos graves

aos adoradores de bezerro de pedra
aos deglutidores de aço e ferro

aos devoradores de letras às cegas
aos admiradores do reino em desterro

aos agrimensores da métrica da miséria
aos defensores da gleba alheia

aos inimigos a lei
aos amigos do rei
ao rei
a estes
todas as batatas podres

nem vencedores nem vencidos
nem traidores nem proscritos

poesia se faz
em redes de sentidos

com detritos
não com redes de intrigas

poesia não se conforma
com a tampa do caixão

por mais chique seja sua alça
o vidrilho o ouro falso-florão

alguns me querem tímido
outros me querem túmulo

alguns me querem corvo
outros povão

alguns me querem cívico
outros apenas servil

alguns me querem sol
outros solidão

alguns me querem macro
outros me querem micro de circo

alguns me querem autêntico
outros otário
ninguém aceita de fato
meu contra-cheque literário

aos amigos o que hei-de
senão versos
senão valsas
senão apertos de mão
em tempos de vacas magras
em noites de lua cheia

à poesia
basta o poema de cada refeição
o que revela em prato limpo
o lado podre-bom da maçã

poeta não é sapo
não é raro

poema é lâmina
não goma de mascar

poema é raio
não é rã

não é deus
nem satã

não fica de quatro
por isto inventa
o salto
reescreve a vida a cada manhã

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