domingo, 14 de janeiro de 2007

limites


sem véus

limites sem véus

não suma meu amor não suma
não quero ver a sua sombra
seu vulto no final do túnel

não
não suma

quero a casa e o casulo
quero a casca e o sumo
as marcas e os furos
quero as máscaras sem fundo
quero mais que tudo
as jóias e os furtos
quero as rosas e os frutos
os espinhos e perfumes
todos os espelhos escuros
todos os deleites
todos os alfinetes e detalhes
todas as caras e bilhetes
todos os entalhes e enfeites
todos os leitos claros
sem armaduras nem escudos

quero tudo a que tenho direito
dentro e fora da lei
no reino dos homens surdos
dos homens estreitos

como não posso não querer
como a nada somos impunes

quero todos os aromas e abismos
todos os beijos hirtos todos os idiomas
todos os sorrisos

o paraíso
não
não quero

e como eu não me retrato
não me iludoquero todas as artes dramáticaso
invento oculto
contra todas as gramáticas
contra a literatura insossa
contra todos os defuntos
quero todos os templos
as tempestades futuras
quero tudo que pode ser e tocar
com dedos calmos e cegos
quero viver e morrer
os extremos e as espumas
todos os mistérios
todos os livros belos
todos os exemplares amarelos
todos os refugos e reflexos
todas as misturas espúrias
todos os elos

e como tudo é um
e diverso
quero todo o Universo
todas as faces e fases
todas as frases e orações

quero ver Paris
ver poemas e anúncios
andar de ônibus
conhecer os sumérios
ler os muros de Berlim
os murmúrios de Roma
todas as súmulas

fazer América não
prefiro ir ao inferno

e como tudo passa
quero todos os lastros
todas os bichos e pássaros
todos os rios e montes
todas as planícies
todos os mitos e mártires
todos as marés
a Baia de Todos os Santos
todas as plantas
quero tudo da vida sem edição prévia
sem amarguras todas

todas a suas vias de aceso
todas as recessões
todos os excessos de mão dupla
todas as pinturas
e como tudo ultrapassa
a paciência bovina
a ravina a raça a razão
não quero nada de graçanão quero traição
quero o que você imagina
toda a imaginação
não não quero insultos

nem reis e nem sultões
quero os medos e sustos
os semblantes de todos os sertões
todas suas luas
suas evocações

só não tolero ciúmes
e plumas
adoro chorinho e Jazz
adoro blues
boleros e tangos
e como não quero trapaça
jogo limpo e severo
não quero traça no texto
não quero tintas de melnem pretexto em vão
na hora do preloquero asas contra os céus
quero tudo em branco e preto
todas as irregularidades
sinuosas situações
coisas encantadas querotodas as ingratidões

e como não posso querer tudo
estanco de desejo as letras

meus territórios de sede
a jaculatória das águas
a prepotência dos deuses
as leituras dos mares
dos ares
do chão
todas as sagas
quero da vida todos os rumos
e histórias
todos os combates e combato
só quero lutas verbais
todos os ângulos
todos os túmulos
todos iguais

quero da vida todos
todos os ramos humanos
todos os cumes
todos os limites sem véus
não quero amos
quero todos os triângulos

como não posso tudo
nem tudo querer amar
como sou pele e osso
poço deserto e luar
como não posso ir mais longe
como esqueci o radar
não posso querer nem saber
só por mim mesmo voar
como com tudo não posso
a todo o mundo enganar
não posso por tudo em um verso
por tudo a perder
não quero ponto de chegada
não quero me versificar

como não posso escolher
vivo entre a terra e o mar

como não posso
só em mim mesmo morrer
ou em mim nadificar

lanço âncoras
no escuro
sem rédeas
para o sem lugar

não suma meu amor não suma

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