sexta-feira, 25 de agosto de 2006



alguns me querem lírico
outros me querem tísico

alguns me querem forte
outros me querem cínico

alguns me querem rico
outros me querem mínimo

alguns me querem cômico
outros me querem em coma

alguns me querem falso
outros me querem fixo

alguns me querem leve
outros me querem frio

alguns me querem medo
outros me querem mito

alguns querem que eu parta
outros querem que eu fique

alguns me querem mártir
outros apenas morto

ninguém se importa
com meu preparo físico

ninguém se importa
se sou feliz ou triste

ninguém se importa
se sofro reumatismo

de espinhela caída
de “ leer” artrose ou bronquite

se uso droga pesada ou leve
ou se a tudo isto resisto

ninguém se importa
se a mula é manca
se o cão é doido
se o galo é cego
se o rio é seco
se a vida é breve

poucos perdem tempo
com meus versos duros
com meus versos curtos
com meus versos túmidos
com meus versos graves

aos adoradores de bezerro de pedra
aos deglutidores de aço e ferro

aos devoradores de letras às cegas
aos admiradores do reino em desterro

aos agrimensores da métrica da miséria
aos defensores da gleba alheia

aos inimigos a lei
aos amigos do rei
ao rei
a estes
todas as batatas podres

nem vencedores nem vencidos
nem traidores nem proscritos

poesia se faz
em redes de sentidos

com detritos
não com redes de intrigas

poesia não se conforma
com a tampa do caixão

por mais chique seja sua alça
o vidrilho o ouro falso-florão

alguns me querem tímido
outros me querem túmulo

alguns me querem corvo
outros povão

alguns me querem cívico
outros apenas servil

alguns me querem sol
outros solidão

alguns me querem macro
outros me querem micro de circo

alguns me querem autêntico
outros otário
ninguém aceita de fato
meu contra-cheque literário

aos amigos o que hei-de
senão versos
senão valsas
senão apertos de mão
em tempos de vacas magras
em noites de lua cheia

à poesia
basta o poema de cada refeição
o que revela em prato limpo
o lado podre-bom da maçã

poeta não é sapo
não é raro

poema é lâmina
não goma de mascar

poema é raio
não é rã

não é deus
nem satã

não fica de quatro
por isto inventa
o salto
reescreve a vida a cada manhã

sábado, 19 de agosto de 2006

não digo
não diga mais a palavra amor
de banal entonação e dissonâncias
verbo embalsamado
gesto inconcluso
artigo de luxo em liquidação
nas lojas de conveniência
sem desconto sem perdão
entre mercadorias baratas
sem marcasem data de validade
ofertas de ocasião
no dia das mães
dos pais
da pátria

dia dos namorados
no dia de finados
de todos os santos e demônios
por qualquer ou sem razão
na sempre ascendente inflação dos sonhos

à falta de melhor motivode melhor juízo ou sono
invente palavra mais original
de perfume inédito
de silêncio mais curvo
de som de rio no escuro em leito de areia branca
outro idioma talvez
solene e rude
palavra mais quente
alfabeto sem nome

não se ria
se por acaso o amor chama
rnão rime amor com dor
com flores de qualquer espécie ou conotação
não murmure
não grite
não recite
não lamente
não cale
não cante
não resista ao falso enigma
sol de pedra no poente
sobre a ponte da imaginação

amar
amor não é chave para todas a portas
remédio para nenhum mal
droga para todas as paixões

presente para todos os momentos
cofre de desejo
enigma
desencanto e esquecimento

não se importe tanto com tanto alumbramento
não chore a morte da palavra amor

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Transversias V

Minas e seus escravos
Minas e suas excumunhões

Minas e seus alinhavos
Minas e suas aliciações

Minas e suas alianças
Minas e suas alienações

Minas e suas anuências
Minas e suas aliterações

Minas e suas bandas
Minas e suas bandalheiras

Minas e suas bandeiras
Minas e seus bandolins

Minas além das Gerais
Minas aquém de si mesma

aqui jaz minas
nos limites dos quintais

aqui jaz Minas
e suas minerações

aqui jaz minas
e suas indagações

aqui jaz Minas
e suas indiciações

aqui jaz Minas
e suas nomeações

aqui jaz minas
e suas deleções

aqui jaz Minas
e suas dicções

aqui jaz Minas
e suas lamentações

aqui jaz Minas
e suas procurações

aqui jaz Minas
e suas contradições

minas e suas posturas
minas e suas provocações

minas e suas figuras
e suas configurações

Minas e suas promessas
Minas e suas provações

Minas e suas escrituras
Minas e suas escriturações

Minas e seus escritórios
Minas e suas reconciliações

Minas é onde está
sstado de pura decantação

Minas é onde nunca esteve
nem aqui nem lá - em desterro

Minas mesmo é o outro lado
foge ao alcance das mãos

Minas mesmo o outro ladra
foge das mãos do ladrão

a palavra atrás da porta
a palmeira a palmatória

a palavra noite morta
a nota nada promissória

a palavra em código morse
vaga pela praça à fora

tudo a peso de ouro
a pedra o ferro os florões

tudo a peso de outros
a torre o bispo os peões

o barco sob a névoa
suas degenerações

Minas são vastas serranias
e devastações
arraiais
imensidões vazias
dessertões
há vilas vagas
burgos insones
freguesias
cidades
sobrados soberbos
soturnos subúrbios
e porões

há morros e montes
há sempre um belo horizonte

há marcos e arco-íris
severas demarcações

há pouca água nos rios
muita mágoa sob a ponte

sirenes e cincerros
serras e cercanias


se não há mar não há
também porque deveria

há mais do que se vê
há mais do que se via

há mais do que se lê
bem mais do que se ouvia

não há só vilas em Minas
há víboras à revelia

não há só vilas em Minas
há capital e capitanias

se há vilas há vilas
há muito mais à vista

se há vilas há vícios
há muito mais valia

se há vilas há vínculos
há muito mais compadrio

se há vilas há vaias
por nadas se aviltaria

se há Minas há muitas
muitas diversas marias

valeria mais amar
amargas minas

valeria mais o mar
amáveis minas

valeria mais o marco
de antes das sesmarias

Minas e suas amarras
Minas e suas armadilhas

Minas e suas armas
Minas e suas auras

Minas e suas arenas
Minas e suas armações

Minas a margem
ou mais interior

pouco decoro
muita decoração

muito choro
pouco devotamento

muito dilúvio político
pouco ouro de aluvião

se não há mar não há
também que mar seria

se não há mar melhor
mudar o seu movimento

mudar de Minas o norte
o rumo mesmo do vento

mudar de Minas o marketing
o prumo do monumento

mudar de Minas o verbo
independente do tempo

mudar de Minas o verso
indiferente ao aviso

mudar de Minas o acesso
independente da via

independente do mote
do uivo de suas matilhas

independente das mortes
que rondam por suas vilas

independente das vagas
independente dos links

independente do porte
da pose da hierarquia

independente de mim
independente de Minas

seja qual for o suporte
o mar que a noite vigia

seja qual for a paisagem
da virtual geografia

seja qual for o poeta
seja qual for o requinte

seja qual for o libelo
seja qual for o calibre

seja qual for a patente
seja qual for o limite

seja qual for a suspeita
seja qual for o palpite

seja qual for o profeta
seja qual for a magia

seja qual for o projétil
seja qual a transversia

nadar de Minas a Minas
independente das ilhas

nadar de Minas a Minas
independente das trilhas

nadar de Minas a Minas
independente do mar

nadar do mar o rumor
amar de Minas toda a poesia
Transversias IV

Minas em si mesma é única
sobre vários prismas e entalhes

Minas é isto
em outras entonações

são muitos pontos de vista
são muitas interrogações

poucas glórias
muitas condecorações

muita oratória
pouca confraternização
muitos oratórios
pouca devoção

poucas notícias
muitas redações

muita gramática
muita cautela

muita análise sintática
muita seda sintética

muita retórica
pouca realização

muita paisagem degredada
pouca síntese na janela

Minas não é isto nem aquilo
nem por isto é mais tranquila

Minas é isto e aquilo
é muito mais em sigilo

Minas é antes da lapela
antes flor fosse mais bela

Minas é antes da legenda
lírica por omissão

muita fazenda
e pouca renda

Minas é antes da emenda
é minas por compulsão

Minas é antes da moenda
do engenho da compaixão

muita indiferença
muita indefinição

muitas referências
muitas malquerências

muita delicadeza no trato
muita frieza nas mãos

muita sutileza no contrato
muita rigidez na execução

antes de Minas a lei
antes de Minas o Rei

Minas
a jazida
o jazigo
o jargão
o jeito mineiro
de remediar o perigo
de reverenciar o umbigo
de referver a panela
de remexer a ferida
de remover o inimigo
de ir tocando a vida
de janeiro a janeiro
de maneira indefinida
Minas
a draga
a droga
o dragão
o drama em família
a adoração pública
a encenação
o jeito mineiro
de contornar a cidade
de contornar as dívidas
de confabular às escuras
de janeiro a janeiro
de contabilizar a usura
de elogiar a si mesmo
de mineiro para mineiro

ser mineiro nem sempre é chic
caberá Mins em um chip
Transversias III

Minas são várias aporias
várias verdades e veredas

novos programas e versões
velhas velhacarias

muito texto
pouca contestação

muitas teses pouca consideração
muita festa pouca alegoria

muito governo pouca administração
muito circo e pouco pão

pouco afeto
muita afetação

minas é isto
sim e não

muita inveja pouca invenção
muita injúria muito mais injunção

Minas é mais ou menos
conforme a indecisão

Minas é mais ou menos
conforme seja o leilão

Minas é mais ou menos
conforme seja a lesão

Minas é mais ou menos
conforme a urgência

Minas é mais ou menos
conforme a ingerência

Minas é mais ou menos
conforme a gestação

é mais ou menos Minas
conforme a geração
conforme a geração de desemprego
conforme o desespero

conforme o desamparo
conforme o desagravo

Minas é isto
são e não são

Minas é isto
são só carvão

Minas é isto
são o que são

muita corte
pouca cortesia

muitos poeta
pouca poesia

poucos partidos
muitas igrejinhas

muita timidez
muita intimidação

muitos pretextos
muita pretensão

muitos revezes
a revisão necessária

muitos revertérios
o reverso da medalha
minas às vezes
a si mesma se retalha

minas às vezes
a si mesma se enxovalha

às vezes Minas se esconde
sob a mancha da toalha
Transversias II

Minas são várias avarias
várias conveniências
vários destinos e dinastias
várias desinências
vários donatários
várias conotações
muita pedra sob os pés
no meio do descaminho
muitos tropeços
muitas conjugações de interesse

muitos vales e vozes
muitas rezas veladas
muito comício no velório
muitas veleidades e arrelias

muitas cruzes e encruzilhadas
muitas emboscadas

muitas vinganças e vertigens
muitas vigas danificadas

muitas senhoras contidas
muitos senhores obesos

muitos senhores contritos
muitas senhoras com sede

muitos pendores cívicos
muitos pensadores míopes

muitas penhoras perdidas
muitas pendengas a esmo

muitos rumores crônicos
muitos penhascos e aterros

muito leite e pouco dinheiro
muito enfeite e pouco cesto

muitos doutores fora da lei
muita elegância pelo avesso

muita eloquência fora de hora
poucas metas e muitos pleonasmos

muita política e pouco acerto
pouca boiada e muito esterco

minas é isto sem exagero
pouco fogo e muito acero

muito porco e pouco peso
muito toucinho e pouco torresmo

muito riso e pouco siso
muito cinismo sob a cinza
muitas vias de excesso
muita ordem e pouco progresso

muita liberdade tardia
muitas inaugurações às pressas

muita história pouco processo
muito excesso na liturgia

poucos heróis muita profecia
pouco latim muita latomia

muitos eleitores poucos leitores
muitas letras poucas escriturações

muitas garagens poucas bibliotecas
muitas trasnvessias e traições

muitas estradas e extradições
muitas estrelas e poucas constelações

muito boato pouca comunicação
muitos feitores e poucas benfeitorias

muita disputa pelo voto
muita apatia pelo povo

muita escuta e pouca fala
pouca empatia com o novo

muita empáfia quando diz
quando a platéia pede bis

muitas frases e sentidos
muita metáfora vazia

muita musculatura
pouca academia

muitas reviravoltas
poucas revoluções

Transversias I

Minas
não há só vilas em Minas
há outros códigos e cânones
outros nomes e signos
outros signatários e insídias
outros assombros

há outros hábitos e sinos
outros sítios e álibis
outros sons
outras situações
outras insônias
e insolvências

outros labirintos
outros latrocínios
outros latidos
outros latifúndios de ódio
outras latitudes de ócio
outras edificações

há muitos negócios em Minas
muitas negociatas às escondidas
muitas negociações falidas
muitos juros perjúrios e prejuízos
muita perversidade de mãos limpas

há outros muros e mitos
outros arrimos de família
outros mimos e violações
outras vidas assimétricas
outras miras mídias e admirações

há muitas grutas e gritos
muitos apelos e apitos
muitos apelidos esquisitos
muitas urnas ao ar livre
muito apanágio e pouco espírito

muitos cemitérios abandonados
muito minério e pouco imposto

muita imposição por quase nada
muito sorriso para pouco rosto

muita fechadura enferrujada
muita pintura na fachada

muita descrição
e pouco desfecho

há outros mistérios em Minas
outras rixas e rimas

muito viés
outras evidências e vilões

quarta-feira, 16 de agosto de 2006



urbanema

o urubu regurgita sua úlcera
seu último urbanema
paira no ar
pousa para ver o engarrafamento
o arsenal de mesmice
na Avenida Afonso Pena
o enfado da multidão
da mineirice amena
voa de surto para a Serra do Curral
para o sertão de acrílico
ravinra de nuvens
boiada à venda
carniça anêmica

migra de raiva para Ipanema
locupleta a saga
a cena
sobrevoa às cegas
a Praça da Liberdade
caga na cabeça do político ausente

mira de cisma o polêmico monumento de Tiradentes

segunda-feira, 14 de agosto de 2006



Proibições da Liberdade

A força semântica e histórica de certas palavras sempre me chamou a atenção. Liberdade é uma delas. Não sei de exato, quando a vi ou a ouvi pela primeira vez. Mas sou capaz de descrever, sem exageros, o brilho de meus olhos e a alegria que invadiu meu coração ao me dar conta dela. Sua forma aberta e clara, sua beleza gráfica e sonora, escondiam tudo que alguém podia desejar. Pronunciá-la era quase um ritual. Privilégio de quem se esforçava, cotidianamente, para dar sentido à vida individual e coletiva.

Às vezes, ocorria-me ficar longo tempo olhando seus olhos grandes na página branca do livro. Até hoje não entendi bem o que se passava. O certo é que esta palavra possuía um brilho particular. Era a mais fulgurante de todo aquela multidão de sinais, dispostos segundo uma ordem predeterminda ao longo do texto enorme e entediante. Destacava-se. Absorvia-me. Carregava meus sentidos no seu dorso para os lugares mais longíquos e altos da imaginação. Era realmente uma palavra rara, no dizer e no viver, a Liberdade.

À medida em que o tempo foi passando, esta palavra começou a aparecer com mais freqüência. Agora, já era possível vê-la nos muros da cidade, nos pára-choques dos caminhões, nas músicas de gosto duvidoso, no comércio-jeans. Quanto mais escassa ficava a liberdade política nas páginas anti-históricas do país, mais esta palavra aparecia estampada, estilizada pela moda, no peito, na indumentária juvenil.

Banalizara-se, de vez, a liberdade. De tal forma que, pouco ou nada, significava sua presença, dita, escrita, ou, aos quatro ventos, proclamada em alto e bom som. Esvaziada de seu significado original, ali estava a“liberdade” na vala comum das pobres e mortais palavras humanas. Sem vida. Sem humanidade.

E foi assim que, entre nós, brasileiros desse fim de século, “liberdade virou prisão”. Artifício retórico. Ornato falso de discursos descomprometidos, alienantes e manipuladores.

O quadro de degradação e corrupção da palavra - desta palavra particularmente - é tão grave que, não seria exagero exigir uma CPI da Liberdade. Para isso seria necessário remover as traças dos arquivos públicos, alterar a rotina das salas dos museus, romper o sossego das bibliotecas bem comportadas, vasculhar jornais e livros didáticos. Nem mesmo as cartas dos amantes mereceriam sigilo no trabalho para restaurar a paixão pela liberdade.

Como se isto não bastasse, será necessário também remover os detritos, curar as erosões, eliminar os dejetos urbanos que comodamente se alojam no corpo desse vocábulo.

Tornam-se, então, cada vez mais urgentes, algumas proibições, que garantem o uso livre e transparente da palavra liberdade. Explicando melhor, essas recomendações valeriam, pelo menos, no território mineiro, onde a liberdade nasceu de terra fértil, de lastro aurífero autêntico. Onde, depois esquartejada, cresceu e se multiplicou com maior vigor e determinação histórica. Liberdade, palavra sem mácula, água cristalina, diamante em cachoeiras de sentidos. Altissonantes e infinitos.

Sendo assim, pelo menos em Minas, ficaria expressamente proibido o uso da palavra Liberdade nos discursos políticos, nos comícios públicos, no plenário e nas assembléias, nas defesas de teses utilitárias, nas campanhas publicitárias e salariais, nos sermões dominicais, nos tratados de marketing, na verbosa e discursiva poesia ufanista e panfletária. Que não se use em vão este santo nome, nem mesmo nas ingênuas declarações amorosas.

Parágrafo único: fica vedada seu uso , por mais dois séculos, até que, em repouso, decante no fundo destes vales e montanhas, no leito dos rios, das represas e lagos, na solidão das veredas, toda imundície, toda leviandade, toda malidicência, toda perversidade que, ao longo do tempo, foram intencionalmente ou não agregadas em seu corpo.

Talvez, assim, após longa espera, esta palavra ressurja da boca de fogo do Alferes, com força cósmica e criativa. Palavra límpida, depurada. Encantada. Decantada. E com asas coloridas cubra, novamente, o mapa de Minas e anuncie, com seu canto de guerra ou de paz, novas manhãs mais claras e promissoras. Liberdade, palavra sem mácula, que no terceiro milênio, seja mais livre. Encarnada pelo sangue da vida, maior poema.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

















A saga Sagarana
Sessenta anos depois

“O Sertão é o mundo” - “O Sertão está em toda a parte. Está essencialmente em Sagarana, do médico, embaixador, o escritor mineiro de Cordisburgo, João Guimarães Rosa, publicado em 1946”.
Etimologicamente, a palavra sagarana é composta, pois dos termos. Saga que tem raiz germânica e significa narrativa em prosa, históricas e/ ou lendárias, ricas em incidentes e rana, sufixo tupi que quer dizer à semelhança de ao modo de. Saga, também, de acordo com o dicionário Houaiss, é o nome dado pelos romenos às bruxas e feiticeiro.
Polêmico desde o seu surgimento, Sagarana é, portanto, um conjunto de sagas - histórias épicas, folclóricas, de amor, mistério e aventura no qual o autor universaliza o sertão, mistura o popular e o erudito. São nove contos-novelas ou sagas-narrativas onde o real e o sobrenatural se cruzam. Em cada conto, várias mini-narrativas se entrelaçam à narrativa principal, fornecendo pistas ambíguas sobre o desenlace do conflito central, retardando e, assim, aumentando o suspense. Fazem parte de Sagarana s histórias O Burrinho Pedrês ,À volta do marido pródigo, Sarapalha ,Duelo Minha Gente , São Marcos ,Corpo Fechado, Conversa de bois e A hora e a vez de Augusto Matraga.
Mesmo depois de seis décadas de seu lançamento Sagarana continua a despertarem os interesses dos antigos e novos leitores, apaixonados pelas grandes narrativas mundiais. Não por a caso, o interesse por Sagarana e por toda a obra de Guimarães Rosa cresce com o passar do tempo. Não por ação, em Minas, experiência literária e tempo se transformam em vivencia e memória. Memória individual e coletiva que dá vida e eternidade a um universo próprio, particularíssimo. Universo líquido, mineral povoado de aves, plantas, bichos, almas do outro mundo. Universo ao mesmo tempo mágico e trágico. Épico e estético. É que Minas Gerais é território em constante expansão através da cultura e da arte, da forma imaginaste de ver e ser cúmplice da paisagem mística e bruta simultaneamente. Minas vai a além de Minas. Muito mais Gerais do que os campos e cerrados que aos olhos do observador desatento se estendem. Enganam-se quem procura somente Minas na obra de Rosa. Esta é rosa de pétalas variadas, labirinto de cores e perfumes sem nomes. Daí que obras como Sagarana são de leito obrigatórias, pois não só não envelhecem com o tempo, mas com ele se transformam e permanecem. Amadurecem de sentidos novos à medida que o leitor amadurece com o rigor do tempo.
É que, como diz Sônia Van Dijck, uma obra literária é sempre uma construção de linguagem e, no caso de Sagarana, Guimarães Rosa alterou o texto, sempre em busca de uma otimização, que só ele podia saber se havia alcançado ou não. Será que alcançou?
É que, segundo o próprio JGR, - Jornal do Brasil, 11 jan. 1959 -.
”Fazer um livro é como bordar um tapete: cada um que vê acha uma coisa. Se o leitor achou isso, é porque ali está: o leitor tem sempre razão”. Está sempre renovado pela curiosidade e pelo olhar caminhante e cambiante do ledor de me em Rosas. Aí está um bom motivo para as movimentar a escolas e faculdades de Letras e de Jornalismo, em tempo de muita musculação, muita agitação mental e de pouca leitura: revista da obra de Rosas, cada vez mais nova, a media e que o tempo passa. O tempo passa? Para a literatura, pergunta-se? E não venha me dizer que se trata de livro difícil. Difíceis são a burrice programada pela mídia, mediocridade e a preguiça intelectual, marcas evidentes da cultura contemporânea.
Mas Sagarana escreveu o crítico Antônio Cândido, em maio a tanta polêmica “não vale apenas na medida em que nos traz um certo sabor regional, mas na medida em que constrói um certo sabor regional, isto é, em que transcende a região”.
É pro estas e outras des razões mineiras, que “Ficamos sem saber o que era Joãoe se João existiude se pegar... aí que”UM CHAMADO JOÃO, o de Carlos Drummond de Andrade foge pela janela do livro, evapora-se por encanto. Em plena Noite do Sertão reaparece. Esse tal de João Rosas. Você já conhece? João é de igual o sertão, está por toda à parte!


quinta-feira, 3 de agosto de 2006


o arco-íris ignora a cegueira dos homens
a fúria de sua lida cotidiana
surge por encanto desaparece
sobre o teto das cidades

derrama sua luz inútil
sobre os muros do alfabeto - surda arquitetura

quarta-feira, 2 de agosto de 2006



a palavra pássaro
a casa-carta
a caixa
o embrolho a coisa
o invólucro-envelope
o ovo não detém o vôo

tudo passa
com ou sem caminho
fogo ou fumaça
água de rio
tudo ex-pársaro
Pasargada
pedra-passarinho

hiperpoema

um poema
remete a outro
a outro poema que remete
a outro
a outro poema midiúnico
poema oco
na boca
do microloucomundo


atiro pela janela todos os pensamentos
tudo que possa interferir na essência do mundo
nada há que se modificar
ao árido movimento do sol diário
a leveza das estrelas de nada me serve
a mim me basta a beleza
das coisas sem data
sem adjetivos
sem mediação
a beleza mineral do poema cósmico


atiro pela janela tudo o que tende à eternidade
a pedra imóvel no coração dos homens

quinta-feira, 20 de julho de 2006





Hezbola!Hezbola!Hezbola!
homens sérios brincam de guerra no Líbano
Israel joga bombas de tristeza
sobre o deserto de nuvens
a morte inocente foge
arrasta de serpente em chamas
a multidão sem nome
melhor seria jogar futebol no inferno
gritassem basta
nas trincheiras de ódio
Hezbola! Hezbola! Hezbola!
palavras estrangeiras
semeiam a destruição do verbo viver

a humanidade se perde em lúdicas batalhas

joão evangelista rodrigues

domingo, 16 de julho de 2006






Jornalisata não é papagaio!
Carta aberta ao Presidente Lula

"Nós, jornalistas brasileiros, solicitamos a imediata sanção do projeto de lei 079/2004, que atualiza as funções privativas dos jornalistas e acaba de ser aprovado no Congresso. Trata-se de uma antiga reivindicação da categoria no sentido de avançar em sua organização e atualizar sua regulamentação profissional. O projeto é resultado de um longo processo de discussão e luta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), dos Sindicatos de Jornalistas de todo o país e dos profissionais que se organizam em torno deles. Passou por todas as instâncias de debates e deliberações destas entidades. Também foi democrática e publicamente discutido na Câmara e no Senado, recebendo alterações e emendas dos parlamentares. Por isso, solicitamos a sanção, respeitando a decisão do Congresso e o direito e o anseio de organização de toda uma categoria que tantos serviços tem prestado ao Brasil e seu povo."
Colega, copie o texto acima, assine e envie para os endereços abaixo: Casa Civil, Ministério do Trabalho, Secretaria Geral, Protocolo da Presidência e Governo Federal. Os estudantes de jornalismo, ou os que não são jornalistas mas apóiam a luta da categoria porque é de toda sociedade, também podem enviar a mensagem, indicando na abertura "eu apóio essa luta dos jornalistas".
Os endereços:
casacivil@planalto.gov.br; ouvidoria@mte.gov.br; sg@planalto.gov.br; protocolo@planalto.gov.br; governo@brasil.gov.br
Lembre-se: Os donos da mídia estão espumando de raiva com a aprovação do projeto pelo Congresso Nacional. Além de atacar os colegas que lutam pela atualização, chegaram ao ponto de chamar o projeto de golpe e até a dizer que desconheciam a sua tramitação. Ora, um veículo de comunicação confessar tamanha desinformação configura um duro golpe em seus leitores e assinantes. Sem dizer que no sistema democrático, não existe nada mais legítimo do que um projeto de lei que tramitou por todas as instâncias de debates e deliberações do Congresso Nacional. Desconhecer isso é mais do que desinformação: é querer golpear a democracia e a nossa dignidade profissional.

sábado, 15 de julho de 2006



Discurso de paraninfo da última turma do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da PUCMinas em Arcos, currículo em extinção, que vai colar grau no dia 07 de julho de 2 006.

Saudações

Prezados afilhados,

Senhoras e Senhores,

Boa noite a todos!


Dedicatória

Peço-lhes licença para dedicar estas palavras à educadora arcoense, Noêmia Teixeira Rodrigues, minha mãe e minha primeira professora, com quem aprendi o prazer da leitura e da escrita; a alegria de estudar, descobrir e vivenciar o mundo de maneira peculiar, participativa e solidária.

Estar aqui e agora, neste lugar privilegiado é, para mim, “uma alegria, mais que uma honra. A honra pode ser imerecida, a alegria nunca o é”. Compartilho o sentimento do filósofo e escritor francês, Roland Barthes, manifesto em sua aula inaugural da Cadeira de Semiologia Literária, do Colégio de França, pronunciada em 07 de janeiro de 1 977. Graduei-me em Jornalismo, pela PUCMinas, então Universidade Católica de MInas Gerais - em julho de 1978. Deste período, trago lembranças e lutas inesquecíveis. Lembranças de colegas e professores marcantes. Lutas pela liberdade e redemocratização do País. Barthes morreu na capital francesa, em 1980, deixando um vazio intelectual e cultural fora e dentro da academia.

Como já se pode antever, é do reino da linguagem, do espaço do sabor e do saber, da sedução da descoberta, que desejo lhes falar. A feitio de Barthes, com quem sempre procurei dialogar e mergulhar apaixonadamente nos terrenos baldios e crespos bosques de sua linguagem, sinto-me um “sujeito incerto”, “impuro”, no sentido, já que ao longo dos anos tenho me mostrado avesso ao rigor da ciência, ao ritual disciplinado e ortodoxo , que oscila entre a ordem e a rotina , a cor púrpura do poder e uma certa liturgia abstrata, metafísica , não raro, competitiva e hipócrita em que vem se transformando a vida acadêmica , a Universidade Brasileira. A história da formação e do desenvolvimento cultural do ocidente, da qual somos legítimos herdeiros e, não raro, filhos bastardos, traz em sua gênese uma questão, até hoje, praticamente sem respostas: trata-se do triunfo do pensamento de Aristóteles - via S. Tomás de Aquino – e da condenação de Sócrates à morte em 399 a. C. , em detrimento de um modo de pensar dialético , florescente e promissor. Morte que se repete historicamente ao longo destes mais de 2 mil anos de aventura do espírito e do conhecimento ocidental.

Não por acaso, portanto, a vitória, a hegemonia, momentânea, do neo-liberalismo que orienta as mudanças e marca de maneira profunda o cenário econômico, político e sócio –cultural neste início de milênio. Não por acaso o triunfo de um pragmatismo predador e de um funcionalismo travestidos pelas tendências pós-modernas. Não por acaso, essas formas de pensar e de agir infiltrarem-se nos departamentos, corredores, salas de aula e laboratórios de pesquisa universitários. A dívida é enorme. Os prejuízos, ainda maiores. Contra esta tendência neo-liberalizante, funcional, autoritária e burocrática,
devem-se contrapor os muitos e diversos olhares que miram e admiram o mundo através das gretas, das brechas e buracos existentes nos muros e grades que protegem a Universidade Brasileira - seja pública, privada ou comunitária - em suas dimensões fundamentais de Ensino, Pesquisa e Extensão, contra não se sabe bem o quê.

Certamente, não desconheço as incertezas de nosso tempo. Mesmo assim, ouso afirmar: não fossem a intuição, a inserção cultural, a arte e a criatividade, apoiadas todas por uma visão dialética sem travas nos olhares, não sei se poderia, ao menos, andar em paz pelas ruas do bairro onde moro, sem ser atropelado pela primeira carroça que por ali diariamente trafega. Somente a luz da razão, a mim não basta. Pior cego, entretanto, é aquele que não quer ouvir!

Caríssimos afilhados,

Este é um tempo maldito, sem inocência, em que tudo significa. Em que nada escapa à força da inteligência, menos ainda, à perversidade, dela. De tanto examinar, especular, recortar, fragmentar, tabular, classificar, copiar e colar, seu objeto de estudo, o ser humano, o estudioso, o pesquisador, o cientista, o professor-educando-educador, tudo se acabou por se reiificar. De tanto se escarafunchar o nariz, o “espírito das coisas”, as coisas estão, aos poucos, perdendo o espírito. É como objetos e não como sujeitos que a maioria dos indivíduos – não pessoas, exatamente - está se relacionando, projetando e executando as atividades acadêmicas, didático-pedagógicas. Burocraticamente. Ritualisticamente. Conforme manda o figurino. Quando muito.Nem mais, nem menos. A degeneração é obvia. As conseqüências, evidentes. Má qualidade de ensino. Formação humana, política, ética e cultural precárias. Abaixo da crítica. De óbvias e ululantes, passam despercebidas. Transformam-se em segunda natureza. Não sei se questões assim, reflexivas, - e reflexão não tem sido o forte das novas gerações - de ordem humanistas, serão consideradas anacrônicas, ou bem recebidas, por urgentes e necessárias. Universidade Brasileira, cuja crise não há como ignorar.Nem mesmo a avestruz mais pelintra! De mesma crise visceral está padecendo o Brasil, a sociedade brasileira.

Neste momento, cabe- nos modestas reflexões.

Caros afilhados, senhores pais.

Não gostaria de lhes falar apenas com os limitados recursos da razão. Primeiro, porque a pós-modernidade, conceito dúbio e, sob muitos aspectos, rarefeito, usou o potencial racional, oriundo da modernidade, ainda não esgotada, para decretar o fim, o desmoronamento da razão que sustentou – e talvez ainda hoje sustente, de maneira mais relativa é verdade – o edifício da civilização, da cultura ocidental, principalmente. Assim como o triunfo do capitalismo selvagem, do consumismo, sobre o socialismo real, o esvaziamento da afetividade e da solidariedade, do triunfo do individualismo sobre o sentimento de coletividade, da desconfiança, sobre a confiabilidade, do oportunismo estreito, estrábico e imediatista estão fazendo definhar, entre nós, a possibilidade de se projetar e construir sonhos e realidades mais estáveis e coerentes.

Tudo sugere que o desmoronamento seja um processo “natural”, sem volta, contra o que já não se pode fazer mais nada a não ser dançar uma “valsa vianense”, ou um tango argentino entre as ruínas do conhecimento, do resto, do rosto feérico da civilização.

Será que após Hiroxima, após o Holocausto, o assassinato de Jonh Lenon, a queda do Muro de Berlin, o misterioso ataque , à luz do dia, às Torres Gêmeas, o inferno Iraquiano e Africano, a Sérvia e o Timor Leste, a guerrilha urbana, as violências anônimas, as corrupções no Congresso , sua recente invação pel MLMST e a derrocada do projeto político do Partido dos Trabalhadores signifiquem o nascimento da barbárie , da tragédia contemporânea, de maneira absoluta, líquida e certa, o fim do sonho e da esperança?

Fim da esperança para todos os indivíduos, já que conceito de “pessoa”, e de humanidade, a exemplo de certas espécimes , são animais raros e em pleno processo de extinção.
Será que à Universidade, à academia, cabe apenas constatar, documentar, concordar e reproduzir esse caos desumano, individual, mundializado. Aqui entre nós, bem ao modo, à falta de estilo tupiniquim?

Ou às Universidades do mundo, as mais sérias e comprometidas, as menos venais; ou ao mundo como Universidade , como linguagem que não se conforma, cabe reafirmar a possibilidade do conhecimento, a tarefa de descobrir novos caminhos, de se compartilhar o prazer do percurso? Cabe reconstruir a legitimidade dos discursos que nutrem projetos e trajetórias individuais e coletivos, acadêmico-científicas sem abandonar a intuição, a sensibilidade, a cultura e a arte, em suma as sabedoria ancestrais?

Gostaria, não fossem as armadilhas e artimanhas da linguagem, de dizer o que tenho a dizer, o que realmente sinto, o que tenho vontade de dizer. Mas o desejo já é por si a demarcação do abismo entre o que possuímos e o que desejamos. Abismos entre abismos, somos o que somos. Seres sem rosto. Textos sem autoria, tudo em nome da moda, do modo, do medo pós-moderno de se viver-morrer, por nada.

Jean Paul Sartre foi incisivo ao afirmar: “o inferno são os outros”. O contexto é diferente, mas os fatos não menos agressivos e dolorosos como os reflexos da II Guerra, as ditaduras Européias e , mais tarde, latino-Americanas, a guerra do Vietnã , de certa forma, tudo já antevia a radical transição porque passa a sociedade contemporânea. Tudo está presente, por mais que descartemos os sofrimentos e horrores provocados por estes fatos. Pelos artefatos da inteligência e da guerra entre homens. Tudo sob o véu e o encantamento das novas tecnologias, das diversas formas de linguagem do Universo. Do Universo mesmo como linguagem. Particularmente interesso-me mais pelo mundo em quanto linguagem , enquanto efígie, do que pelas caleidoscópicas, evanescentes e , muitas vezes, vulgares linguagens do mundo.

O mesmo digo da Comunicação, do Jornalismo, da Filosofia, da Literatura, da História, da História da Arte, da Arte e da Cultura. Isto sem falar da Estética, da Bioética , da Física Quântica, da fotografia, da música, da Arquitetura e do Cinema, por exemplo. Tudo o que aqui for dito, mal dito ou bem dito, pouca valia terá. Afinal, esta é uma conquista, uma descoberta contemporânea, o sentido de todo o discurso e tudo é discurso, migrou da fonte , do falante , do coração de quem diz, para o ouvido, o cérebro para o sem-memória do interlocutor. Ao emissor, se é que este termo ainda tem sentido, cabe arquitetar os signos, de maneira livre ou condicionada, conforme seja sua autonomia, sua capacidade e sua independência frente aos “aparelhos” de controle, hoje mais sutis e muito mais sofisticados, criados pela sociedade da informação e do conhecimento. Mais da informação, de avalanche de dados, que de conhecimento, posto que este exige critérios, paradigmas flexíveis, mas consistentes, capacidade reflexiva e postura ética e crítica, dimensões raras nesses tempos de
pós-tudo-nada, diga-se de passagem.

Talvez a saída seja a busca de uma visão holística, o retorno à dialética, em novas bases históricas. Mas se dizem , com segurança, que Historia não há mais, o que fazer? Com a decretação da morte de Deus, da morte da arte,da morte da Historia , nada mais banal que a morte do homem e de suas convicções mais nobres. Cumpre-se a predição de Thomas Hobbes no sua mais importa obra política, "O Leviatã", publicada em 1651: após pouco mais de três séculos do lançamento desse livro, o homem se torna o lobo do homem;Alguns dirão, sempre foi assim, talvez será assim para sempre, digo-lhes. A trágica diferença, o que me assusta, é que agora sabemos o que somos. Compreendemos perfeitamente – embora muitas vezes preferimos negar - os motivos que nos levam a agir desta maneira.

O cenário tecnológico, em um mundo ecologicamente ameaçado, só potencializa e favorece aquilo para o qual a sociedade já estava predestinada. A autodestruição e o caos.

As grandes organizações, as metrópoles e as megalópoles, as bibliotecas, a biblioteca de Babel e a Universidade, enquanto sistemas de linguagem, elas mesmas, são igualmente interessantes. Interessantes, porque no lugar da mesmice, da reprodução pura e simples, a exemplo do que Borges diz sobre a “cópula e os espelhos” provocam, propõem, inventam, reinventam, articulam-se com vistas a novas formas de ser e de estar no mundo. Transforma-se o mundo da linguagem pela transformação do mundo, enquanto linguagem que se retro-alimenta.

Prezados afilhados,

Entretanto, mais do que pelo dizer, a comunicação autêntica e autônoma se faz pelo não dito, pelo interdito... Pela liberdade, não pela censura. Pela criatividade, pela ruptura. Não pelo “Abre-te Césamo”;. Não pelo Não pelo veredicto. A Comunicação, portanto, se realiza mais no campo do desejo, do imaginário, da necessidade de se romper este abismo, do que pelos processos e modelos, racionalmente concebidos, para dissimular e, ao mesmo tempo, manter o sistema de dominação vigente. Para quem se propõe verdadeiramente se comunicar vale mais o desejo do outro, do interlocutor, sua capacidade imaginativa de interpretação e de construção de sentidos, elaborados, criados a partir do arranjo comunicacional disponibilizado.

A comunicação verdadeira não se restringe à decodificação, unilateral e linear de códigos bem o ou mal estruturados. Não é absurdo considerar o mundo, o universo, meio e mensagem. Babel e espelho. Alfabeto e hieróglifo. Realidades que só se abrem pelo desejo, pela sedução, pelo encantamento, pelo sentimento. Não só pela poder.Pela força de qualquer ordem ou natureza. Pela força, a comunicação não acontece, nunca. Sempre surgirá um ruído a sujar a mensagem para perturbar a interpretação, para prejudicar a compreensão da realidade, da verdade dos fatos.

Meus afilhados,

A essa altura, vocês devem estar ansiosos e se perguntando: esse nosso padrinho ficou maluco de vez. Falou, falou e, ate agora, quase não se referiu ao Jornalismo. Será que não vai falar nada sobre a nossa nobre, pobre e esnobe profissão? Quero apaziguar os ânimos e a matar a curiosidade de meus caríssimos afilhados e das demais pessoas presentes, nesta noite inesquecível. É exatamente de jornalismo que estou tentando falar o tempo todo, não tenham dúvida.
Jornalismo, a “melhor profissão do mundo”, no dizer do “perioditaa” e escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez.

O Jornalismo, meus afilhados, é o próprio mundo em movimento. É o nascer e morrer de cada dia. É escritura permanente da vida e da morte, da história, das aventuras e desventuras do ser humano, todos os dias. Por isso, essencialmente fenomenológico. A verdade dos fatos, matéria prima e fonte de credibilidade do Jornalismo e do Jornalista, difere da verdade filosófica. Uma é fugidia, escapa entre os dedos diante da pressa e da pressão do “daed line”. A hora do fechamento de cada edição, de cada programa que precisa ir ao ar. O momento da morte nas redações. Evapora-se entre a produção e a divulgação da notícia. No intervalo que separa o leitor de sua leitura. Entre o espaço/tempo da leitura, a interpretação que ela provoca e a mudança de ponto de vista, o posicionamento do leitor, frente aos fatos, à realidade mediada. Midiatizada, portanto, por outra realidade que não a original. O fato mesmo em sua radicalidade acontece em outro lugar. Vem dessa fuga constante dos fatos, dessa rarefação da realidade, a importância e o papel do trabalho jornalístico, com destaque para a prática da reportagem. Ao bom repórter cabe revelar o que se esconde por trás do fenômeno, do que surge, à primeira vista,
como sendo a verdade. E qual é a nossa verdade, hoje, o Brasil?

Poderia, a esta altura do campeonato, - não da Copa do Mundo - por os pés no chão. Tropeçar em algum paralelepípedo. Chutar o balde, diante de tanta imundície e desancar o Presidente da República que ultimamente vem fazendo tudo para merecer uns bons xingos: poderia falar da falta de profissionalização e de ética do mercado jornalístico, sobretudo o regional. Falaria dos baixos salários da categoria, da permanência dos provisionados, dos “precários “ e da expansão indiscriminada dos Cursos de Jornalismo. Da falta de qualidade no ensino de Jornalismo na maioria dessas faculdades. Poderia falar, ainda, do controle da informação, da liberdade de imprensa , da censura econômica , via agência de publicidade e outros conchavos. Falaria do desemprego, do subemprego. De como os patrões , sobretudo no interior, exploram os novos jornalistas. Dos riscos da profissão. Faria um inventário lamentável do número de jornalistas mortos no cumprimento de seu dever, no “front” da notícia, em várias partes do planeta.

Por fim, poderia apontar as mazelas, os desafios e oportunidades oferecidos pela profissão de Jornalismo. Poderia aé criar fantasias e falsas perspectivas para animar meus afilhados nesta noite festiva. Lamento desapontá-los, ms lebres são lebres e gatos se são pardos o são em qualquer momento e lugar. O bom jornalista não deve se confundir com a perfeição das imitações. Nem se curvar ao ritual de exéquias e de boas maneiras quando se trata de ver, de descobrir o que de fato está acontecendo.

Meus caros meninos e meninas, meus colegas de profissão”

Sigam, em frente, não olhem para trás, sob pena de se transformarem em estátua de sal. Penetrem “surdamente no reino das palavras”. Do verbo viver. Do signo delirante da existência. Mergulhem de cabeça , de corpo e alma, no mundo da linguagem. Não falsseem os fatos, sob nenhum pretexto ou condição. Não ludibriem o leitor. Não se vendam por nenhum tesouro. Não traiam, não subtraiam suas convicções. Procurem ver mais longe, além do brilho do “pircem” em seus umbigos ou no umbigo daqueles que comem e bebem ao seu lado, nos dias secos, caudalosos ou fartos. Não sejam nem tanto mineiros, nem tanto, o contrário. Cuidem para não se cegarem, perderem-se sob as luzes dos holofotes. Lembrem-se: jornalistas não são tão importantes, como se julgam: menos ainda os proprietários de veículos, os empresários, os negociadores de informações ou, em muitos casos, traficantes de influências.

Importantes são os leitores. A verdade dos fatos, a realidade, a postura ética que orienta a abordagem e o tratamento destes fatos, desta realidade. Se alguém se sente incomodado pela realidade da qual eles são personagens ou protagonistas, pior para eles. Melhor para a ética. Fica decretado, diria Tiago de Melo, que vale a realidade, o relato objetivo, correto e coerente que dessa realidade, honestamente tentam, todos os dias, fazer os jornalista, o repórter. A verdade dos fatos é mais eloqüente e crível e a confiança e a credibilidade são a essência do Jornalismo sério e comprometido com a defesa intransigente dos direitos essenciais do cidadão. Estes direitos estão descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, garantidos pela Constituição Brasileira e corroborados pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

Do respeito cotidiano a estes princípios dependem a credibilidade do jornalismo e o êxito profissional do jornalista. O êxito de cada um de vocês. Êxito, que nem de longe se traduz em sucesso, quer pelo “status” que a profissão proporciona, quer pelo maior volume de dinheiro que alguns profissionais de destaque conseguem ganhar com honestidade.

A verdade dos fatos, a transparência profissional, a equidade no trato com as fontes e os colegas de trabalho são mais eloqüentes que qualquer retórica balofas, que como toda a estratégia narrativa visa mascarar a realidade, proteger pessoas culpadas, defender interesses particulares ou de grupos a troco de benesses e “jabaculê”. A médio e longo prazos ,expedientes dessa natureza se mostram ineficientes e prejudiciais ao indivíduo, ao profissional e, principalmente, ao conjunto da sociedade.

Ruben Alves, em sua pertinente crítica à falta de criatividade e de ousadia da maior parte dos candidatos aos cursos de pós-graduação da Unicamp, observa que a maior parte desses futuros mestres e doutores são hábeis devoradores e recitadores de livros, mas são incapazes de criar, eles mesmos, pensamentos fortes e originais. Pensamentos que já sendo, no ato de pensar, uma ação afirmativa, possam contribuir para modificar o conhecimento, as ciências. a cultua e as artes do ambiente onde atuam. Podem, assim, transfigurar a face do Universo.
Em seu livro “Cartas a uma jovem socióloga”, lançado em 1970, o conhecido sociólogo francês Alain Touraine recomenda: "É preciso abandonar as utopias e profecias, ainda que catastróficas, para analisar o movimento, desconcertante, mas real, das relações sociais". Eu digo-lhes, é preciso analisar o movimento desconcertante, mas real, das relações sociais sem abandonar as utopias que poderão tornar as profecias mais catastróficas em um concerto de possibilidades e esperanças mais harmônicas.
Lá fora, avança uma grande noite. É verdade, também, que muitas estrelas tremem, teimam em constelar seus brilhos para juntas iluminarem o Universo. Para vocês, caros afilhados, o futuro se iniciou no gesto amoroso de seus pais.Quando cada um de vocês foram concebidos em carinho e esperança. Hoje, estão dando mais um importante passo. Muitos outros passos serão necessários para que cada um conquiste o seu objeto de desejo. Vença seus próprios abismos. Nunca se sintam realizados, pois, neste momento, se tornarão iguais aos milhares de fantasmas que trafegam pelas ruas e praças deste país: são mortos-vivos em busca de notoriedade, de fortuna fácil, de falsa felicidade.Em busca daquela mesma “glória vã e da vã cobiça, a que chamamos fama” registrada por Luis de Camões no seu, no nosso “Lusíadas”.

Levantem a cabeça, sem perder a humildade, encham o peito de ar e rompam as inexistentes portas deste “mundo, vasto mundo”. Não se esqueçam nunca deste momento luminoso, início do que poderá ser uma longa e bela trajetória humana e profissional. Agora, quero lhes fazer um pedido pessoal, de padrinho e de companheiro de profissão: não se afastem muito...Não se afastem, diria Drummond.

Valho-me da linguagem, única arma em que acredito, para lhes dirigir minhas últimas palavras nessa noite. Confesso que até este momento, foi a alegria que me tomou pela mão.Quanto à honra, cabe a vocês, meus afilhados, decidirem se realmente fiz por merecê-la. Não perderei mais a alegria que vocês me proporcionaram, diante das vicissitudes da vida e dos grosseiros desatinos do ser humano.

É por isso que, sem medo de ser ou esnobe ou esdrúxulo, valho-m de uma palavra “fora de moda”, dessas que parecem adormecer no aconchego do dicionário, mas, ao menor ruído, despertam-se e se colocam como sinais, em plena encruzilhada.

Trata-se da palavra “sapientia “ que, desde o início de meus estudos clássicos, me leva a admirar pessoas anônimas e sem letramento oficial. Mundos e pessoas à margem, linguagens periféricas, pelos quais só pessoas, jornalistas ou não, armadas de sensibilidade ética e de comprometimento político e social, conforme ensina Paulo Freire, por meio das diversas vertentes e verdades de suas Pedagogias, podem se interessar. Destaco a Pedagogia da Autonomia como ensinamento propício para orientar a ação dos jornalistas, para regar a Terra ameaçada e propiciar o renascimento de um humanismo integral, livre e libertário! Proponho o ressurgimento, entre nos, da palavra SAPIENTIA : “nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível”.

Para encerrar, abro as portas nem sempre largas da linguagem, recorrendo-me, uma vez mais, ao pensamento sempre luminoso e sedutor de Roland Barthes:

Produz sem apropriar-se
Trabalha sem nada esperar
A obra terminada esquece-a
e porque a esquece
a obra permanecerá.

Um largo abraço fraterno e confiante do sempre amigo, João Evangelista.



Arcos, 07 de julho de 2006.
João Evangelista Rodrigues


Discurso de paraninfo da última turma do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da PUCMinas em Arcos, currículo em extinção, que vai colar grau no dia 07 de julho de 2 006.

Saudações

Prezados afilhados,

Senhoras e Senhores,

Boa noite a todos!


Dedicatória

Peço-lhes licença para dedicar estas palavras à educadora arcoense, Noêmia Teixeira Rodrigues, minha mãe e minha primeira professora, com quem aprendi o prazer da leitura e da escrita; a alegria de estudar, descobrir e vivenciar o mundo de maneira peculiar, participativa e solidária.

Estar aqui e agora, neste lugar privilegiado é, para mim, “uma alegria, mais que uma honra. A honra pode ser imerecida, a alegria nunca o é”. Compartilho o sentimento do filósofo e escritor francês, Roland Barthes, manifesto em sua aula inaugural da Cadeira de Semiologia Literária, do Colégio de França, pronunciada em 07 de janeiro de 1 977. Graduei-me em Jornalismo, pela PUCMinas, então Universidade Católica de MInas Gerais - em julho de 1978. Deste período, trago lembranças e lutas inesquecíveis. Lembranças de colegas e professores marcantes. Lutas pela liberdade e redemocratização do País. Barthes morreu na capital francesa, em 1980, deixando um vazio intelectual e cultural fora e dentro da academia.

Como já se pode antever, é do reino da linguagem, do espaço do sabor e do saber, da sedução da descoberta, que desejo lhes falar. A feitio de Barthes, com quem sempre procurei dialogar e mergulhar apaixonadamente nos terrenos baldios e crespos bosques de sua linguagem, sinto-me um “sujeito incerto”, “impuro”, no sentido, já que ao longo dos anos tenho me mostrado avesso ao rigor da ciência, ao ritual disciplinado e ortodoxo , que oscila entre a ordem e a rotina , a cor púrpura do poder e uma certa liturgia abstrata, metafísica , não raro, competitiva e hipócrita em que vem se transformando a vida acadêmica , a Universidade Brasileira. A história da formação e do desenvolvimento cultural do ocidente, da qual somos legítimos herdeiros e, não raro, filhos bastardos, traz em sua gênese uma questão, até hoje, praticamente sem respostas: trata-se do triunfo do pensamento de Aristóteles - via S. Tomás de Aquino – e da condenação de Sócrates à morte em 399 a. C. , em detrimento de um modo de pensar dialético , florescente e promissor. Morte que se repete historicamente ao longo destes mais de 2 mil anos de aventura do espírito e do conhecimento ocidental.

Não por acaso, portanto, a vitória, a hegemonia, momentânea, do neo-liberalismo que orienta as mudanças e marca de maneira profunda o cenário econômico, político e sócio –cultural neste início de milênio. Não por acaso o triunfo de um pragmatismo predador e de um funcionalismo travestidos pelas tendências pós-modernas. Não por acaso, essas formas de pensar e de agir infiltrarem-se nos departamentos, corredores, salas de aula e laboratórios de pesquisa universitários. A dívida é enorme. Os prejuízos, ainda maiores. Contra esta tendência neo-liberalizante, funcional, autoritária e burocrática,
devem-se contrapor os muitos e diversos olhares que miram e admiram o mundo através das gretas, das brechas e buracos existentes nos muros e grades que protegem a Universidade Brasileira - seja pública, privada ou comunitária - em suas dimensões fundamentais de Ensino, Pesquisa e Extensão, contra não se sabe bem o quê.

Certamente, não desconheço as incertezas de nosso tempo. Mesmo assim, ouso afirmar: não fossem a intuição, a inserção cultural, a arte e a criatividade, apoiadas todas por uma visão dialética sem travas nos olhares, não sei se poderia, ao menos, andar em paz pelas ruas do bairro onde moro, sem ser atropelado pela primeira carroça que por ali diariamente trafega. Somente a luz da razão, a mim não basta. Pior cego, entretanto, é aquele que não quer ouvir!

Caríssimos afilhados,

Este é um tempo maldito, sem inocência, em que tudo significa. Em que nada escapa à força da inteligência, menos ainda, à perversidade, dela. De tanto examinar, especular, recortar, fragmentar, tabular, classificar, copiar e colar, seu objeto de estudo, o ser humano, o estudioso, o pesquisador, o cientista, o professor-educando-educador, tudo se acabou por se reiificar. De tanto se escarafunchar o nariz, o “espírito das coisas”, as coisas estão, aos poucos, perdendo o espírito. É como objetos e não como sujeitos que a maioria dos indivíduos – não pessoas, exatamente - está se relacionando, projetando e executando as atividades acadêmicas, didático-pedagógicas. Burocraticamente. Ritualisticamente. Conforme manda o figurino. Quando muito.Nem mais, nem menos. A degeneração é obvia. As conseqüências, evidentes. Má qualidade de ensino. Formação humana, política, ética e cultural precárias. Abaixo da crítica. De óbvias e ululantes, passam despercebidas. Transformam-se em segunda natureza. Não sei se questões assim, reflexivas, - e reflexão não tem sido o forte das novas gerações - de ordem humanistas, serão consideradas anacrônicas, ou bem recebidas, por urgentes e necessárias. Universidade Brasileira, cuja crise não há como ignorar.Nem mesmo a avestruz mais pelintra! De mesma crise visceral está padecendo o Brasil, a sociedade brasileira.

Neste momento, cabe- nos modestas reflexões.

Caros afilhados, senhores pais.

Não gostaria de lhes falar apenas com os limitados recursos da razão. Primeiro, porque a pós-modernidade, conceito dúbio e, sob muitos aspectos, rarefeito, usou o potencial racional, oriundo da modernidade, ainda não esgotada, para decretar o fim, o desmoronamento da razão que sustentou – e talvez ainda hoje sustente, de maneira mais relativa é verdade – o edifício da civilização, da cultura ocidental, principalmente. Assim como o triunfo do capitalismo selvagem, do consumismo, sobre o socialismo real, o esvaziamento da afetividade e da solidariedade, do triunfo do individualismo sobre o sentimento de coletividade, da desconfiança, sobre a confiabilidade, do oportunismo estreito, estrábico e imediatista estão fazendo definhar, entre nós, a possibilidade de se projetar e construir sonhos e realidades mais estáveis e coerentes.

Tudo sugere que o desmoronamento seja um processo “natural”, sem volta, contra o que já não se pode fazer mais nada a não ser dançar uma “valsa vianense”, ou um tango argentino entre as ruínas do conhecimento, do resto, do rosto feérico da civilização.

Será que após Hiroxima, após o Holocausto, o assassinato de Jonh Lenon, a queda do Muro de Berlin, o misterioso ataque , à luz do dia, às Torres Gêmeas, o inferno Iraquiano e Africano, a Sérvia e o Timor Leste, a guerrilha urbana, as violências anônimas, as corrupções no Congresso , sua recente invação pel MLMST e a derrocada do projeto político do Partido dos Trabalhadores signifiquem o nascimento da barbárie , da tragédia contemporânea, de maneira absoluta, líquida e certa, o fim do sonho e da esperança?

Fim da esperança para todos os indivíduos, já que conceito de “pessoa”, e de humanidade, a exemplo de certas espécimes , são animais raros e em pleno processo de extinção.
Será que à Universidade, à academia, cabe apenas constatar, documentar, concordar e reproduzir esse caos desumano, individual, mundializado. Aqui entre nós, bem ao modo, à falta de estilo tupiniquim?

Ou às Universidades do mundo, as mais sérias e comprometidas, as menos venais; ou ao mundo como Universidade , como linguagem que não se conforma, cabe reafirmar a possibilidade do conhecimento, a tarefa de descobrir novos caminhos, de se compartilhar o prazer do percurso? Cabe reconstruir a legitimidade dos discursos que nutrem projetos e trajetórias individuais e coletivos, acadêmico-científicas sem abandonar a intuição, a sensibilidade, a cultura e a arte, em suma as sabedoria ancestrais?

Gostaria, não fossem as armadilhas e artimanhas da linguagem, de dizer o que tenho a dizer, o que realmente sinto, o que tenho vontade de dizer. Mas o desejo já é por si a demarcação do abismo entre o que possuímos e o que desejamos. Abismos entre abismos, somos o que somos. Seres sem rosto. Textos sem autoria, tudo em nome da moda, do modo, do medo pós-moderno de se viver-morrer, por nada.

Jean Paul Sartre foi incisivo ao afirmar: “o inferno são os outros”. O contexto é diferente, mas os fatos não menos agressivos e dolorosos como os reflexos da II Guerra, as ditaduras Européias e , mais tarde, latino-Americanas, a guerra do Vietnã , de certa forma, tudo já antevia a radical transição porque passa a sociedade contemporânea. Tudo está presente, por mais que descartemos os sofrimentos e horrores provocados por estes fatos. Pelos artefatos da inteligência e da guerra entre homens. Tudo sob o véu e o encantamento das novas tecnologias, das diversas formas de linguagem do Universo. Do Universo mesmo como linguagem. Particularmente interesso-me mais pelo mundo em quanto linguagem , enquanto efígie, do que pelas caleidoscópicas, evanescentes e , muitas vezes, vulgares linguagens do mundo.

O mesmo digo da Comunicação, do Jornalismo, da Filosofia, da Literatura, da História, da História da Arte, da Arte e da Cultura. Isto sem falar da Estética, da Bioética , da Física Quântica, da fotografia, da música, da Arquitetura e do Cinema, por exemplo. Tudo o que aqui for dito, mal dito ou bem dito, pouca valia terá. Afinal, esta é uma conquista, uma descoberta contemporânea, o sentido de todo o discurso e tudo é discurso, migrou da fonte , do falante , do coração de quem diz, para o ouvido, o cérebro para o sem-memória do interlocutor. Ao emissor, se é que este termo ainda tem sentido, cabe arquitetar os signos, de maneira livre ou condicionada, conforme seja sua autonomia, sua capacidade e sua independência frente aos “aparelhos” de controle, hoje mais sutis e muito mais sofisticados, criados pela sociedade da informação e do conhecimento. Mais da informação, de avalanche de dados, que de conhecimento, posto que este exige critérios, paradigmas flexíveis, mas consistentes, capacidade reflexiva e postura ética e crítica, dimensões raras nesses tempos de
pós-tudo-nada, diga-se de passagem.

Talvez a saída seja a busca de uma visão holística, o retorno à dialética, em novas bases históricas. Mas se dizem , com segurança, que Historia não há mais, o que fazer? Com a decretação da morte de Deus, da morte da arte,da morte da Historia , nada mais banal que a morte do homem e de suas convicções mais nobres. Cumpre-se a predição de Thomas Hobbes no sua mais importa obra política, "O Leviatã", publicada em 1651: após pouco mais de três séculos do lançamento desse livro, o homem se torna o lobo do homem;Alguns dirão, sempre foi assim, talvez será assim para sempre, digo-lhes. A trágica diferença, o que me assusta, é que agora sabemos o que somos. Compreendemos perfeitamente – embora muitas vezes preferimos negar - os motivos que nos levam a agir desta maneira.

O cenário tecnológico, em um mundo ecologicamente ameaçado, só potencializa e favorece aquilo para o qual a sociedade já estava predestinada. A autodestruição e o caos.

As grandes organizações, as metrópoles e as megalópoles, as bibliotecas, a biblioteca de Babel e a Universidade, enquanto sistemas de linguagem, elas mesmas, são igualmente interessantes. Interessantes, porque no lugar da mesmice, da reprodução pura e simples, a exemplo do que Borges diz sobre a “cópula e os espelhos” provocam, propõem, inventam, reinventam, articulam-se com vistas a novas formas de ser e de estar no mundo. Transforma-se o mundo da linguagem pela transformação do mundo, enquanto linguagem que se retro-alimenta.

Prezados afilhados,

Entretanto, mais do que pelo dizer, a comunicação autêntica e autônoma se faz pelo não dito, pelo interdito... Pela liberdade, não pela censura. Pela criatividade, pela ruptura. Não pelo “Abre-te Césamo”;. Não pelo Não pelo veredicto. A Comunicação, portanto, se realiza mais no campo do desejo, do imaginário, da necessidade de se romper este abismo, do que pelos processos e modelos, racionalmente concebidos, para dissimular e, ao mesmo tempo, manter o sistema de dominação vigente. Para quem se propõe verdadeiramente se comunicar vale mais o desejo do outro, do interlocutor, sua capacidade imaginativa de interpretação e de construção de sentidos, elaborados, criados a partir do arranjo comunicacional disponibilizado.

A comunicação verdadeira não se restringe à decodificação, unilateral e linear de códigos bem o ou mal estruturados. Não é absurdo considerar o mundo, o universo, meio e mensagem. Babel e espelho. Alfabeto e hieróglifo. Realidades que só se abrem pelo desejo, pela sedução, pelo encantamento, pelo sentimento. Não só pela poder.Pela força de qualquer ordem ou natureza. Pela força, a comunicação não acontece, nunca. Sempre surgirá um ruído a sujar a mensagem para perturbar a interpretação, para prejudicar a compreensão da realidade, da verdade dos fatos.

Meus afilhados,

A essa altura, vocês devem estar ansiosos e se perguntando: esse nosso padrinho ficou maluco de vez. Falou, falou e, ate agora, quase não se referiu ao Jornalismo. Será que não vai falar nada sobre a nossa nobre, pobre e esnobe profissão? Quero apaziguar os ânimos e a matar a curiosidade de meus caríssimos afilhados e das demais pessoas presentes, nesta noite inesquecível. É exatamente de jornalismo que estou tentando falar o tempo todo, não tenham dúvida.
Jornalismo, a “melhor profissão do mundo”, no dizer do “perioditaa” e escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez.

O Jornalismo, meus afilhados, é o próprio mundo em movimento. É o nascer e morrer de cada dia. É escritura permanente da vida e da morte, da história, das aventuras e desventuras do ser humano, todos os dias. Por isso, essencialmente fenomenológico. A verdade dos fatos, matéria prima e fonte de credibilidade do Jornalismo e do Jornalista, difere da verdade filosófica. Uma é fugidia, escapa entre os dedos diante da pressa e da pressão do “daed line”. A hora do fechamento de cada edição, de cada programa que precisa ir ao ar. O momento da morte nas redações. Evapora-se entre a produção e a divulgação da notícia. No intervalo que separa o leitor de sua leitura. Entre o espaço/tempo da leitura, a interpretação que ela provoca e a mudança de ponto de vista, o posicionamento do leitor, frente aos fatos, à realidade mediada. Midiatizada, portanto, por outra realidade que não a original. O fato mesmo em sua radicalidade acontece em outro lugar. Vem dessa fuga constante dos fatos, dessa rarefação da realidade, a importância e o papel do trabalho jornalístico, com destaque para a prática da reportagem. Ao bom repórter cabe revelar o que se esconde por trás do fenômeno, do que surge, à primeira vista,
como sendo a verdade. E qual é a nossa verdade, hoje, o Brasil?

Poderia, a esta altura do campeonato, - não da Copa do Mundo - por os pés no chão. Tropeçar em algum paralelepípedo. Chutar o balde, diante de tanta imundície e desancar o Presidente da República que ultimamente vem fazendo tudo para merecer uns bons xingos: poderia falar da falta de profissionalização e de ética do mercado jornalístico, sobretudo o regional. Falaria dos baixos salários da categoria, da permanência dos provisionados, dos “precários “ e da expansão indiscriminada dos Cursos de Jornalismo. Da falta de qualidade no ensino de Jornalismo na maioria dessas faculdades. Poderia falar, ainda, do controle da informação, da liberdade de imprensa , da censura econômica , via agência de publicidade e outros conchavos. Falaria do desemprego, do subemprego. De como os patrões , sobretudo no interior, exploram os novos jornalistas. Dos riscos da profissão. Faria um inventário lamentável do número de jornalistas mortos no cumprimento de seu dever, no “front” da notícia, em várias partes do planeta.

Por fim, poderia apontar as mazelas, os desafios e oportunidades oferecidos pela profissão de Jornalismo. Poderia aé criar fantasias e falsas perspectivas para animar meus afilhados nesta noite festiva. Lamento desapontá-los, ms lebres são lebres e gatos se são pardos o são em qualquer momento e lugar. O bom jornalista não deve se confundir com a perfeição das imitações. Nem se curvar ao ritual de exéquias e de boas maneiras quando se trata de ver, de descobrir o que de fato está acontecendo.

Meus caros meninos e meninas, meus colegas de profissão”

Sigam, em frente, não olhem para trás, sob pena de se transformarem em estátua de sal. Penetrem “surdamente no reino das palavras”. Do verbo viver. Do signo delirante da existência. Mergulhem de cabeça , de corpo e alma, no mundo da linguagem. Não falsseem os fatos, sob nenhum pretexto ou condição. Não ludibriem o leitor. Não se vendam por nenhum tesouro. Não traiam, não subtraiam suas convicções. Procurem ver mais longe, além do brilho do “pircem” em seus umbigos ou no umbigo daqueles que comem e bebem ao seu lado, nos dias secos, caudalosos ou fartos. Não sejam nem tanto mineiros, nem tanto, o contrário. Cuidem para não se cegarem, perderem-se sob as luzes dos holofotes. Lembrem-se: jornalistas não são tão importantes, como se julgam: menos ainda os proprietários de veículos, os empresários, os negociadores de informações ou, em muitos casos, traficantes de influências.

Importantes são os leitores. A verdade dos fatos, a realidade, a postura ética que orienta a abordagem e o tratamento destes fatos, desta realidade. Se alguém se sente incomodado pela realidade da qual eles são personagens ou protagonistas, pior para eles. Melhor para a ética. Fica decretado, diria Tiago de Melo, que vale a realidade, o relato objetivo, correto e coerente que dessa realidade, honestamente tentam, todos os dias, fazer os jornalista, o repórter. A verdade dos fatos é mais eloqüente e crível e a confiança e a credibilidade são a essência do Jornalismo sério e comprometido com a defesa intransigente dos direitos essenciais do cidadão. Estes direitos estão descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, garantidos pela Constituição Brasileira e corroborados pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

Do respeito cotidiano a estes princípios dependem a credibilidade do jornalismo e o êxito profissional do jornalista. O êxito de cada um de vocês. Êxito, que nem de longe se traduz em sucesso, quer pelo “status” que a profissão proporciona, quer pelo maior volume de dinheiro que alguns profissionais de destaque conseguem ganhar com honestidade.

A verdade dos fatos, a transparência profissional, a equidade no trato com as fontes e os colegas de trabalho são mais eloqüentes que qualquer retórica balofas, que como toda a estratégia narrativa visa mascarar a realidade, proteger pessoas culpadas, defender interesses particulares ou de grupos a troco de benesses e “jabaculê”. A médio e longo prazos ,expedientes dessa natureza se mostram ineficientes e prejudiciais ao indivíduo, ao profissional e, principalmente, ao conjunto da sociedade.

Ruben Alves, em sua pertinente crítica à falta de criatividade e de ousadia da maior parte dos candidatos aos cursos de pós-graduação da Unicamp, observa que a maior parte desses futuros mestres e doutores são hábeis devoradores e recitadores de livros, mas são incapazes de criar, eles mesmos, pensamentos fortes e originais. Pensamentos que já sendo, no ato de pensar, uma ação afirmativa, possam contribuir para modificar o conhecimento, as ciências. a cultua e as artes do ambiente onde atuam. Podem, assim, transfigurar a face do Universo.
Em seu livro “Cartas a uma jovem socióloga”, lançado em 1970, o conhecido sociólogo francês Alain Touraine recomenda: "É preciso abandonar as utopias e profecias, ainda que catastróficas, para analisar o movimento, desconcertante, mas real, das relações sociais". Eu digo-lhes, é preciso analisar o movimento desconcertante, mas real, das relações sociais sem abandonar as utopias que poderão tornar as profecias mais catastróficas em um concerto de possibilidades e esperanças mais harmônicas.
Lá fora, avança uma grande noite. É verdade, também, que muitas estrelas tremem, teimam em constelar seus brilhos para juntas iluminarem o Universo. Para vocês, caros afilhados, o futuro se iniciou no gesto amoroso de seus pais.Quando cada um de vocês foram concebidos em carinho e esperança. Hoje, estão dando mais um importante passo. Muitos outros passos serão necessários para que cada um conquiste o seu objeto de desejo. Vença seus próprios abismos. Nunca se sintam realizados, pois, neste momento, se tornarão iguais aos milhares de fantasmas que trafegam pelas ruas e praças deste país: são mortos-vivos em busca de notoriedade, de fortuna fácil, de falsa felicidade.Em busca daquela mesma “glória vã e da vã cobiça, a que chamamos fama” registrada por Luis de Camões no seu, no nosso “Lusíadas”.

Levantem a cabeça, sem perder a humildade, encham o peito de ar e rompam as inexistentes portas deste “mundo, vasto mundo”. Não se esqueçam nunca deste momento luminoso, início do que poderá ser uma longa e bela trajetória humana e profissional. Agora, quero lhes fazer um pedido pessoal, de padrinho e de companheiro de profissão: não se afastem muito...Não se afastem, diria Drummond.

Valho-me da linguagem, única arma em que acredito, para lhes dirigir minhas últimas palavras nessa noite. Confesso que até este momento, foi a alegria que me tomou pela mão.Quanto à honra, cabe a vocês, meus afilhados, decidirem se realmente fiz por merecê-la. Não perderei mais a alegria que vocês me proporcionaram, diante das vicissitudes da vida e dos grosseiros desatinos do ser humano.

É por isso que, sem medo de ser ou esnobe ou esdrúxulo, valho-m de uma palavra “fora de moda”, dessas que parecem adormecer no aconchego do dicionário, mas, ao menor ruído, despertam-se e se colocam como sinais, em plena encruzilhada.

Trata-se da palavra “sapientia “ que, desde o início de meus estudos clássicos, me leva a admirar pessoas anônimas e sem letramento oficial. Mundos e pessoas à margem, linguagens periféricas, pelos quais só pessoas, jornalistas ou não, armadas de sensibilidade ética e de comprometimento político e social, conforme ensina Paulo Freire, por meio das diversas vertentes e verdades de suas Pedagogias, podem se interessar. Destaco a Pedagogia da Autonomia como ensinamento propício para orientar a ação dos jornalistas, para regar a Terra ameaçada e propiciar o renascimento de um humanismo integral, livre e libertário! Proponho o ressurgimento, entre nos, da palavra SAPIENTIA : “nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível”.

Para encerrar, abro as portas nem sempre largas da linguagem, recorrendo-me, uma vez mais, ao pensamento sempre luminoso e sedutor de Roland Barthes:

Produz sem apropriar-se
Trabalha sem nada esperar
A obra terminada esquece-a
e porque a esquece
a obra permanecerá.

Um largo abraço fraterno e confiante do sempre amigo, João Evangelista.



Arcos, 07 de julho de 2006.
João Evangelista Rodrigues