sexta-feira, 13 de abril de 2007

“ Nas palavras aparentemente isoladas do texto, ouve-se a multidão de vozes que ali ecoam.” Nicodemos Sena
o que ecoa na palavra pedra
reverbera no interior
não é a voz do vento
o som das letras do livro invisível
nem o canto do pássaro canoro
de cinco patas
com setenta dentes de granito
nem a voz das plantas imberbes
o que ecoa no oco das coisas
no socavão das bocas insaciáveis
não são palavras apenas
é o estrondo da bomba
a explosão da aparência
o grito cotidiano
de desmandos e desavenças
o que ecoa é trovão sem luz
o trem de ferro
de ventre obeso
sob o peso das almas
do indigesto alimento
o que ecoa no portal da manhã
no meio da arde
na escuridão da noite sem futuro
e a fratura exposta da montanha
a solidez do poema
a sordidez do império em chamas
afundado sob pedras
sob colunas de papel
é a solidão de homens e mulheres
amargurados e tristes
imersos em sues mistérios
perdidos em falsos desejos e afazeres
o que ecoa
no que de pedra ainda resta
é o sem mister
o entulho
o barulho dá magoa
no interior do túnel
do túmulo sem máscaras
no mais o que ecoa
é silencio
submissão de comensais
sortilégios de toda as desordens
de glórias e desonras
um estranho conforto de cemitério
a morte muda ecoa na oca boca do
mundo
reverbera no interior
não é a voz do vento
o som das letras do livro invisível
nem o canto do pássaro canoro
de cinco patas
com setenta dentes de granito
nem a voz das plantas imberbes
o que ecoa no oco das coisas
no socavão das bocas insaciáveis
não são palavras apenas
é o estrondo da bomba
a explosão da aparência
o grito cotidiano
de desmandos e desavenças
o que ecoa é trovão sem luz
o trem de ferro
de ventre obeso
sob o peso das almas
do indigesto alimento
o que ecoa no portal da manhã
no meio da arde
na escuridão da noite sem futuro
e a fratura exposta da montanha
a solidez do poema
a sordidez do império em chamas
afundado sob pedras
sob colunas de papel
é a solidão de homens e mulheres
amargurados e tristes
imersos em sues mistérios
perdidos em falsos desejos e afazeres
o que ecoa
no que de pedra ainda resta
é o sem mister
o entulho
o barulho dá magoa
no interior do túnel
do túmulo sem máscaras
no mais o que ecoa
é silencio
submissão de comensais
sortilégios de toda as desordens
de glórias e desonras
um estranho conforto de cemitério
a morte muda ecoa na oca boca do
mundo
domingo, 1 de abril de 2007

A favor da Ética
Contra os inimigos do Jornalismo
O Jornalismo vem perdendo prestígio social, encantamento, charme e espaço concreto no meio acadêmico e na mídia. Esta afirmação incisiva poderia ser apenas uma interrogação, uma hipótese de caráter científico, não fossem tão reais e fortes as evidências que, todos os dias, sob diversas formas e meios assaltam, invadem e violentam nossa consciência de profissionais que se querem éticos e cidadãos. A rigor não poderia usar a primeira pessoa, mas como jornalista, sinto-me na obrigação de romper com o pacto de neutralidade do texto para me envolver nesta luta que não deveria ser só dos jornalistas , mas de todos os setores democráticos da sociedade, dos quais o jornalismo tem sido, historicamente, um forte aliado.
A situação é grave. Exige medidas urgentes e integradas através de uma ampla articulação nacional entre entidades de classe, escolas, empresas bem posicionadas, ONGS, sociedade civil, e setores governamentais comprometidos com a construção da justiça social e da democracia no país e no mundo. Desculpe-me o leitor pelo estilo enumerativo, pontual e pouco analítico, mas é que, mesmo aqui, luto contra os limites e a exigüidade de tempo e de espaço.
Em matéria de 13 de macro de 2007, publicada no site O Jornalista, “a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e os 31 Sindicatos de Jornalistas do Brasil estão conclamando a categoria a ampliar a luta em defesa da profissão e denunciar à sociedade os interesses escusos dos grandes grupos de comunicação, principais interessados na desregulamentação da profissão e no fim do requisito do diploma para o exercício do Jornalismo”. “Luta justa, de fundamento constitucional, contra uma questão levantada, tendenciosa e artificialmente, em 2001, pela juíza Karla Rister que, em “única decisão” no meio jurídico brasileiro, foi desfavorável aos jornalistas profissionais”.
O desrespeito e a agressão a jornalistas que procuram exercer a profissão com ética e dignidade ultrapassam o campo legal e atingem níveis de violência inaceitáveis em todas as partes do planeta. De acordo com informações divulgadas pelo Instituto International News Safety, baseado em Bruxelas,” dois jornalistas foram mortos – semanalmente nos últimos dez anos”. Segundo o documento, 27 colegas foram mortos no Brasil, entre 1996 e 2006. No total, segundo dados do IINS, mil profissionais de imprensa perderam a vida - assassinados a sangue frio -, em todo o mundo na última década.
São dados alarmantes que demonstram a fragilidade das instituições e o flagrante desrespeito a seus princípios, frente a luta concreta de interesses de classe e de grupos hegemônicos nos campos econômico, político , e sócio cultural. A crise da razão mata a sensibilidade e a solidariedade entre os seres humanos e dá lugar à barbárie contemporânea, potencializada em ambiente global e tecnológico. Por absurdo que pareça na sociedade da informação e do conhecimento, princípios constitucionais, estabelecidos em códigos de ética e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos como: “Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”(Artigo 3) e “Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.( Artigo 19) soam inócuos e anacrônicos.A sociedade contemporânea orgulhosa e prepotente, que alardeia suas conquistas e suas exigências de diálogo, transparência, qualidade de vida e responsabilidade social, não suporta ver reveladas as suas chagas mais aterradoras por uma categoria profissional, cuja essência de sua atividade é a busca da verdade e a defesa dos valores fundamentais do homem. Um profissional que tem como parâmetro de sua atividade um Código de Ética que diz, por exemplo, em seu Art. 7o - O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação. Ou no Art. 9o do mesmo Código de Ética, - É dever do jornalista: a) Divulgar todos os fatos que sejam de interesse público.b) Lutar pela liberdade de pensamento e expressão.
Estratégias
No entanto, o que mais se vê na prática cotidiana da atividade jornalística pelo mundo a fora e, particularmente no Brasil, é a tendência em desvalorizar a profissão e denegrir a imagem dos jornalistas. Das querelas políticas e desmandos regionais e provincianos aos sofisticados sistemas de controle sediados nas metrópoles a tendência tem sido a mesma, sob diferentes formas e estratégias.
Entre estas estratégias está o esvaziamento dos cursos de Comunicação Social de todo o seu conteúdo critico e humanista, nivelando, cada vez mais para baixo, o nível do ensino e de exigência acadêmico-pedagógica. O aumento indiscriminado de escolas , na sua maior parte sem infra-estrura laboratorial, o despreparo intelectual e cultural dos alunos ingressantes aliado a uma visão mercadológica da educação e à errância didático-pedagógica dos chamados professores “itinerantes”, fazem com que, no final de cada semestre, o mercado, competitivo e exigente, receba/exclua uma leva profissionais cada vez mais numerosa e mais despreparada. Soma-se a isto um esforço teórico e político para incluir dissolver o Jornalismo, ignorando toda a história da formação e desenvolvimento da profissão e em nome das novas tecnologias e da pós-modernidade, na vala comum das práticas comunicacionais emergentes. Neste balaio de gato ninguém sabe, ao certo, onde começa o autêntico jornalismo ou o marketing de todas as vertentes. Ninguém sabe julgar pelo comportamento de um incerto tipo profissional e pelos produtos apresentados, se se está fazendo jornalismo ou relações públicas. Isto sem falar da babel criada nas áreas das artes gráficas, fotografia, jornalismo digital e web-designer.
Mal preparados técnica, cultural e politicamente - por professores ( dadores de aula ) carreiristas e igualmente pragmáticos, acríticos, descomprometidos com o processo integral da educação - e inseguros, sem opção nem oportunidade de emprego e de trabalho digno, os novos jornalistas se vêem obrigados, em busca de um lugar ao sol, a fazerem o que “pinta” pela frente, sob qualquer condição. Frustrações pessoais e desvios éticos são os resultados mais comuns deste processo degenerativo que se produz e se reproduz em um círculo vicioso e pernicioso.
Luta concreta
Contra o controle econômico e político dos meios de comunicação, em escala mundial, contra a má qualidade do ensino, contra toda a ordem de agressão e violência que vem sofrendo o Jornalismo e os jornalistas não se pode nem se deve lutar apenas com palavra, a matéria-prima da atividade jornalística. É preciso libertar a própria palavra, a linguagem em toda sua complexidade contemporânea, dos grilhões da dominação, dos preconceitos e da incompetência. Mas a libertação da palavra e da linguagem pressupõe a desalienação dos homens, dos códigos e signos que estruturam e movem suas práticas, suas formas de produção e de trocas simbólicas. Pressupõe, também, uma visão mais ampla e aberta sobre o que seja a realidade educacional e comunicacional, bem como dos princípios e valores que a regem.
Parece claro que a atividade jornalística, hoje mais do que nunca, não tem nada de romântico, nada de lírico nem de charmoso. E luta diária com as palavras e contra quem pensa ser o donatário delas, luta concreta e corporal, o paradigma do jornalista culto, ético, curioso, questionador, respeitável e respeitado, características que moldavam seu perfil e lhe rendiam prestígio profissional, político e social, estão se desmoronando a olhos vistos. Enquanto o Jornalismo vai deixando de ser uma área específica do conhecimento, para se dissolver no caldeirão fervente da mídia, o jornalista, em numero cada vez maior, vai perdendo as referências históricas, a memória de sua profissão. Isolados pelo individualismo e desarticulados em termos profissionais, rompem-se, facilmente, os vínculos que deveriam unir a categoria e, colegas de profissão, solidários e combativos, vêem-se transformados pela falta de consciência profissional e pela nem tão invisível máquina do poder, em competidores cruéis e irredutíveis. Um jogo onde vale tudo que sirva para alavancar o sucesso profissional ou simplesmente garantir um emprego muitas vezes medíocre e mal remunerado. Naturalmente, cada um destes aspectos levantados merece maior aprofundamento, devido à sua complexidade, mas no limite deste espaço nasce pelo menos uma certeza: é preciso lutarmos todos, a favor da ética e contra os inimigos reais e virtuais do jornalismo.
Contra os inimigos do Jornalismo
O Jornalismo vem perdendo prestígio social, encantamento, charme e espaço concreto no meio acadêmico e na mídia. Esta afirmação incisiva poderia ser apenas uma interrogação, uma hipótese de caráter científico, não fossem tão reais e fortes as evidências que, todos os dias, sob diversas formas e meios assaltam, invadem e violentam nossa consciência de profissionais que se querem éticos e cidadãos. A rigor não poderia usar a primeira pessoa, mas como jornalista, sinto-me na obrigação de romper com o pacto de neutralidade do texto para me envolver nesta luta que não deveria ser só dos jornalistas , mas de todos os setores democráticos da sociedade, dos quais o jornalismo tem sido, historicamente, um forte aliado.
A situação é grave. Exige medidas urgentes e integradas através de uma ampla articulação nacional entre entidades de classe, escolas, empresas bem posicionadas, ONGS, sociedade civil, e setores governamentais comprometidos com a construção da justiça social e da democracia no país e no mundo. Desculpe-me o leitor pelo estilo enumerativo, pontual e pouco analítico, mas é que, mesmo aqui, luto contra os limites e a exigüidade de tempo e de espaço.
Em matéria de 13 de macro de 2007, publicada no site O Jornalista, “a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e os 31 Sindicatos de Jornalistas do Brasil estão conclamando a categoria a ampliar a luta em defesa da profissão e denunciar à sociedade os interesses escusos dos grandes grupos de comunicação, principais interessados na desregulamentação da profissão e no fim do requisito do diploma para o exercício do Jornalismo”. “Luta justa, de fundamento constitucional, contra uma questão levantada, tendenciosa e artificialmente, em 2001, pela juíza Karla Rister que, em “única decisão” no meio jurídico brasileiro, foi desfavorável aos jornalistas profissionais”.
O desrespeito e a agressão a jornalistas que procuram exercer a profissão com ética e dignidade ultrapassam o campo legal e atingem níveis de violência inaceitáveis em todas as partes do planeta. De acordo com informações divulgadas pelo Instituto International News Safety, baseado em Bruxelas,” dois jornalistas foram mortos – semanalmente nos últimos dez anos”. Segundo o documento, 27 colegas foram mortos no Brasil, entre 1996 e 2006. No total, segundo dados do IINS, mil profissionais de imprensa perderam a vida - assassinados a sangue frio -, em todo o mundo na última década.
São dados alarmantes que demonstram a fragilidade das instituições e o flagrante desrespeito a seus princípios, frente a luta concreta de interesses de classe e de grupos hegemônicos nos campos econômico, político , e sócio cultural. A crise da razão mata a sensibilidade e a solidariedade entre os seres humanos e dá lugar à barbárie contemporânea, potencializada em ambiente global e tecnológico. Por absurdo que pareça na sociedade da informação e do conhecimento, princípios constitucionais, estabelecidos em códigos de ética e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos como: “Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”(Artigo 3) e “Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.( Artigo 19) soam inócuos e anacrônicos.A sociedade contemporânea orgulhosa e prepotente, que alardeia suas conquistas e suas exigências de diálogo, transparência, qualidade de vida e responsabilidade social, não suporta ver reveladas as suas chagas mais aterradoras por uma categoria profissional, cuja essência de sua atividade é a busca da verdade e a defesa dos valores fundamentais do homem. Um profissional que tem como parâmetro de sua atividade um Código de Ética que diz, por exemplo, em seu Art. 7o - O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação. Ou no Art. 9o do mesmo Código de Ética, - É dever do jornalista: a) Divulgar todos os fatos que sejam de interesse público.b) Lutar pela liberdade de pensamento e expressão.
Estratégias
No entanto, o que mais se vê na prática cotidiana da atividade jornalística pelo mundo a fora e, particularmente no Brasil, é a tendência em desvalorizar a profissão e denegrir a imagem dos jornalistas. Das querelas políticas e desmandos regionais e provincianos aos sofisticados sistemas de controle sediados nas metrópoles a tendência tem sido a mesma, sob diferentes formas e estratégias.
Entre estas estratégias está o esvaziamento dos cursos de Comunicação Social de todo o seu conteúdo critico e humanista, nivelando, cada vez mais para baixo, o nível do ensino e de exigência acadêmico-pedagógica. O aumento indiscriminado de escolas , na sua maior parte sem infra-estrura laboratorial, o despreparo intelectual e cultural dos alunos ingressantes aliado a uma visão mercadológica da educação e à errância didático-pedagógica dos chamados professores “itinerantes”, fazem com que, no final de cada semestre, o mercado, competitivo e exigente, receba/exclua uma leva profissionais cada vez mais numerosa e mais despreparada. Soma-se a isto um esforço teórico e político para incluir dissolver o Jornalismo, ignorando toda a história da formação e desenvolvimento da profissão e em nome das novas tecnologias e da pós-modernidade, na vala comum das práticas comunicacionais emergentes. Neste balaio de gato ninguém sabe, ao certo, onde começa o autêntico jornalismo ou o marketing de todas as vertentes. Ninguém sabe julgar pelo comportamento de um incerto tipo profissional e pelos produtos apresentados, se se está fazendo jornalismo ou relações públicas. Isto sem falar da babel criada nas áreas das artes gráficas, fotografia, jornalismo digital e web-designer.
Mal preparados técnica, cultural e politicamente - por professores ( dadores de aula ) carreiristas e igualmente pragmáticos, acríticos, descomprometidos com o processo integral da educação - e inseguros, sem opção nem oportunidade de emprego e de trabalho digno, os novos jornalistas se vêem obrigados, em busca de um lugar ao sol, a fazerem o que “pinta” pela frente, sob qualquer condição. Frustrações pessoais e desvios éticos são os resultados mais comuns deste processo degenerativo que se produz e se reproduz em um círculo vicioso e pernicioso.
Luta concreta
Contra o controle econômico e político dos meios de comunicação, em escala mundial, contra a má qualidade do ensino, contra toda a ordem de agressão e violência que vem sofrendo o Jornalismo e os jornalistas não se pode nem se deve lutar apenas com palavra, a matéria-prima da atividade jornalística. É preciso libertar a própria palavra, a linguagem em toda sua complexidade contemporânea, dos grilhões da dominação, dos preconceitos e da incompetência. Mas a libertação da palavra e da linguagem pressupõe a desalienação dos homens, dos códigos e signos que estruturam e movem suas práticas, suas formas de produção e de trocas simbólicas. Pressupõe, também, uma visão mais ampla e aberta sobre o que seja a realidade educacional e comunicacional, bem como dos princípios e valores que a regem.
Parece claro que a atividade jornalística, hoje mais do que nunca, não tem nada de romântico, nada de lírico nem de charmoso. E luta diária com as palavras e contra quem pensa ser o donatário delas, luta concreta e corporal, o paradigma do jornalista culto, ético, curioso, questionador, respeitável e respeitado, características que moldavam seu perfil e lhe rendiam prestígio profissional, político e social, estão se desmoronando a olhos vistos. Enquanto o Jornalismo vai deixando de ser uma área específica do conhecimento, para se dissolver no caldeirão fervente da mídia, o jornalista, em numero cada vez maior, vai perdendo as referências históricas, a memória de sua profissão. Isolados pelo individualismo e desarticulados em termos profissionais, rompem-se, facilmente, os vínculos que deveriam unir a categoria e, colegas de profissão, solidários e combativos, vêem-se transformados pela falta de consciência profissional e pela nem tão invisível máquina do poder, em competidores cruéis e irredutíveis. Um jogo onde vale tudo que sirva para alavancar o sucesso profissional ou simplesmente garantir um emprego muitas vezes medíocre e mal remunerado. Naturalmente, cada um destes aspectos levantados merece maior aprofundamento, devido à sua complexidade, mas no limite deste espaço nasce pelo menos uma certeza: é preciso lutarmos todos, a favor da ética e contra os inimigos reais e virtuais do jornalismo.
terça-feira, 6 de março de 2007
Universidade Brasileira
Liberdade, Liberdade,
abra as asas sobre nós!
Uma conversa com estudantes de diversos cursos, em nível de graduação, mais algumas leituras e pesquisas, tiraram-me o sono por um bom tempo. Trata-se da sempre polêmica questão da liberdade de expressão do pensamento e da autonomia do conhecimento dentro das escolas de ensino básico e nas Universidades.
Os alunos, com a ansiedade, a falta de jeito e o tom de rebeldia naturais e saudáveis quando se trata da fase estudantil, reclamaram da quase ausência de liberdade para exporem seus pensamentos, manifestarem seus desejos, defender seus direitos de estudantes e de cidadãos. Em suma, mostraram, sem o saber, o ambiente árido e hostil em que vem se transformando, de alto a baixo, o sistema educacional brasileiro ao longo das últimas décadas.
A brevidade deste artigo não me permite analisar, em detalhes, as causas e as conseqüências deste conflito histórico, quando a escola, não abdica sob nenhuma hipótese, de seu papel – já que sua função deveria ser necessariamente outra – de privilegiado aparelho ideólogo do estado. Dimensão que os atuais estudantes, alienados como estão de si, da cultura e da história, nem de longe desconfiam. Apenas se mostram insatisfeitos, desinteressados e, no caso dos mais sensíveis, instintivamente mais perceptíveis, tristes e frustrados.
Isto acontece, vale a pena ressaltar, no advento das novas tecnologias e no seio da tão auto-suficiente e ciosa de si sociedade que se autodenominou era da informação e do conhecimento. A contradição parece obvia e absurda, mas é real. Coisas assim, sob lutas e protestos, em regimes de exceção, como foi o caso das décadas de 60 e 70, no auge da Ditadura Militar, regime autoritário que deve ter atrasado a história e a construção da democracia e de autonomia do povo brasileiro em pelo menos um século.
Pelo visto, já se estão colhendo os espinhos dessa “lavoura arcaica”. E o pior, uma lavoura que está aos cuidados de uma geração de docentes vinda de um ensino básico e uma universidade desfigurados pela ação destrutiva e hegemônica do neo–liberalismo.
Depois de falar de sua formação acadêmica, intelectual e de cidadã, Marilena Chaui, no artigo “A Filosofia como vocação para a liberdade” analisa as mudanças (involuções, grifo meu) ocorridas no âmbito da Universidade Brasileira. Transformações que, de certa maneira, confirmam o péssimo estado em que se encontra o ensino básico, a julgar pelo perfil dos alunos, que chegam aos cursos superiores – a maioria despreparada - semi-analfabetos funcionais, sobretudo em termos sócio-político e cultural.
No mesmo artigo, Chaui divide, de forma esquemática, o processo de degeneração da Universidade Brasileira, em três etapas. Universidade entendida como espaço dinâmico e de diálogo democrático e interdisciplinar, permanente e vivo entre ensino, pesquisa e extensão.Embora seu foco seja a universidade pública, em essência suas críticas, e talvez com maior razão, podem ser aplicadas à boa parte das universidades particulares. Estes sim, meros pontos de venda, balcões de oportunidades, passarelas para a moçada bacana desperdiçar tempo e dinheiro.
O primeiro momento da destruição, diz a filósofa da liberdade ainda sob a ditadura, deu-se com a imposição da “universidade funcional”, oferecida às classes médias para compensá-las pelo apoio à ditadura, oferecendo-lhes a esperança de rápida ascensão social por meio dos diplomas universitários. Foi a universidade da massificação e do adestramento rápido de quadros para o mercado das empresas privadas instaladas com o “milagre econômico”.
A partir dos anos 90, sob os efeitos do neoliberalismo, deu-se a nova fase destrutiva com a implantação da “universidade operacional”, isto é, o desaparecimento da universidade como instituição social destinada à formação e à pesquisa, surgindo em seu lugar uma organização social duplamente
privatizada: de um lado, porque a serviço das empresas privadas é guiada pela lógica do mercado; de outro, porque seu modelo é a empresa privada, levando-a a viver uma vida puramente endógena, voltada para si mesma como aparelho burocrático de gestão, fragmentada internamente e fragmentando a docência e a pesquisa. Essa universidade introduziu a idéia fantasmagórica de “produtividade acadêmica”, avaliada segundo critérios quantitativos e das necessidades do mercado.
Ao ler esta análise de Marilena Chauí a voz e as queixas daqueles estudantes ganharam vulto em minha consciência de educador e de cidadão. De intelectual e artista atento, sempre preocupado com uma questão fundamental: o desenvolvimento material e espiritual do ser humano e o pleno exercício de sua liberdade, como indivíduo político, cidadão do mundo. E, como tal, eticamente responsável por si, pelos outros e pelo futuro do mundo onde vive. Apesar de todas as ameaças que pesam sobre o mundo e sobre a humanidade.
Tomo, aqui, o conceito de liberdade formulado por Albert Einstein no texto “Sobre a Liberdade”. Por liberdade, diz, entendo as condições sociais, tais que, a expressão de opiniões e afirmações sobre questões gerais e particulares do conhecimento não envolvam perigos ou graves desvantagens para seu autor. E essa liberdade de comunicação, indispensável para o desenvolvimento e a ampliação do conhecimento científico; deve ser garantida por lei. Mas lei, por si só, segundo Einstein, não basta. Daí, “para que todo homem possa expor suas idéias sem ser punido, deve haver um espírito de tolerância em toda a população”.
Na visão do cientista as escolas exercem importante papel na construção desta visão liberaria. Para ele, “as escolas, podem interferir no desenvolvimento da liberdade interna (de cada indivíduo) mediante influências autoritárias e a imposição de cargas espirituais excessivas aos jovens. Mas, por outro lado, elas podem e devem agir afirmativamente, de forma “a favorecer essa liberdade, incentivando o pensamento independente.
É que ainda de acordo com Einstein, o progresso da ciência pressupõe a possibilidade de comunicação irrestrita de todos os resultados e julgamentos - liberdade de expressão e ensino em todos os campos do esforço intelectual.
De certa forma, as referências feitas por Marilena Chauí, ao pensamento e recomendações pedagógicos do seu mestre Bento Prado Jr. que a acompanham e alimentam ,ainda hoje, seu desejo de conhecer a realidade e sua vocação libertária encontram eco nos ensinamentos sobre o papel da Escola e a postura ética dos autênticos educadores. Com meu mestre, lembra a filósofa professora, descobri que o ensino é formador quando não é transmissão de um saber do qual nós seríamos senhores, nem é uma relação entre aquele que sabe com aquele que não sabe, mas uma relação assimétrica entre aquele cuja tarefa é manter vazio o lugar do saber e aquele cujo desejo é buscar esse lugar.
É para este aluno atento e interessado que dedico este pequeno artigo, em cujas entrelinhas, habitam suas angústias frente ao excesso de controle burocrático e o autoritarismo professoral de que detém um certo poder em nome de um incerto saber.
Tudo indica que com a sociedade do conhecimento e a era da informação contraímos uma dívida histórica com o homem contemporâneo; tiraram-lhe a esperança e a utopia; não cumpriram sua promessa de libertação; e, ainda, por cima, promovem, em escala planetária, como legítima realidade e necessidade, o individualismo, a competição, o autoritarismo e a arrogância. A Universidade, por seu lado, que sempre se orgulhou de ser um Campus, isto é, um espaço privilegiado de resistência e de luta contra toda forma de opressão, vem se transformando, ela mesma, em um sistema burocrático, fechado, fragmentado e acrítico e, por isso mesmo, autoritário e opressivo. Um lugar marcado, não por sua excelência científica, de cunho cultural e humanista , mas por ser um mercado suntuoso, reprodutor de signos envelhecidos e negociador de traiçoeiros e imponderáveis poder. Um lugar sem atrativos, onde o saber perde todo o seu sabor! E anacronicamente, teremos de cantar como nos piores tempos da história deste país, Liberdade, Liberdade, abra as asas sobre nós!
Dia Internacional da Mulher
Amor, a palavra feminina.
João Evangelista Rodrigues
“ Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: uma lucidez vazia, como explicar?”
Assim Clarice Lispector inicia seu poema , A lucidez perigosa. É a esta lucidez que gostaria de ter acesso, como mediador da palavra feminina, para, sem pretensão nem preconceitos de qualquer ordem e ordenamentos, tecer esta homenagem em comemoração do Dia Internacional da Mulher.
Ao escrever este texto penso em todas as mulheres do planeta e no longo processo de instituição e inscrição do feminino no universo econômico, político e sócio-cultual bem como na luta imemorial pela sobrvivência e emancipação do ser humano. Trajetória marcada, em cada período, por características distintas, momentos de glória e de luminosidade e longas eras de sofrimento e obscuridade impostos à figura feminina. Natural e culturalmente falo, escrevo de outro lugar.Falo de um espaço vazio onde a imagem da mulher, por mais que tente dela me aproximar e tocá-la, é sutil e fugidia como reflexos de um espelho e ancestral.São aproximações e fugas que, sucessivamente , ampliam minha admiração e meu desejo de sentir, não de deter, a essência do que escapa.
Falo de certa forma, desse lugar marcadamente masculino aludido por Adélia Prado, no poema Moça na Cama, evocando a presença paterna:
“ Papai tosse, dando aviso de si, vem examinar as tramelas, uma a uma. A cumeeira da casa é de peroba do campo, posso dormir sossegada. Mamãe vem me cobrir, tomo a bênção e fujo atrás dos homens, me contendo por usura, fazendo render o bom.”
Em meio a este extremo cuidado e controle e zelo moral e social, a mesma Adélia, diria suspirando: “Jamais o seu peito mais duro que o aço. Palpita a não ser a louca ambição.Supõe-se - orgulhoso - que é soberano, Que todas as belas vassalas lhe são! Mais falso que a brisa que as flores bafeja, Se mil forem belas... a mil finge amar...”
Estranha contradição. Vindo deste mesmo universo machista de que fala a poeta, sinto que será preciso mais do que a consciência da situação e do importante papel que as mulheres ocupam,hoje, na sociedade, para compreender com lucidez e superar a enorme distância que separa homens e mulheres. Pois, nos dia que correm, ambos vem se tornado cada vez mais presas frágeis e fáceis de um modo de ver e de viver que os transforma de seres potencialmente amorosos e complementares, em fatores de produção e consumo, altamente competitivos e desencontrados.
Talvez por isso, Hilda Hilst prefira não sublimar nem romantizar essa relação e busque manter a íntima clareza e liberdade no seu gesto amoroso ao dizer:
“Que este amor não me cegue nem me siga. E de mim mesma nunca se aperceba. Que me exclua de estar sendo perseguida E do tormento De só por ele me saber estar sendo.”
E a partir de sua constatação se posiciona enfaticamente como mulher de seu tempo, atenta e participativa; É este mesmo estranho amor, em campos opostos, já codificados e gastos, que Lya Luft procura exorcismar e desencantar através do poder mágico das palavras sempre fortes e sinceras quando se tratam de sua escrita.
“Estranho também esse amor,, com hora marcada para a mutilação da morte, o minuto acertado, e o fim consultando o relógio para nos golpear.”
Mais suave e venturosa, entretanto, é a visão de Cecília Meireles, quando escreve o seu
“Barqueiro, que céu tão leve! Barqueiro, que mar parado! Barqueiro, que enigma breve, o sonho de ter amado!
A história feminina, pelo menos boa parte dela, pode ser entendida ao se contemplar as marcas do tempo e da traça no vestido que Adélia guarda/esconde com carinho no armário de seu marido.
“É só tocá-lo, volatiliza-se a memória guardada. “
Já Florbela Espanca manifesta suas dúvidas e cismas sobre os mistérios do amor e, lírica, interroga,
“Digo pra mim: de nós dois Quem ama e quem é amado?...”
Mas que amor é esse que move e faz tudo mover, que nasce, morre , remorre e nasce cada manhã? Que formas novas de relacionamento estão surgindo com os sintomas atuais de um tempo comprimido, tenso, fragmentado, virtual e volátil? Ainda haverá tempo pra homens e mulheres, de todas as condições sociais, e independente de suas opções amorosas, dos amantes aprenderem um com o outro o “fermoso assunto” o sempre urgente e fervoroso amor? Que novos paradigmas estão nascendo e que dóceis ou cruéis conseqüências podem nos revelar? Será que teremos de cada um a seu modo aprendermos “a arte de viver sozinho”, como tem sido alardeada através da mídia e da Internet?
Seja como for, tudo indica que a noção de cara metade está definitivamente superada pelas condições pós-modernas. E que, nenhuma forma de agressão e violência, de exploração, de cara de pau, poderá ser tolerada, atualmente, nas relações humanas, sobretudo, nas que dizem respeito ao relacionamento amoroso entre homens e mulheres. O amor ainda é possível? Será possível/empreender a cada manhã/ um novo gesto /além da gesticulação da língua / da mão vazia / entre a xícara de café/ e a fruta-pão/ o que de novo poderá surgir / no desvão da janela/além do sol antigo/do instintivo movimento de tudo/sentimento estático se descreve o mundo que se dobra se repete/sobre si desaparece?
Mergulhado na dúvida e sem ter conseguido atingir a lucidez desejada, tento desvendar os passos da poeta Ana Cristina César.
“Era inverno e a mulher sozinha... Escureciam as esquinas e o vento uivando...
sábado, 17 de fevereiro de 2007
Triálogo I
Do prazer de voar com o livro
ao imaginário museu de tudo
A vantagem de vir ao mundo, após milênios de história, é já encontrarmos o mundo bastante modificado pelo engenho e arte do homem. Impossível seria enumerar essas modificações. Além do fogo, das pirâmides e dos Jardins Suspensos da Babilônia, pode-se, sem medo de erro, incluir a água potável, o avião, a penicilina na galeria das invenções. A metafísica, a literatura – a poesia - a física mereceriam lugar de destaque. Para os mais radicais e intolerantes, esclareço que usei a palavra metafísica como metáfora de Filosofia. Sei que não se trata de um conceito exato, mas como não posso detalhar, aqui, os meandros da história do pensamento humano, desde antes dos gregos, resolvi correr o risco da imprecisão. Funciona como um buraco para puxar assunto. Nem sempre dá certo, mas...
Para simplificar talvez fosse aconselhável buscar a raiz de tudo o mais.Ressaltaria, neste museu, apenas a palavra, a linguagem, os signos e as imagens de toda a arte e conhecimento construídos pela humanidade. Incluindo aqui as ruínas e as desconstruções. O que já foi feito e o já desfeito. O que existe, teima em resistir. Aquilo que existirá e o que será impedido de existir. Seria justa e razoável esta opção, pois, sem dúvida, a linguagem está na origem e na trajetória de toda a História do homem. Não a linguagem abstrata, mas o que desta linguagem floresceu dentro e fora do coração do homem.
Que o leitor não se zangue pela minha última escolha. Junto com as cerâmicas primitivas, as telas dos pintores e dos poemas e músicas , de todas a s raças e gerações, colocaria sob luz clara um objeto admirável e único:o livro. Pasmem aqueles que não descobriram, ainda, o sagrado hábito da leitura. Aqueles que, ao invés de bibliotecas, constroem suntuosas garagens. Sei que muitos pesquisadores e futurólogos alardeiam a morte do livro, o seu fim como instrumento e objeto de mediação das trocas, do prazer e do conhecimento. Ao contrário, imagino que o ambiente contemporâneo é espaço fértil para abrigar todas as formas de fazer e de saber. Cenário móvel capaz de estimular a convivência dialogada entre diferenças e pluralidades. No campo midiático, a despeito de suas especificidades, não acontece de outra maneira. Veja um exemplo singelo. Não estou aqui, agora, escrevendo a favor do livro, um texto no computador que será veiculado pela rede e quantos livros já surgiram e surgem a todo instante falando sobre a sociedade da informação e do conhecimento.
Ah! O museu. Boa lembrança esta de se criar um espaço bem atraente para se colocar nele todos os depoimentos e argumentos escritos ou gravados a favor deste objeto sedutor, ao mesmo tempo, esquivo e silencioso. Em defesa do livro saíram filósofos,escritores, cientistas, poetas, compositores. Juntos, formariam um belo acervo.
Crítica arguta, Susan Sontag observa que entre livro e leitor há uma relação de desejo. Além do conteúdo, da edição, da encadernação, da ilustração ou do papel, observa a ensaísta/leitora/autora, o livro exerce sobre os seus leitores aquilo a que poderíamos chamar uma verdadeira aeração física. É, portanto, objeto de cuidadoso carinho. Falando sobre o ato de ler, Michel Foucault coloca o livro como o ponto onde se inicia o processo de transformação e de enriquecimento do leitor “Trata-se, particularmente, de interrogar nossa relação com o livro, com a obra”.
Se se considerar o livro como a imagem que comporta e transporta a linguagem, é justo apropriar-se do que fala Victor Chklovski , aludindo a um tipo especial de imagem relacionada à arte: “o objetivo da imagem não é tornar mais próxima de nossa compreensão a significação que ela traz, mas criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão, e não o seu reconhecimento”
Tudo sugere que o livro, a despeito de sua grandeza na constelação do saber, não existe por si só. Dentro e em torno dele gravitam não só idéias e imagens verbais e não-verbais, mas mundos reais e imaginários, personagens e geografias, autores, editores, leitores. Com estes últimos o livro e a leitura representam possibilidade reais para se criar laços através de uma relação de prazer e de liberdade. Os homens passam, o livro-pássaro,poderíamos parafraseando, reverenciar o para sempre adorável Mário Quintana. Para Borges, o encontro entre o livro e o leitor dá origem a um “faro estético”.
“Mudamos incessantemente e é possível afirmar, com Borges, que cada leitura de um livro, que cada releitura, cada recordação dessa releitura renovam o texto. Também o texto é o mutável rio de Heráclito”.
E Ramón Gómez de La Serna, nas suas Greguerías dizia:?O livro é um pássaro com mais de cem asas para voar?. Temos apenas de saber potenciar o seu vôo... Este o desafio: criar asas feitas livros e voar com eles, sem perder a direção da Terra. Da linguagem, a casa de todos, do mesmo e infinito livro.
Do prazer de voar com o livro
ao imaginário museu de tudo
A vantagem de vir ao mundo, após milênios de história, é já encontrarmos o mundo bastante modificado pelo engenho e arte do homem. Impossível seria enumerar essas modificações. Além do fogo, das pirâmides e dos Jardins Suspensos da Babilônia, pode-se, sem medo de erro, incluir a água potável, o avião, a penicilina na galeria das invenções. A metafísica, a literatura – a poesia - a física mereceriam lugar de destaque. Para os mais radicais e intolerantes, esclareço que usei a palavra metafísica como metáfora de Filosofia. Sei que não se trata de um conceito exato, mas como não posso detalhar, aqui, os meandros da história do pensamento humano, desde antes dos gregos, resolvi correr o risco da imprecisão. Funciona como um buraco para puxar assunto. Nem sempre dá certo, mas...
Para simplificar talvez fosse aconselhável buscar a raiz de tudo o mais.Ressaltaria, neste museu, apenas a palavra, a linguagem, os signos e as imagens de toda a arte e conhecimento construídos pela humanidade. Incluindo aqui as ruínas e as desconstruções. O que já foi feito e o já desfeito. O que existe, teima em resistir. Aquilo que existirá e o que será impedido de existir. Seria justa e razoável esta opção, pois, sem dúvida, a linguagem está na origem e na trajetória de toda a História do homem. Não a linguagem abstrata, mas o que desta linguagem floresceu dentro e fora do coração do homem.
Que o leitor não se zangue pela minha última escolha. Junto com as cerâmicas primitivas, as telas dos pintores e dos poemas e músicas , de todas a s raças e gerações, colocaria sob luz clara um objeto admirável e único:o livro. Pasmem aqueles que não descobriram, ainda, o sagrado hábito da leitura. Aqueles que, ao invés de bibliotecas, constroem suntuosas garagens. Sei que muitos pesquisadores e futurólogos alardeiam a morte do livro, o seu fim como instrumento e objeto de mediação das trocas, do prazer e do conhecimento. Ao contrário, imagino que o ambiente contemporâneo é espaço fértil para abrigar todas as formas de fazer e de saber. Cenário móvel capaz de estimular a convivência dialogada entre diferenças e pluralidades. No campo midiático, a despeito de suas especificidades, não acontece de outra maneira. Veja um exemplo singelo. Não estou aqui, agora, escrevendo a favor do livro, um texto no computador que será veiculado pela rede e quantos livros já surgiram e surgem a todo instante falando sobre a sociedade da informação e do conhecimento.
Ah! O museu. Boa lembrança esta de se criar um espaço bem atraente para se colocar nele todos os depoimentos e argumentos escritos ou gravados a favor deste objeto sedutor, ao mesmo tempo, esquivo e silencioso. Em defesa do livro saíram filósofos,escritores, cientistas, poetas, compositores. Juntos, formariam um belo acervo.
Crítica arguta, Susan Sontag observa que entre livro e leitor há uma relação de desejo. Além do conteúdo, da edição, da encadernação, da ilustração ou do papel, observa a ensaísta/leitora/autora, o livro exerce sobre os seus leitores aquilo a que poderíamos chamar uma verdadeira aeração física. É, portanto, objeto de cuidadoso carinho. Falando sobre o ato de ler, Michel Foucault coloca o livro como o ponto onde se inicia o processo de transformação e de enriquecimento do leitor “Trata-se, particularmente, de interrogar nossa relação com o livro, com a obra”.
Se se considerar o livro como a imagem que comporta e transporta a linguagem, é justo apropriar-se do que fala Victor Chklovski , aludindo a um tipo especial de imagem relacionada à arte: “o objetivo da imagem não é tornar mais próxima de nossa compreensão a significação que ela traz, mas criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão, e não o seu reconhecimento”
Tudo sugere que o livro, a despeito de sua grandeza na constelação do saber, não existe por si só. Dentro e em torno dele gravitam não só idéias e imagens verbais e não-verbais, mas mundos reais e imaginários, personagens e geografias, autores, editores, leitores. Com estes últimos o livro e a leitura representam possibilidade reais para se criar laços através de uma relação de prazer e de liberdade. Os homens passam, o livro-pássaro,poderíamos parafraseando, reverenciar o para sempre adorável Mário Quintana. Para Borges, o encontro entre o livro e o leitor dá origem a um “faro estético”.
“Mudamos incessantemente e é possível afirmar, com Borges, que cada leitura de um livro, que cada releitura, cada recordação dessa releitura renovam o texto. Também o texto é o mutável rio de Heráclito”.
E Ramón Gómez de La Serna, nas suas Greguerías dizia:?O livro é um pássaro com mais de cem asas para voar?. Temos apenas de saber potenciar o seu vôo... Este o desafio: criar asas feitas livros e voar com eles, sem perder a direção da Terra. Da linguagem, a casa de todos, do mesmo e infinito livro.
Triálogo II
Sua excelência o leitor ou
os segredos da boa leitura
Quais os segredos da boa leitura? Você considera-se um bom leitor? Dar respostas satisfatórias a estas questões é desafio sem fim. Na ambiente acadêmico, lugar de vaidosas disputas, elas causam controvérsias e discórdias. Narizes torcidos! Entre intelectuais e artistas das diversas áreas, provocam apaixonados debates e confusão. Quanto ao leitor, ou melhor, aos leitores, já que existe uma gama de classificações desse animal exótico e fugidio, penso que estão pouco se lixando para essas querelas. O problema é que os segredos da boa leitura envolvem diretamente esta figura polêmica e invisível, heterogênea e dispersa. Não raro, dispersivas.
Não quero ser chato, mas antes de passar a frente, de tatear os meandros da leitura, gostaria de saber em que condições você etsá lendo estas linhas,m agora. Estaria confortavelmente acomodado em uma destas, que mais parecem camas. Ou estaria mesmo deitado? Vou ariscar um palpite: excelentíssimo leitor deverá estar em algum bosque imaginário. Sozinho. Embebido de pensamentos e imagens que nunca virão à luz. De pé, na fila de algum destes desaforados bancos.Não, isto não desejaria jamais para nenhum leitor, mesmo aquele mais ranzinza e detalhista. Esteja onde, como e com quem estiver quero lhe dizer mais uma vez que sem você todo texto escrito, independente do suporte, não passaria de um defunto vencido. Não precisa ficar intimado com meus elogios. É uma questão de justiça, uma verdade imposta pela realidade. Não lhe faço nenhum favor, portanto! E tem mais não estou me referindo só a esta simpática pessoa com quem estou conversando, agora, mas do outro leitor, de seu duplo, um personagem literário, co-participe da construção deste texto que está demorando a se desenrolar. O jogo, como se vê, é mais interessante e complicado. Um quebra cabeça sem fim.
Você, meu amigo, se me permite trata-lo assim, apesar de nossa tão curta convivência, é deveras importante. Importante e misterioso. Tão misterioso que os estudioso, os ditos cientistas, com todo o meu respeito, não conseguem entrar em um acordo quanto a sua identidade. Daí que para lhe dar um nome, fazerem uma denominação exata e digna de sua magnitude, inventam muitos apelidos, para dizer praticamente o mesmo fenômeno. Você pode se situar, por exemplo, entre os leitores virtuais, leitores ideais, leitores-modelo, superleitores, leitores projetados, leitores informados, arquileitores, leitores implícitos, metaleitores... Gostou? Se você me acompanhou até aqui por curiosidade, consideração ou por puro prazer, arisco lhe dar mais um epíteto: que tal leitor-paciente, “leitor-fashion”? Em qual destas classificações você acha que se enquadra? Não, não precisa me responder. Aqui, toda a decisão é sua. Com e em todos os sentidos.
Neste momento, no ato mesmo da leitura deste texto/duscurso/midiático o que estararia pensando o leito? O meu leitor, se assim posso dizer. Estaria sério? Atento? Interessado ou doido para chegar ao final do caminho? Curioso para saber aonde, após tantas encruzilhadas, pistas e atalhos, essas palavras em rede pretendem levá-lo. Não se iluda com as promessas que nem cheguei a formular ao longo deste escrito, pois, podem não passar de moinhos de vento, de conjecturas. Nada que mereça crédito incondicional. Antes duvide. Pergunte. Levante. Vá ao dicionário. Ao banheiro, se precisar. Tome café. Descanse os olhos. Olhe pela janela da sala, do texto. Se necessário use faca, estilete, canivete, mas remova os entulhos, levante as linhas e observe bem entre as malhas da rede. Discuta o que aqui não se mostra com sua esposa, irmão, namorada, amigos. Se estiver sozinho, não se perturbe. Discuta com você mesmo. Seja exigente. Não continue aí feito uma taça de cristal à espera de bom vinho. Entregue-se à leitura. Embriague-se. Deixe-se prender. Voe se assim o desejar.
Os segredos da boa leitura, se você esta me ouvido e tentando-me, sobretudo, naqueles pontos sobre os quais desentendemos, não existem. Pelo menos como em um catálogo de endereços, com seguras referências. Os segredos da boa leitura estão no ato de ler. No processo de caminhar, nadar, pedalar voar sobre a superfície lisa ou acidentada da linguagem e da língua, de espectros diversos e enigmáticos. Talvez por isso é que certa vez escrevi: a língua pátria me manda/a lingua pétrea me funde/a língua mátira me tece/a língua rosea me fura
a língua amada me lambe/a língua viva me mata/a língua morta me chama/a língua me deixa à míngua/e vela me venda me ilude /
a muitas milhas de mim/outras línguas me procuram. Língua e linguagem que possibilita a construção de mundos, nossa própria – imprópria algumas vezes - construção e reconstrução diária e permanente. Tornamos-nos homem, ser de consciência, equivale a dizer, ético, pela linguagem. Não só pelo diálogo amoroso, mas também pelos conflitos que ela gera. Não só pelas contradições engendradas no seu útero, mas, sobretudo, pelo consenso e possibilidades de superação que a linguagem da vida traz em si.
Ja está cansado, o leitor? Esse leitor que para Proust O leitor, para Proust, era um amante dos livros, da boa leitura. Espécie em extinção, que tudo pretere pelo prazer de página manchada de letras e ilustrações. De alguma, qualquer superfície marcada pela palavra oral e ou escrita, cantada ou declamada. Fixa ou animada. A linguagem é um cinema, auto-estrada de mão dupla. Seja devorada silenciosa, sinuosamente. Em solidão. Mas, adverte o escritor, “:...se nos acontece ainda hoje folhearmos esses livros de outrora, já não é senão como simples calendários que guardamos dos dias perdidos, com a esperança de ver refletidas sobre as páginas as habitações e os lagos que não existem mais”.
Em breve chegaremos ao final deste texto se é que algum texto tem fim. Cansado estou eu que, depois de concluir essa conversa silenciosa, perdi boa parte e, aqui estou, de novo, reescrevendo o já descrito. E, da mesma maneira que não se faz duas leituras iguais, não se escreve-reewscreve um texto de maneira semelhante ao original, jogado no lixo ou perdido por uma dessas perversões da tecnologia.
Você pode estranhar, mas a leitura, apesar da novidade contemporâneas, ou por causa delas, possui algo de mágico. De magia demasiadamente humana, penso! Seres de leitura somos condenado-abençoados a tudo ler. Decifrar, quem sabe a vida. O escritor João, o outro, Guimarães, mágico decifrador dos sertões de Minas e das mimosas Rosas da linguagem diz: "A vida também é para ser lida". E sendo o viver muito perigoso, segundo o João, posso intuir: ler, de leitura viva e atenta, é perigosa empresa. Sertão se afunda. Abre-se em buritis e rios do sem sentido. Oferece-se à leitura. Tudo se lê.Eis o engenho e a maldição do homem. O escritor e poeta Flávio Carneiro salienta: “Pode-se ler um romance ou um poema tanto quanto se pode ler no rosto de alguém um traço de dor, um sorriso, ou uma roupa, o céu, um jardim". Tudo são “caminhos que se bifurcam”, planetária biblioteca cósmica. Tudo de signos e silêncio se tece. O sertão engole o sol.
Sua excelência o leitor ou
os segredos da boa leitura
Quais os segredos da boa leitura? Você considera-se um bom leitor? Dar respostas satisfatórias a estas questões é desafio sem fim. Na ambiente acadêmico, lugar de vaidosas disputas, elas causam controvérsias e discórdias. Narizes torcidos! Entre intelectuais e artistas das diversas áreas, provocam apaixonados debates e confusão. Quanto ao leitor, ou melhor, aos leitores, já que existe uma gama de classificações desse animal exótico e fugidio, penso que estão pouco se lixando para essas querelas. O problema é que os segredos da boa leitura envolvem diretamente esta figura polêmica e invisível, heterogênea e dispersa. Não raro, dispersivas.
Não quero ser chato, mas antes de passar a frente, de tatear os meandros da leitura, gostaria de saber em que condições você etsá lendo estas linhas,m agora. Estaria confortavelmente acomodado em uma destas, que mais parecem camas. Ou estaria mesmo deitado? Vou ariscar um palpite: excelentíssimo leitor deverá estar em algum bosque imaginário. Sozinho. Embebido de pensamentos e imagens que nunca virão à luz. De pé, na fila de algum destes desaforados bancos.Não, isto não desejaria jamais para nenhum leitor, mesmo aquele mais ranzinza e detalhista. Esteja onde, como e com quem estiver quero lhe dizer mais uma vez que sem você todo texto escrito, independente do suporte, não passaria de um defunto vencido. Não precisa ficar intimado com meus elogios. É uma questão de justiça, uma verdade imposta pela realidade. Não lhe faço nenhum favor, portanto! E tem mais não estou me referindo só a esta simpática pessoa com quem estou conversando, agora, mas do outro leitor, de seu duplo, um personagem literário, co-participe da construção deste texto que está demorando a se desenrolar. O jogo, como se vê, é mais interessante e complicado. Um quebra cabeça sem fim.
Você, meu amigo, se me permite trata-lo assim, apesar de nossa tão curta convivência, é deveras importante. Importante e misterioso. Tão misterioso que os estudioso, os ditos cientistas, com todo o meu respeito, não conseguem entrar em um acordo quanto a sua identidade. Daí que para lhe dar um nome, fazerem uma denominação exata e digna de sua magnitude, inventam muitos apelidos, para dizer praticamente o mesmo fenômeno. Você pode se situar, por exemplo, entre os leitores virtuais, leitores ideais, leitores-modelo, superleitores, leitores projetados, leitores informados, arquileitores, leitores implícitos, metaleitores... Gostou? Se você me acompanhou até aqui por curiosidade, consideração ou por puro prazer, arisco lhe dar mais um epíteto: que tal leitor-paciente, “leitor-fashion”? Em qual destas classificações você acha que se enquadra? Não, não precisa me responder. Aqui, toda a decisão é sua. Com e em todos os sentidos.
Neste momento, no ato mesmo da leitura deste texto/duscurso/midiático o que estararia pensando o leito? O meu leitor, se assim posso dizer. Estaria sério? Atento? Interessado ou doido para chegar ao final do caminho? Curioso para saber aonde, após tantas encruzilhadas, pistas e atalhos, essas palavras em rede pretendem levá-lo. Não se iluda com as promessas que nem cheguei a formular ao longo deste escrito, pois, podem não passar de moinhos de vento, de conjecturas. Nada que mereça crédito incondicional. Antes duvide. Pergunte. Levante. Vá ao dicionário. Ao banheiro, se precisar. Tome café. Descanse os olhos. Olhe pela janela da sala, do texto. Se necessário use faca, estilete, canivete, mas remova os entulhos, levante as linhas e observe bem entre as malhas da rede. Discuta o que aqui não se mostra com sua esposa, irmão, namorada, amigos. Se estiver sozinho, não se perturbe. Discuta com você mesmo. Seja exigente. Não continue aí feito uma taça de cristal à espera de bom vinho. Entregue-se à leitura. Embriague-se. Deixe-se prender. Voe se assim o desejar.
Os segredos da boa leitura, se você esta me ouvido e tentando-me, sobretudo, naqueles pontos sobre os quais desentendemos, não existem. Pelo menos como em um catálogo de endereços, com seguras referências. Os segredos da boa leitura estão no ato de ler. No processo de caminhar, nadar, pedalar voar sobre a superfície lisa ou acidentada da linguagem e da língua, de espectros diversos e enigmáticos. Talvez por isso é que certa vez escrevi: a língua pátria me manda/a lingua pétrea me funde/a língua mátira me tece/a língua rosea me fura
a língua amada me lambe/a língua viva me mata/a língua morta me chama/a língua me deixa à míngua/e vela me venda me ilude /
a muitas milhas de mim/outras línguas me procuram. Língua e linguagem que possibilita a construção de mundos, nossa própria – imprópria algumas vezes - construção e reconstrução diária e permanente. Tornamos-nos homem, ser de consciência, equivale a dizer, ético, pela linguagem. Não só pelo diálogo amoroso, mas também pelos conflitos que ela gera. Não só pelas contradições engendradas no seu útero, mas, sobretudo, pelo consenso e possibilidades de superação que a linguagem da vida traz em si.
Ja está cansado, o leitor? Esse leitor que para Proust O leitor, para Proust, era um amante dos livros, da boa leitura. Espécie em extinção, que tudo pretere pelo prazer de página manchada de letras e ilustrações. De alguma, qualquer superfície marcada pela palavra oral e ou escrita, cantada ou declamada. Fixa ou animada. A linguagem é um cinema, auto-estrada de mão dupla. Seja devorada silenciosa, sinuosamente. Em solidão. Mas, adverte o escritor, “:...se nos acontece ainda hoje folhearmos esses livros de outrora, já não é senão como simples calendários que guardamos dos dias perdidos, com a esperança de ver refletidas sobre as páginas as habitações e os lagos que não existem mais”.
Em breve chegaremos ao final deste texto se é que algum texto tem fim. Cansado estou eu que, depois de concluir essa conversa silenciosa, perdi boa parte e, aqui estou, de novo, reescrevendo o já descrito. E, da mesma maneira que não se faz duas leituras iguais, não se escreve-reewscreve um texto de maneira semelhante ao original, jogado no lixo ou perdido por uma dessas perversões da tecnologia.
Você pode estranhar, mas a leitura, apesar da novidade contemporâneas, ou por causa delas, possui algo de mágico. De magia demasiadamente humana, penso! Seres de leitura somos condenado-abençoados a tudo ler. Decifrar, quem sabe a vida. O escritor João, o outro, Guimarães, mágico decifrador dos sertões de Minas e das mimosas Rosas da linguagem diz: "A vida também é para ser lida". E sendo o viver muito perigoso, segundo o João, posso intuir: ler, de leitura viva e atenta, é perigosa empresa. Sertão se afunda. Abre-se em buritis e rios do sem sentido. Oferece-se à leitura. Tudo se lê.Eis o engenho e a maldição do homem. O escritor e poeta Flávio Carneiro salienta: “Pode-se ler um romance ou um poema tanto quanto se pode ler no rosto de alguém um traço de dor, um sorriso, ou uma roupa, o céu, um jardim". Tudo são “caminhos que se bifurcam”, planetária biblioteca cósmica. Tudo de signos e silêncio se tece. O sertão engole o sol.
Tiáogo III
Ler e amar exige paixão
João Evangelista Rodrigues
A leitura e o amor exigem posições sempre novas e confortáveis. Exige paixão. Não se lê e não se ama como se estivesse comendo um “cachorro quente” em um fim de rua de subúrbio. Pensando melhor, confortável é pouco. As posições devem ser agradáveis. Sugestivas e prazerosas. É isto mesmo que estou querendo dizer. Você, leitor experiente e sensível, acertou em cheio! O ato de ler e o de amar têm em comum a paixão e o deleite. Ler sem paixão seria assim como fazer amor sem prazer. Sem desejo. Compulsoriamente.
Dois motivos levaram-me a escrever as linhas acima. O primeiro deles foi a modo que vi um adolescente lendo uma revista de variedades, que ficava entre xérox de livros didáticos. Textos extraídos da Internet e um monte de apostilas rabiscadas. O segundo motivo e, este me veio à tona, ao lembrar-me de como Ítalo Calvino age, ao transformar em sua narrativa, estilística e estrategicamente, o leitor concreto em um personagem ficcional, imaginário. Portanto, no romance pós-moderno, de raízes borgianas, os dois leitores são, ao mesmo tempo, um e outro. Assim, para o leitor que lê o livro, para o leitor que está lendo este pequeno ensaio sobre o ato de ler, não será fácil distinguir , com nitidez, o lugar onde ele realmente vive e se move: na vida real, com seus condicionamentos e aborrecimentos concretos, ou em um mundo virtual, ficcional. Em caso de dúvida, o leitor terá que resolver sozinho, esta “parada”. A bem da verdade, sozinho, de todo, não. Ele e o texto que leva nas mãos. Seja o livro de Calvino – se você ainda não leu, vale a pena ir ao encontro dele – ou em companhia deste rápido caso de amor com as palavras derramadas aqui, carinhosamente.
Ah, o adolescente, você ainda se lembra dele? Claro, ele estava lendo uma revista de variedades, de tal modo extravagante, que acabou por me chamar a atenção. Não que quisesse intrometer-me nos hábitos do moço, que mal conhecia. A revista estava longe dos olhos, no chão, entre as pernas, em meio a uma bagunça visual e sonora formada por CDs, DVDs, celular, garfo, prato com resto de macarrão, xícaras e copos de plásticos sujos de refrigerantes. O caos era maior porque o som e televisão do quarto estavam ligados ao mesmo tempo. No primeiro, tocava, a todo volume, uma destas despretensiosas “baladinhas” americanas, sem estilo nem personalidade. Na TV, o noticiário do trágico desabamento que abalou a cidade de São Paulo e sensibilizou todo o país. Para completar, a garota que morava no apartamento da frente esganiçava, frenética, o nome de nosso protagonista. Pela insistência e altura dos gritos, ela precisava falar com ele qualquer forma. Nosso leitor, por sua vez, não estava nem aí, para nenhuma destas coisas.
Explicados os motivos conscientes, que me levaram a este texto, deixo o leitor em paz para que ele desfrute o pouco que falta destas páginas.
Assim inicia o romance do italiano, nascido em Cuba: “ Você vai começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno. Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido. É melhor fechar a porta; do outro lado há sempre um televisor ligado. Diga logo aos outros: "Não, não quero ver televisão!". Se não ouvirem, levante a voz: "Estou lendo! Não quero ser perturbado!".
O adolescente, sob luz fraca e nebulosa, olhava desinteressadamente, para a revista. A mocinha quase se rasgava de tanta gritaria. Nunca se viu coisa igual. Queria mostrar o novo modelo de seu celular seu colega de faculdade. Nosso jovem leitor, por seu turno, seria incapaz de relatar, de repetir ao menos, uma só passagem da leitura. Mal decorou a cor, o nome da figura principal e a marca da grife que, orgulhosamente, exibia na parte traseira das calças.
Escolher a posição correta par ler exige espontaneidade e criatividade. Em pouco tempo, o corpo se cansa. Acomoda-se. A leitura, por mais interessante ou necessária, em alguns casos, torna-se pesada, chata, cansativa. O leitor acaba se dispersando e lá se foi o essencial do que lera.
Para seu leitor/protagonista, para o leitor concreto, já com o livro dele entre as mãos, Calvino sugere: “Escolha a posição mais cômoda: sentado, estendido, encolhido, deitado”. Deitado de costas, de lado, de bruços. Numa poltrona, num sofá, numa cadeira de balanço, numa espreguiçadeira, num pufe. Numa rede, se tiver uma. Na cama, naturalmente, ou até debaixo das cobertas. Pode também ficar de cabeça para baixo, em posição de ioga. Com o livro virado, é claro.
A esta altura dos acontecimentos, a revista ficou jogada entre os variados objetos. Desprezada. Entretanto, o autor de “Se o viajante...” não perde a esperança em seu leitor, no caso , o nosso, e oferece-lhe mais uma sugestiva opção, em tom de lúdica ironia: “manter os pés levantados é condição fundamental para desfrutar a leitura”.E completa, “regule a luz para que ela não lhe canse a vista. Faça isso agora, porque, logo que mergulhar na leitura, não haverá meio de mover-se.
O ato de ler mereceu a atenção de muitos outros escritores/leitores, antigos e contemporâneos. Machado de Assis era mestre na arte de envolver o leitor de seus romances, contos e poemas.
Outro, foi Rilke, o autor de “Carta a um jovem poeta”. Profundo e sensível, como era, escreveu: “Quero viver como se o meu tempo fosse ilimitado”. Quero me
recolher, me retirar das ocupações efêmeras. “Mas ouço vozes, vozes benevolentes, passos que se aproximam e minhas portas se abrem”.
O amor e a leitura se confundem no prazer das posições que o leitor/amante escolhe para ler e para amar. Na forma como a paixão se expressa e alarga o universo do leitor, real ou ficcional, no movimento íntimo e infinito das letras corporificadas e eternizadas pelo corpo e pelo espírito do homem. Gestos de leitura do amor. Ato amoroso de ler. Em todos os casos, a melhor escolha será sempre a do leitor.
Ler e amar exige paixão
João Evangelista Rodrigues
A leitura e o amor exigem posições sempre novas e confortáveis. Exige paixão. Não se lê e não se ama como se estivesse comendo um “cachorro quente” em um fim de rua de subúrbio. Pensando melhor, confortável é pouco. As posições devem ser agradáveis. Sugestivas e prazerosas. É isto mesmo que estou querendo dizer. Você, leitor experiente e sensível, acertou em cheio! O ato de ler e o de amar têm em comum a paixão e o deleite. Ler sem paixão seria assim como fazer amor sem prazer. Sem desejo. Compulsoriamente.
Dois motivos levaram-me a escrever as linhas acima. O primeiro deles foi a modo que vi um adolescente lendo uma revista de variedades, que ficava entre xérox de livros didáticos. Textos extraídos da Internet e um monte de apostilas rabiscadas. O segundo motivo e, este me veio à tona, ao lembrar-me de como Ítalo Calvino age, ao transformar em sua narrativa, estilística e estrategicamente, o leitor concreto em um personagem ficcional, imaginário. Portanto, no romance pós-moderno, de raízes borgianas, os dois leitores são, ao mesmo tempo, um e outro. Assim, para o leitor que lê o livro, para o leitor que está lendo este pequeno ensaio sobre o ato de ler, não será fácil distinguir , com nitidez, o lugar onde ele realmente vive e se move: na vida real, com seus condicionamentos e aborrecimentos concretos, ou em um mundo virtual, ficcional. Em caso de dúvida, o leitor terá que resolver sozinho, esta “parada”. A bem da verdade, sozinho, de todo, não. Ele e o texto que leva nas mãos. Seja o livro de Calvino – se você ainda não leu, vale a pena ir ao encontro dele – ou em companhia deste rápido caso de amor com as palavras derramadas aqui, carinhosamente.
Ah, o adolescente, você ainda se lembra dele? Claro, ele estava lendo uma revista de variedades, de tal modo extravagante, que acabou por me chamar a atenção. Não que quisesse intrometer-me nos hábitos do moço, que mal conhecia. A revista estava longe dos olhos, no chão, entre as pernas, em meio a uma bagunça visual e sonora formada por CDs, DVDs, celular, garfo, prato com resto de macarrão, xícaras e copos de plásticos sujos de refrigerantes. O caos era maior porque o som e televisão do quarto estavam ligados ao mesmo tempo. No primeiro, tocava, a todo volume, uma destas despretensiosas “baladinhas” americanas, sem estilo nem personalidade. Na TV, o noticiário do trágico desabamento que abalou a cidade de São Paulo e sensibilizou todo o país. Para completar, a garota que morava no apartamento da frente esganiçava, frenética, o nome de nosso protagonista. Pela insistência e altura dos gritos, ela precisava falar com ele qualquer forma. Nosso leitor, por sua vez, não estava nem aí, para nenhuma destas coisas.
Explicados os motivos conscientes, que me levaram a este texto, deixo o leitor em paz para que ele desfrute o pouco que falta destas páginas.
Assim inicia o romance do italiano, nascido em Cuba: “ Você vai começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno. Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido. É melhor fechar a porta; do outro lado há sempre um televisor ligado. Diga logo aos outros: "Não, não quero ver televisão!". Se não ouvirem, levante a voz: "Estou lendo! Não quero ser perturbado!".
O adolescente, sob luz fraca e nebulosa, olhava desinteressadamente, para a revista. A mocinha quase se rasgava de tanta gritaria. Nunca se viu coisa igual. Queria mostrar o novo modelo de seu celular seu colega de faculdade. Nosso jovem leitor, por seu turno, seria incapaz de relatar, de repetir ao menos, uma só passagem da leitura. Mal decorou a cor, o nome da figura principal e a marca da grife que, orgulhosamente, exibia na parte traseira das calças.
Escolher a posição correta par ler exige espontaneidade e criatividade. Em pouco tempo, o corpo se cansa. Acomoda-se. A leitura, por mais interessante ou necessária, em alguns casos, torna-se pesada, chata, cansativa. O leitor acaba se dispersando e lá se foi o essencial do que lera.
Para seu leitor/protagonista, para o leitor concreto, já com o livro dele entre as mãos, Calvino sugere: “Escolha a posição mais cômoda: sentado, estendido, encolhido, deitado”. Deitado de costas, de lado, de bruços. Numa poltrona, num sofá, numa cadeira de balanço, numa espreguiçadeira, num pufe. Numa rede, se tiver uma. Na cama, naturalmente, ou até debaixo das cobertas. Pode também ficar de cabeça para baixo, em posição de ioga. Com o livro virado, é claro.
A esta altura dos acontecimentos, a revista ficou jogada entre os variados objetos. Desprezada. Entretanto, o autor de “Se o viajante...” não perde a esperança em seu leitor, no caso , o nosso, e oferece-lhe mais uma sugestiva opção, em tom de lúdica ironia: “manter os pés levantados é condição fundamental para desfrutar a leitura”.E completa, “regule a luz para que ela não lhe canse a vista. Faça isso agora, porque, logo que mergulhar na leitura, não haverá meio de mover-se.
O ato de ler mereceu a atenção de muitos outros escritores/leitores, antigos e contemporâneos. Machado de Assis era mestre na arte de envolver o leitor de seus romances, contos e poemas.
Outro, foi Rilke, o autor de “Carta a um jovem poeta”. Profundo e sensível, como era, escreveu: “Quero viver como se o meu tempo fosse ilimitado”. Quero me
recolher, me retirar das ocupações efêmeras. “Mas ouço vozes, vozes benevolentes, passos que se aproximam e minhas portas se abrem”.
O amor e a leitura se confundem no prazer das posições que o leitor/amante escolhe para ler e para amar. Na forma como a paixão se expressa e alarga o universo do leitor, real ou ficcional, no movimento íntimo e infinito das letras corporificadas e eternizadas pelo corpo e pelo espírito do homem. Gestos de leitura do amor. Ato amoroso de ler. Em todos os casos, a melhor escolha será sempre a do leitor.
quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

dos acontecimentos
os jornais estão cheios de acontecimentos
mirabolantes manchetes
grandezas e mazelas
povoam páginas bem diagramadas
acidentes e assassinatos
terremotos
super-staras
falências e top-modls desfilam
entre liquidificadores e preservativos
carros importados
receitas culinárias
Fios-dentais e anúncios imobiliários
as palavras nada dizem
além do que dizem
morrem asfixiadas
embrulham dores diárias
carne no açougue
bijuterias na feira popular
outras mídias dão-lhes colorido
velozes e falsas
vorazes verdades
imagens esmaecidas
no mundo em movimento
as palavras se entorpecem
se evaporam
só no poema
a linguagem acontece e sobrevive
os jornais estão cheios de acontecimentos
mirabolantes manchetes
grandezas e mazelas
povoam páginas bem diagramadas
acidentes e assassinatos
terremotos
super-staras
falências e top-modls desfilam
entre liquidificadores e preservativos
carros importados
receitas culinárias
Fios-dentais e anúncios imobiliários
as palavras nada dizem
além do que dizem
morrem asfixiadas
embrulham dores diárias
carne no açougue
bijuterias na feira popular
outras mídias dão-lhes colorido
velozes e falsas
vorazes verdades
imagens esmaecidas
no mundo em movimento
as palavras se entorpecem
se evaporam
só no poema
a linguagem acontece e sobrevive
Caricatura feita por Júnios Heleno
o livro
o que é um livro
algo vivo
quadrado
retilíneo ou torto
substantivo concreto
objeto de luxo
subjetivo
subversivo à solta
espelho convexo
substantivo comum
ou só mais um inseto morto
o livro
o que é o livro
tijolo na estante
cicatriz na manhã gestante
reflexivo estojo
arquivo de espantos
relógio
colibri
polvo
animal mutante
gafanhoto ou corvo
cavalo de tróia
ou cavaleiro andante
seria o velho
invulgar farsante
se gabando de novo
um lago
um cisne
um elefante branco
inventário de nomes
água e fogo
caminho e fonte
seria o livro
magro ou gordo
privado ou coletivo
escravo ou livre
esse bicho sem olho
tem plumagem de vidro
o dinossauro
o rinoceronte
teria asas o livro
objeto passível de lucro
de desejo
de dúvidas
de roubo
de logro
absoluto ou relativo
fechado aberto ou definitivo
é quadrúpede ou bípede
águia ou peixe-boi
esse ovo de ornitorrinco
onde vive o livro
na mala de viagem
na sala de visitas
na biblioteca pública
no quarto de desejos
na paisagem à vista
na geladeira ou na gruta
pode-se ouvir
tocar
tamborilar
sambar
beber
comer um livro
quem escuta no escuro
o vento na planície
no labirinto
é venenoso ou intuitivo
provoca dor
medo ou alívio
cavo escavo cavo
secreto escriba escarafuncho
desesescrevo o livro
cerebral
incompleto e primitivo
de pedra
de barro
de papel
virtual ou de acrílico
definir não me atrevo
interrogar o infinito
o sol aceso enigma
o sonho em alto relevo
é loucura
vezo
é sina
é tudo
isto e aquilo
nada do que disse
teria asas o livro
não sei
desisto
não consigo
o livro o que é o livro
sexta-feira, 26 de janeiro de 2007
Desenho de Heleno Nunes,
criado para a capa do CD
Andejo de Joacir Ornelas.
criado para a capa do CD
Andejo de Joacir Ornelas.
Dom Quixote a cavalo
não vê o chão
nem as patas do animal
mira moinho ns nuvens
dantesca cavalaria
na copa do penhasco se desmancha
tombam árvores
armas inimigas
o fidalgo contra o vento esgrima
corta de espada sombras e arbustos
Don Quixote não se curva
ao peso da armadura vence o visto
ouve som de sinos
a cavalariça elegante aplaude
sente sobre si o laurel da glórias
Dom Quixote não se ri
não se rende ao cruel enigma
destgemido avança
leal e livre cavaleiro se imagina

foto viagem
estou e não estou em minha cidade
fotograficando quando posso
quando passo em preto e branco
meu coração a limpo
quando invisível
me torno em olhar alheio
vejo as casas através da lente
elas não me vêem
vejo as moças através da lente
alegremente passam
carroças carros caminhões
cavalos e arreios
tudo passa sem futuro no presente
trabalhadores de pedra
estes pesam mais em minha mente
não estou e estou em minha cidade
a noite em arcos abre janelas transparentes
quinta-feira, 25 de janeiro de 2007
o que procuras aqui não se enuncia
talvez em campos destruídos
em plantações queimadas pelo ódio
além quem sabe a mais pungente ausência
raízes secas em território de sal
estátuas mortas de gelo derretidas
estranhos assobios
procuras em vão inventas teu percurso
teu poema
o que não necessitas
honra e glória
poder de alquimista
puro ritual de formas
porque insistes em lembranças e memórias
em recordações sem data
Se a estrada se alonga em desvios
sinuosos e restritos
em vão acenas
ao que passa morto já está
tudo em torno guarda geme em sigilo
vestígios de escrituras
todas as sombras estão perdidas
não ti reconhecem mais neste cenário
os signos da inocência
as habitações e os lagos
a solene procissão do gado
sem água
nada em que possa refletir tua própria consciência
uma pedra que seja pedra
um pássaro que seja
um homem que não seja só reflexos
no espantoso pântano da página
no limo da língua
o que procuras aqui te denuncia
nenhum sonho na fronteira subsiste
segunda-feira, 22 de janeiro de 2007
Balada de despedida ou uma
Crônica pela morte desejada
Não raro a cidade se assusta. Leva um choque. Para; Respira fundo, entre estarrecida e judiciosa. E não é para menos, pois, se notícia boa corre, notícia triste, voa. Isto acontece com mais freqüência do que se imagina. Quando, por exemplo, alguma pessoa - criança, jovem, adulto ou idoso, masculino ou feminino, rico ou pobre - despede-se desta vida, inesperadamente. Inexplicavelmente.
Nestes casos extremos, amigos, vizinhos, parentes próximos e distantes manifestam-se. Fazem-se presentes e solidários. A curiosidade e a indiscrição, entretanto, não sossegam o facho. Sussurram. Perguntam. Discutem. Levantam-se hipóteses as mais mirabolantes. Já o morto nada pergunta. Nada mais deseja, além do direito ao abandono e ao sossego. Ao esquecimento do corpo em leito sem amor. Sem compartilhamento.
Diante da morte, banalizada como está e, por isso mesmo, fator de banalização da vida em seus diversos níveis e aspectos, sabemos, é inútil, qualquer palavra. Tudo o que se disser, inclusive neste texto, não passa de conjecturas humana. Tardiamente formuladas. Mesmo assim, insiste-se, insistimos em falas, mesmo sabendo-as vazias de sentido, sem nenhuma repercussão, pelo menos no reino dos mortos.
Entre tantas falas perdidas no silêncio da casa, do velório, do cemitério, algumas podem assumir formas objetivas de questionamentos e preocupações subjetivas, particulares ou coletivas. Excluo, aqui, intencionalmente, questões cujas respostas levam em conta crenças religiosas, sejam elas quais forem. Este é fórum íntimo, sobre o qual não se deve interferir.
Prefiro olhar a questão da “morte desejada” ou mais diretamente, do “suicidio” de um ponto de vista humano, social e político. Poderia acrescentar poético, já que a poesia, em qualquer de suas fases, possui algo de religioso e místico, sem confessar fé, fidelidade, em nenhuma crença religiosa específica. Em nenhuma forma de poder. Este olhar sobre a morte, sobre a morte procurada através do suicídio, espantada como está, poderia perguntar: o que leva um ser humano a cometer tal ato. A caminhar na direção do imponderável e do sem volta? O que estaria ele pensando , sentindo, desejando, questionando, naquele momento da tomada de uma decisão tão radical? Estaria mesmo em condições plenas para pensar e decidir? Que liberdade e autonomia são estas do sujeito contemporâneo que lhe dão o direito de saltar da ponte da vida na contramão do tempo, cortando o fluxo vital que, até há pouco o animava e o fazia sorrir e chorar? Qual o tempo certo par se morrer?Qual o modo mais confortável, menos doloroso.? Quem detém o poder destas escolhas?
Continuaremos, naturalmente, mudos. Poeticamente, a morte tem sido motivo de muitos poemas, ora líricos e reflexivos, ora realistas e contestatórios. Mas, no “pé do toco”, como costumava
dizer minha Avó materna, na veia, não há nenhuma poesia no ato de morrer. Ou será que existe uma estética da morte, como quiseram provar, com a própria morte, alguns artistas e filósofos. Mas também não há nenhuma estética em uma vida sem graça, sem sonhos, sem perspectivas. Diria alguém: quem vive como boi, merece morte bovina. Mas gente não é boi, disto ninguém duvida. Mas este não é o caso;
Socialmente, do pondo de vista da cidade, a casa comum, dos cidadãos – pelo menos é isto o que, em sua essência, deveria ser uma cidade , fica no ar questões igualmente complexas e profundas. Será que a cidade, o conjunto do seres que nela vive - não soube acolher com afetividade a pessoa que partiu? Será que, na maior parte do tempo, não lhe foi indiferente? Teria exigido muito e oferecido pouco? Que valores regem a vida cotidiana da cidade, ciosa por produzir, consumir e se reproduzir de maneira autoritária , acrítica? Será que a cidade se recusa a se transformar para se adequar e atender aos anseios de todos os seus filhos? Estará surda, a cidade ou barulhenta demais para ouvir os lamentos e pedidos de socorro de seus habitantes?
Sejam quais forem as perguntas formuladas, diante deste “gesto brutal” as respostas e ações serão sempre doloridas e pungentes. Quem já sofreu na carne semelhante dor, sabe o que isto significa. À cidade, aos seus cidadãos, habitantes do mundo em transe cabe mais que a lamentação e a perda de um filho. Cabe avaliar sua própria dinâmica, os fatores que operam suas atividades cotidianas – econômicas, políticas, culturais, espirituais, educacionais, esporte, lazer - as opções e oportunidades que ela oferece. Como são compartilhados os espaços públicos e o sonho coletivo da população?
A morte , por suicídio, de um cidadão, de um dos habitantes da cidade, não diz respeito apenas à uma decisão pessoal, súbita, lúcida ou não. Envolve questões éticas, socias e existenciais. Não diz respeito apenas a seus familiares. Como sujeito singular, particular e coletivo, isto é social, a morte, sempre diz respeito a todos nós. Não é um problema só para quem decidiu morrer, como pode sugerir o famigerado individualismo, a competição e o pragmatismo da globalização triunfante. Nem mesmo as cidades de pequeno porte, “interioranas” estão livres deste flagelo contemporâneo, chamado, por muitos, orgulhosamente, de neoliberalismo.
A cidade, que gerou seus filhos, deve dar conta dos motivos que os levam a morrer. Assim, desta forma, tão inesperadamente. Tão desesperadamente. A questão da morte, em certas condições, torna-se um problema social, interdisciplinar, devendo envolver, por exemplo, médicos, psicológicos, sociólogos, pedagogos, educadores, instituições de ensino, empresários, administradores, instituições públicas e privadas. Toda uma rede de configurações e conexões, as mais diversas, honestamente pervertidas. Rígidas, preocupadas apenas com a pulsação do bolso direito. Raramente divertidas. Raramente preocupadas com uma vida de qualidade, vivenciada e compartilhada comunitariamente. A felicidade já não faz parte da nossa geografia urbana. Melhor seria, fosse-nos dado aprender com o jogo da vida.
Cai chuva fina. Fria. Um céu cinzento desaba sobre a cidade. Anoitece.
sábado, 20 de janeiro de 2007
um sentido outro outra verdade
por dentro do ovo ainda
identidade incompleta
pia o pintainho galanteia
profeta sem penas
protesta sobre a dor alheia
meio projeto de gente
galináceo bípede com fome
chora pia imagina
interroga o talvez poeta
o que será por fora
do planeta sem saída
o insurgente mundo
as máscaras do nome
a metáfora máxima da vida
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