domingo, 27 de agosto de 2006



a Itabira do poeta
resiste ao tempo eterno da poesia
o casarão de janelas azuis
revela o dia
entre a névoa e a lembrança
entre a prece e a hipocrisia
tudo que poderia ter sido
e que foi
ao findar do inverno
a passo lento
de boi-tempo
a lerdeza mineira
o falso encantamento da tristeza
o lirismo mórbido da burguesia
a mulher de sombrinha preta
de vestido longo
com ares de princesa
a fumaça escura do trem-de-ferro
rumo a Vitória
pela graça do Espírito Santo
o minério que não há mais
as minas que nunca houve
suas guerras gerais
as brigas em família
aa falência
as arengas
os avais
suas abstinências
dominicais
o sacro-ofício da poesia
a ingerência do padre
a Itabira do Poeta
há vinte anos
jamais
resiste ao tempo efêmero da travessia
a avenida de tráfego ofegante
o elefante de quatro asas
a mitologia das letras
o colégio das freiras
as colegiais de pernas roliças
o Pico do Cauê de corpo desfigurado
a paisagem lavrada de Itabira
migra para o Rio de Janeiro
vive em um copo de louça
sobre a mesa do poeta
a moça de olhos de pássaro
da pele da cor de doce de leite
a poesia no pretérito perfeito
a desordem gauche
das coisas absurdas
abstratas
das flores roxas à beira da estrada
o absoluto abismo de MInas
Itabira
não é mais um retrato na parede
é sede e cinismo
surda obediência à tirania do tempo
sua matéria-prima
bruma de poeira e vento
friagem na espinha
vertigem no ventre
de quem por onde Drummond
se descaminha
inseto raro
cava escava escavaca
sua sofre
escorre sobre si
em sete faces se desdobra
leito sem rio
verso onipresente
voz sem rima
vida sem graça
urbe urgente
liga de ferro e aço
véu de nuvens
paisagem transparente
passo a passo vaga em permanente ausência

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