quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

A nave errante e a falta
de espaço para a palavra

João Evangelista Rodrigues

Esta crônica não deve ultrapassar 3 mil e 500 caracteres e não ultrapassou. Ordens do editor. O leitor tem pressa. Eu até que não! Aonde irá essa gente 4.0. Nem aprecia a paisagem. Aposto que já tem gente com mais pontos.Tenho que respeitar as leis empresariais. O sinal de trânsito. O complexo e complicado código das tramas, transas e transações. Pulo sérias considerações. Sérias para mim e toda uma multidão de viventes do Planeta. Bela nave errante, essa nossa casa.

Ai que...urge ser objetivo. Competitivo.Agressivo com relação ao futuro. Preciso ser trezentos mil, diria o poeta. Se tivesse mais disciplina e me esforçasse um pouco poder-me-ia multiplicar em tantos quantos satisfizessem as veleidades organizacionais. A provisória fortuna de sucesso. Poderia, mas não quero. Quero ser eu mesmo, com nome completo, CPF, carteira de identidade, endereço residencial – casa própria - e conta bancária. É questão de cidadania. Os brasileiros anônimos e anômalos merecemos ser respeitado como gente, independente dos pontos que marcam no violento jogo da vida. Pelo que somos. Não pelo perfil profissional ou pelo que têm. Gente é gente e não adianta vir com tridente! Raivosa ou contritamente. Gente serpente, não é.

Puxa, com este português a clássico. Com esse estilo irônico e com estas frases curtas - e grossas -, não serei selecionado em nenhuma entrevista. Em nenhum concurso literagrário. A moda atual é mais “bacana”. Mais grã-fina. É girar. Surfar. Youtubilizar”. É “giralizar” em inglês, desbrasileiramente. Sem eira nem beira. Sem letras e sem leiras. Com lentes de contato coloridas. Com lenços e documentos. Aos pedaços. Alienadamente. Generalísticamente.

A ordem do dia é saber manipular a parafernália tecnológica. De ponta, até ontem. Depois de amanhã, vira sucata. O celular e você, com suas idéias “involuídas”, “embaçadas”. Outra invenção esnobe.Não, faz parte do linguajar “esperto” da moçada que não consegue enfileirar cinco palavras corretamente. Por exemplo: Cara, não consigo ser feliz! ou, tô fora deste

tranco, mano. . Estas palavras existem? Grita o gerente “stressado” para a secretária eficientíssima em tudo o que faz. Em dúvida, a moça consulta o computador. O bicho dá mil opções. Qual escolher? Bem, deixa pra lá...Tudo fica na mesma. Involuído. De ponta. Por fora, brilho de verniz. A publicidade embrulha o velho com cara de novo e “manda ver”. Pra ser justo, a embalagem tem mais qualidades que o produto vendido. Com uma vantagem: desperta desejos e necessidades. Entra pelos olhos e instala-se no fundo da alma do consumidor.Se é que, além do gordo saldo bancário e do cartão de crédito mais disputado no mundo dos negócios, consumidor tem alma.

Sai dessa, meu Deus, perdoe-me por falar assim tão objetivamente. Santo Aurélio, perdoe-me pelas gírias e outras invencionices lingüísticas, com ou sem fundamentos. Preciso verificar quantos caracteres já escrevi até agora. Nisso, o computador é ótimo. Só você ir ao ícone arquivo. Clicar. Descer o “mouse”. Um rato? E inglês, ainda por cima? Bem no meio do texto. Sai daí trem! Sai demo atrevido, que de ratos os brasileiros já estamos cheios. Ai você clica...larga mão, o resto você sabe. Se não souber, tem que aprender. É uma ordem. Tem que aprender, viu! Pelo bem ou pelo mal.Para o seu próprio bem, viu!

Preciso afiar a tesoura. Cortar.Cortar rente.Na carne das palavras. Decapito algumas com pesar. Já passei da casa dos dois mil, e ainda não disse nada do que queria.
Mas esse editor, este leitor, sei não. Aposto que você entendeu tudo, mesmo sem eu tudo dizer. Entendeu ou não entendeu. Precisa entender. È um imperativo entender o funcionamento do mundo. Do universo das palavras. As leis da natureza e da sociedade. Então, entendeu, né?

O espaço acabou. Não me despeço do leitor. Ufa!, estou exausto de tanto correr. De tanto escrever e cortar. De mais cortar do que escrever. Tudo por causa do editor. Da publicidade que ocupa todos os espaços do jornal. Da preguiça do leitor. Por falar nisso, será que ainda está aqui no texto, comigo ou já saiu do Chat, o “danado”?

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