sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

estilo
«A única maneira de defender
a língua é atacá-la»
Marcel Proust
inscrevo-me no tempo necessário
na crista do galo canto de cristal se dissolve
não sou escravo de aluguel
peixe de aquário
bacharel de queixas
guardião de bestas
sou operário do verso
não sou otário
não sou escravo da língua matriarca
monarca
arquiteto do universo
não tenho pressa
na morte me completo

aqui
a contrapelo da pedra me confesso
arremesso palavras mal iluminadas
contra o selo de qualidade
dos textos literários
contra o mofo das bibliotecas
privadas
das jóias poéticas hipotecadas
no cartório público
escrevo contra o lirismo fácil
preso no peito tatuado
nos armários de família
contra o reumatismo dos dicionários
de rimas
de rusgas
de rixas
contra o hermetismo compacto das lagartixas
em concílio
contra estética da ordem
da honra do mérito
do bêbado equilíbrio das formas
no espaço aéreo
escrevo
a favor dos parias
dos piratas inconfessos
da pirotecnia dos sonhos
da clássica desararmonia dos gestos
dos dilúvios de desejos
dos verbetes marginais
da veredas desiguais
escrevo nos muros
nas marés
no jornal mural
no pé da escadaria das igrejas
nos suplementos de todas as receitas

sei que o mar não está pra peixe
que o tempo nada promete
que tudo que se disser
é fora de propósito
motivo de escárnio
não merece crédito
da crítica do ministério único
que todo manifesto é objeto póstumo
inoportuno e insólito

insisto mesmo assim no dito
invisto contra as palavras vanguarda
engajado
maldito

por nada deste mundo apago
pago o preço de mercado
pela vida e pela bolsa
pelo que fiz de toda a minha escrita
pelo que fiz e aqui repito

escrevo contra a palavra em minha pele
contra a palavra que não fere
contra a palavra eterna
bela forma de granito