sexta-feira, 30 de janeiro de 2009




Tranversias
Minas,suas vias e avarias

Por Ronnie Francisco Cardoso*

Resumo: Resenha do livro Transversais,de João Evangelista Rodrigues.Contagem,MG.
Santa Clara Editora de Livros,2002.
ABSTRACT: Review of the book Transversias,de João Batista Rodrigues.Contagem,MG:Santa Clara Editora de Livros,2002
PALAVRAS-CHAVE: Resenha. Minas. Transversias.
KEYWORDS: Report. Minas. Transversais.



O poeta João Evangelista Rodrigues fotografou Minas em suas Transversias:captou a geografia da língua que tão mineiramente exercita. No prefácio do livro (Transversias,Contagem:Santa Clara Editora de Livros) o professor Júlio Pinto observa que “a linguagem de João é assim,é lista que enumera haikaimente as fotografias de Minas em passo estroboscópico,marcando intervalos de luz”.
Pela objetiva do poeta,a Minas que em seus versos se multiplica em prismas e rosetas só pode ser aprendida à contraluz,pois sua imagem persiste inextricável.Da paisagem mineira,fixou a vastidão,o desenho,mas também abriu sua lente subjetiva para as intermitências ,as lacunas,os vazios,para que na geografia do texto sobre apenas os elementos necessários para o leitor montar e remontar a sua própria cartografia de Minas.
O que é Minas?Em Transversias,talvez seja o resultado da sua silhueta semovente,ma qual se confronta o arcaico e o moderno, o sacro e o profano,o comezinho e o acadêmico, a denúncia e a comemoração, o senhor e o escravo, o iletrado e o gramático.
Bem ao sabor barroco, o itinerário afetivo descrito pelo poeta João Evangelista Rodrigues define Minas a partir de marcas.Rastros que se acumulam ate demarcar provisoriamente o mapa íntimo e multifacetado das Gerais,que abarca:escrituras ns baús, o repertório de nuvens, refrões e oráculos,a folia de reis, os devotos, o casamento arranjado, o truco de pouca prosa, o fazendeiro arrogante,o arsenal de garrucha, o desfile de bestas,a rede de rendas,o bestiário, o relatório de injúrias, o peso do escapulário, o tempo mal-assombrado.A tudo isso se junta ainda, os andarilhos oníricos,os confrades e os comparsas, os convivas underground,os traficantes de esquina,os escritores nos bares.
A Minas líquida que o poeta observa encontra uma “pedra no caminho”,que na configuração subjetiva do espaço literário e geográfico mineiro delineada por ele é, metonimicamente, “a frase de Minas a que ainda se exibe / a que de dentro e montanhosa se adensa no poente / e de geografia em geografia de silêncio se exila / e que de dente em dente se arrebenta por dentro / se perde no percurso / de túnel se perfura ou as insígnias se insurge.”Sintonizada com sua época, a “antena paravólica” do poeta capta e descreve um tempo de muda.Aqui a “pedra” de Carlos Drumond de Andrade,mais do que atravancar caminhos é a “palavoura” através da qual se reconstrói um novo percurso poético, é o que permite o alicerce de outros versos que avançam sonoros e escorregadios ao encontro de um marco geoliterário: “na veia mesma de Minas / na pedra esquiva do verbo / a pedra no caminho.”
Na vocação arqueológica que percebemos nos versos de Transversias,a escavação é o processo a partir do qual se rompe com a imobilidade do óbvio e possibilita abrir a “vasilha de cinzas”, “ válvula de escape” a “vitrine dos mortos”.Na abertura que se faz,identificamos vozes e personagens da tradição literária mineira, encontramos Marilias e Dirceus, o José, de Drummond, os oráculos de Adélia Prado,o traçado mágico (seria o do Rubião) e múltiplo (seria o do Mendes) dos Murilos, as travessias e imagem terceira remetem ao mesmo Gerais que Guimarães Rosa amplificou e universalizou.
Minas é isso: muitas vias de acesso e de excesso.Cabe ao leitor descobrir as múltiplas formas de atravessa-la , de refazer sua geografia interna.Então, voltemos às Transversias de João Evangelista Rodrigues.Cada um que faça o seu próprio traçado.

* Bacharel em Comunicação Social pela UFMG
Mestre em Teoria da Literatura
Doutorado em Literatura Comparada pela Faculdade de Letras/UFMG
Estudos Literários.

Reseha publicada originalmente na Radio em Revista – Universidade Federal de Minas Gerais – Departamento de Comunicação Social-2 008-V4 n1/2

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009


corpo
sexy
top model
só pele e osso
por pouco
pelo pódio
pobre colosso
morde
come o sol
perplexo
porco gordo
morre

terça-feira, 27 de janeiro de 2009


tudo no poema
palavra inaugural
o que resta de tudo
mito sem face
sem fundo
tudo em verbo
constelar se funde

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

não por acaso o caos não canto
não conto causos
não me ufano de ser humano
nem brasileiro de ser urbano
sou por inteiro
um engenho de enganos
observo a infâmia dos homens
a infidelidade do idioma
a infelicidade dos anos
nego o acesso fácil
a face neutra dos objetos

pego o que posso para meu sustento literário
vivo de restos e miudezas sem cotação
não me queixo nem espero nada
do passado eterno
sou marcado pelo tempo
de homens marcado
pelo vento pela chuva
pelas tempestades do deserto
pelo excremento da mídia
pelo que excede
pelo que fede do abdome do globo
pelo que pesa no dorso do Planeta todo
falo sobre o desencanto
sobre o desencontro
sob escombros e sombras de sangue escrevo
prefiro a morte a ser escravo
de nada serve o verso
se for servo do perverso tempo
desde o inicio do Universo pelo avesso escrevo

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009


nada aprendemos com a morte dos inimigos
morrem os pássaros e os rios
os pais as flores e os espinhos
morrem os homens de um pais distante
nosso vizinho

pouco aprendemos com a morte de nossos amigos

três punhados de terra
algumas lágrimas nervosas
voltamos para o sem mistério
à retórica burrice de cada dia
mais morto do que vivo
nada se aprende com a própria morte

sonâmbulos seguimos mais ignorantes e sozinhos

sábado, 10 de janeiro de 2009


dos dizeres do poeta
( Imagem a prtir de um poema-objeto de Rosane Magalhões)
o que diz o poeta
com sua fala sempre incompleta

o que diz o poeta
quando o alvo se dispara contra a seta

o que diz o poeta
quando o verbo se fecha sobre a paisagem aberta


o que diz
o poeta diz somente do que lhe afeta

diz do que lhe falta
do que prediz ou lê nas cartas

o que o poeta quando diz
porque nada diz quando fala em voz alta

o poeta diz do som da flauta
do magnata infeliz que se mata
da engrenagem da máquina
da viagem a Marte
dos martírios por nada
das morte do poema da poesia insensata

porque desejam silenciar o poeta
porque o silêncio sela sua voz seleta

é proibido ao poeta dizer
se não for de forma concisa
sintética
se não for hermético
é possível ser poeta
sem fingir
sem aderir ao patético
sem ser parnasiano
romântico
simbolista
modernista ou concretista

sem ir ao supermercado das letras
ao cinema novo
ao comitê do povo
ao circo do cinismo literário
sem ser esperte ou otário

ao se ajoelhar diante do olhar
solar de Van Gogh
em se jogar no abismo do verso árido
sem cair do pico do Itacolomi
sem mudar seu fuso horário

o peta e seus dizeres
o poeta e seus prazeres
o poeta e seus pesares
o poeta e seus díspares
o poeta e suas essências
o poeta e seus aparências
o poeta e seus mal ditos zelos
o poeta e suas íntimas letras
o poeta e seus pêsames

é possível apenas ser poeta
sem paisagem
sem ornamento
sem passagem pela delegacia
de bons costumes
pela poesia sem perfume

o que diz o poeta quando em silêncio apenas ri

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009


o que me interessa em literatura
é a alma do homem
não a alma etérea dos místicos
e dos santos
não a aura dos profetas e anacoretas
a artimanha das cartomantes
caminho de pés descalços
por regiões mais concretas
piso no chão da fábrica do poema
no piso da rua onde moro

remexo o lixo da alma
o estômago da fera
sujo as mãos a cara de lama
lavo no sangue cotidiano
a máscara da mídia
do reclamo pulbliciotario

interesso pelo resto da lata de conservas
não pelo extraordinário
a linguagem impura das putas
as conversas sem reservas
sem atualidades
nem valor utilitário
não tem padrão nem padrinho
minha escrita em pânico
que se dane o dom
o dono da fantasia
o sumo pontífice do consumo
pouco me importa se
o crítico ruminante
cifra come a formula literária
queima gerúndios e adjetivos
n fornalha da escrita se forma o mal gosto
o mal cheiro da genitália do mercado de miçangas

escrevo quando o silêncio manda
conta minha alma de pedra grita a poesia

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009


o grilo trila na folhagem
de acrílico
alucina a linguagem noctívaga
do ventríloquo
esquece asas e bagagens
a cabeça no limite do vôo
vaga aterrissagem

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Olá, se você gostou , favor comentar e divulgar. Endereço; jevare@uai.com.br

sem ornamento
a pedra angular sustenta
o cerne
o sangue
o sêmen do poema
até que um dia o dúbio fruto
o não dito se arrebenta

definição

estilo não é enfeite
é linha reta
suspeita arqitetura
que o poeta
intranqüilo projeta
em vão procura

sábado, 3 de janeiro de 2009

virtual

mal surge no vazio
se oferece
olhos e dedos
bocas e dentes
cores e sons
entra pelos poros
some nos cabelos
letras sensuais bebem os lábios
sob luz de pedra
surge na tela branca
poesia célere desaparece
falsos aplausos
breves apelos

o poema virtual permanece
preso entre os nós da rede

Comentários para:jevare@uai.com.br
Olá, caso você passe por aqi, por acaso ou acidente de prcurso, leia , comente e me mande um -email para: jevare@uai.com.br.Obrigado. João

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

estilo
«A única maneira de defender
a língua é atacá-la»
Marcel Proust
inscrevo-me no tempo necessário
na crista do galo canto de cristal se dissolve
não sou escravo de aluguel
peixe de aquário
bacharel de queixas
guardião de bestas
sou operário do verso
não sou otário
não sou escravo da língua matriarca
monarca
arquiteto do universo
não tenho pressa
na morte me completo

aqui
a contrapelo da pedra me confesso
arremesso palavras mal iluminadas
contra o selo de qualidade
dos textos literários
contra o mofo das bibliotecas
privadas
das jóias poéticas hipotecadas
no cartório público
escrevo contra o lirismo fácil
preso no peito tatuado
nos armários de família
contra o reumatismo dos dicionários
de rimas
de rusgas
de rixas
contra o hermetismo compacto das lagartixas
em concílio
contra estética da ordem
da honra do mérito
do bêbado equilíbrio das formas
no espaço aéreo
escrevo
a favor dos parias
dos piratas inconfessos
da pirotecnia dos sonhos
da clássica desararmonia dos gestos
dos dilúvios de desejos
dos verbetes marginais
da veredas desiguais
escrevo nos muros
nas marés
no jornal mural
no pé da escadaria das igrejas
nos suplementos de todas as receitas

sei que o mar não está pra peixe
que o tempo nada promete
que tudo que se disser
é fora de propósito
motivo de escárnio
não merece crédito
da crítica do ministério único
que todo manifesto é objeto póstumo
inoportuno e insólito

insisto mesmo assim no dito
invisto contra as palavras vanguarda
engajado
maldito

por nada deste mundo apago
pago o preço de mercado
pela vida e pela bolsa
pelo que fiz de toda a minha escrita
pelo que fiz e aqui repito

escrevo contra a palavra em minha pele
contra a palavra que não fere
contra a palavra eterna
bela forma de granito
o barco da morte não tem pressa
seja no rio ou no mar
nas nuvens
o barco vem sempre devagar
segue a corrente dos dias
segue a vontade dos ventos
vem sem ninguém o comandar


em vão se espera no porto
a hora do barco passar
em vão se avisa ao morto
sobre os modos de remar

o barco da morte não se atrasa
não tem hora de chegar

em vão se debate o vivo
a gaivota a velejar
nada lhe resta fazer
senão ao morto chorar

o barco da morte não tem pressa
em breve irá se atracar

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009


nada sei do que sou ou fui
tentando ser
um pouco de mim solidão
entre árvores e passarinhos
um pouco
ficou naquela ruazinha franzina
outra parte perdi
pelos caminhos de pedra calcária
pelas ciladas da cidade desvairada
a parcela mais querida
roubaram-me ainda na infância
a vida por se fazer

agora aqui estou
mais leve do que pena de pavão
a olhar o tempo anterior e breve
inteiro no que me resta
fora do que nada me serve
desnudo de tudo pronto para voar


amar é arte para iniciados
não para inocentes
para poetas performáticos
contorcionistas verbo-sexuais

ama-se em silêncio o impossível amor
à mercê do tempo do verbo intransitivo
da obediente fertilidade da carne
nada mais