sábado, 31 de dezembro de 2011


a Baal deus da pedra negra
ofereço este altar de palavras
ofereço o sacrifico da pedra
que da montanha sagrada
cai a cada manhã

ofereço
o que pelo fogo se purifica
a alma da pedra no forno
o coração do povo
de voz contrita se humilha

cubro de cal a cidade proibida

sábado, 24 de dezembro de 2011


Desejos

para o Natal
imaginei um poeminha
nada coloquial
nada de Herodes
de deserto
de fuga para o Shopping
de excursão para o Egito

nada de estrela do oriente
do ocidente
da TV decadente

mão quero reis
nem Magos nem gordos
pouparia a vida dos porcos
dos chesters e dos perus
quero uma ceia frugal ao ar livre
uma banquete universal
com vinho e frutas exóticas para todos

quero água potável
não preciso de neve
nem de papel Noel
quero um céu saudável
povoado de pássaros de rara plumagem
sem buraco negro ou camada de ozônio

gostaria que a rena e u burrinho
descansassem em campo fértil e floridas
nada de entregas à domicílio
nada de turismo interplanetário
de viagens às escondidas

a pobreza é igual e triste
em toda a parte
seja no Brasil
no Equador ou no Senegal
no Timor Leste ou no Haiti

no Natal
quero muitas árvores na
Amazônia
muitas luzes nas ruas das metrópoles
na periferia do planeta

quero água potável
menos poluição nos oceanos
menos violência contra as baleias
do homem contra si mesmo
mais cuidado no trânsito
no trato da coisa pública
menos tráfico de drogas e de influência
menos abuso de nossa paciência
de cidadãos
mais clemência para os fracos
os velhos e doentes
mais rigor na aplicação das leis
contra os ladrões e expoiadores
menos corrupção nos tribunais
nas palácios e nas mansões

não será preciso presépio
nem estrebaria
nem galo eletrônico
nem estrela virtual
porque ninguém há de nascer
fora do tempo
fora das maternidades
entre lençóis limpos e
sorrisos cordiais

quero um link para a paz
um kit de sobrevivência
embrulhado para presente
com felicidade e sossego
solidariedade
amizade e confiança

um frasco de amor
sensível
sensual e perfumado
me parece indispensável
para alegrar os dias
que nos habitam de tédio e incertezas
de indiferença e medo

o que mais gostaria no Natal
mais que um anel de brilhante
que o amor fatal da mulher invisível
um carro veloz e alucinante
que um DVD erótico
um Cd dançante
é poder viver e morrer em paz
aqui mesmo onde moro e não demorarei
porque breve é a vida
e leve é a morte dos homens
longe ou perto de Deus
seja em Belém do Pará
em Bagdá
em Roma ou em Belo Horizonte

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011


estou diante de teus olhos
e não me vês
escondo-me atrás das palavras
entre elas me ofereço
entrelaço signos e sentidos
teço cada manhã com fios indecisos
raios luminosos me cegam
sou mais apto para o vôo que a borboleta
mais sutil que a beija-flor
adoro sapos em dia de chuva
na penumbra da janela
coaxos encharcados de sinfonia
me remetem ao relento onde a vida me procura
o discurso dos grilos me ensinam
poesia é verso livre de literatura

segunda-feira, 28 de novembro de 2011


Silêncio

no princípio do princípio

era o verbo

a palavra primavera

a linguagem em flores encarnada

pela voz

abre-se o abismo dos tempos

da memória e do esquecimento

a história oculta do poema

no princípio do princípio

na havia mistérios nem fingimentos

só o pleno silêncio

segunda-feira, 24 de outubro de 2011


um gafanhoto não sofre

por ser magro mais que um faquir

mais que osso descarnado e triste

não pergunta porque está ali

seco mais do que um grilo sem fala

o gafanhoto salta sem saber

do seu salto a essência ou a razão

reinventa manhãs de orvalho sobre as ruínas das folhas

segunda-feira, 3 de outubro de 2011



aqui estou
a meio caminho de pedra
fujo do medo de me fugir
da perda de mim mesmo
do rugir da fera na sala iluminada
aqui estou sem fingir
de poeta fingidor
sem apalavras de água
que me cerquem
me lavem e me saciem
aqui estou sem mágoa
em meu exílio voluntário
fora do calendário oficial
do dicionário honorífico
do vendaval de glorias e medalhas
aqui onde sou apenas bruma
na manha de chuva
sem história sem relevo
apesar da geografia montanhosa
vivo sem tempo e sem aurora
porque assim é este tempo
sem memória sem aura e sentimento
pouco ou nada sei
do mundo que me cerca
das cercas e portões de ferro
que me dividem o sentimento

mundo de muitas chaves
me atormenta
me encerra no tempo
lúcido ou louco
me deixa trancado em mim
por pouco para sempre se fecha completamente

sábado, 24 de setembro de 2011


não guardo moedas nem sonhos de infância

ajuntei como pude palavras de céu alvejado

como se ajuntam vacas sagradas

para a ordenha

o deleite da vida na manhã virginal

colecionei lembranças de lençóis ao vento

presos em arame farpado

tudo em caixas de sabão minerva

ao lado de garrafas vazias

pedaços de corda de bacalhau

raramente entro neste quarto de despejo

sexta-feira, 23 de setembro de 2011


nada além do tempo

alheio ou único

bonito ou feio

ao olho nu do outro

me bifurco

tudo por acaso se mistura

se instaura sem receio

meio aura de dragão

meio asa de urubu

cortado ao meio

alfabeto em pânico

cavalo e vento

galope e freio

tudo se afigura incerto

estranho e cru

conforme o pacto

o peso

o pathos

o espasmo do verbo

desatento

o cozimento do asno

do pensamento obeso

tudo mundo de espanto

concreto sol azul

no firmamento fora do prumo

tudo em luta

no pântano do espelho se dilui

quarta-feira, 14 de setembro de 2011


prepara tua solidão

e escuta

é sobre ti que diz

este poema

sobre a humanidade oculta

em teu gesto único

fala resoluta

palavra extrema

segunda-feira, 12 de setembro de 2011


em tua solidão

está o teu sentido

o tecido de cada dia

a provação de tua existência

em permanente conflito

porque de nada ti adiantará

mergulhar no oceano

se dele não tiveres consciência

se com ele te confundires

abraça tua solidão

com todo o teu espírito

e tudo verás de perto

sem medo e sem fantasia

domingo, 11 de setembro de 2011

negócio da China
o ócio não germina
sobre pedras
fica no cio em qualquer lua
quando o amor termina
engorda longe dos olhos
do dono
come quando tem fome
dança quando quer
dorme quando tem sono
vê TV ao meio dia
adultera o dicionário
lê romance de cavalaria
joga futebol na grama do jardim
vídeo-game e gamão
ama a mulher do rei beócio
a top-model
a dama de vida difícil
a mucama
ri sem pedir licença
a Irene ou a Luzia
ama mesmo sem cama
ócio já foi pecado mortal
em Roma
crime capital em Alexandria
agora é charme
tema de pesquisa científica
moda de gente rica
coisa de classe
rende juros
poesia
dá fama
dá rima
o ócio sem culpas
é coisa fina
é dom do homem livre
recompõe os ossos do ofício
não presta conta ao fisco
anima o espírito das coisas
a alma indócil da cúpula
negócio da Chima
o ócio não é coisa para imbecil
não é preguiça qualquer
não é jovem nem senil
ócio é ócio
nos braços de qualquer mulher
quem tem ócio está no céu

onze de setembro

joão evangelista rodrigues

New York New York

a cidade exótica treme

chora ao som de um blues

flores de fumaça

de fogo e vento voam

sobre as ruas em ruínas

explodem tombam de orgulho

as torres gêmeas

entre folhas de fatura

de um negócio escuso

cobrem de veneno e horror

as almas

a raça em pânico

a fratura exposta

mostra a outra face

do Gênesis

um furacão de pombas

perfuram as pálpebras do mundo

inglórios reis se curvam



quarta-feira, 7 de setembro de 2011


o que de melhor herdastes na vida

foi a própria vida

a sabedoria que há de vir

com o tempo

de prazer ou de penúria

não apresses portanto

os passos do tempo

o ritmo

do que por natureza ti pertence

a morte não tem preferências nem pressa

é pontual e precisa

hospitaleira e eficaz no seu ofício

a todos contemplam com igual solicitude e benevolência

sábado, 27 de agosto de 2011


é só estorvo e fardo
o que guardo a sete chaves
em lugar secreto
livros empoeirados
recibos velhos
cartas de amor sem data
diplomas remendados com durex

mas o que sou
de mim não se perde por inveja
no supérfluo areal dos desejos
absorvo em silêncio



um homem por si
é solidão
círculo de fogo
envolto em água
alga e lodo
embarcação sem porto
um homem em si
por si se inventa
dele nada se subtrai
nada se acrescenta
sobre pedra calma
Sísifo sem alma
se desinventa




domingo, 21 de agosto de 2011


que glória há
em dominar o planeta
se onde pisas tudo morre e seca
adoece de peste crônica
de mal se cura
se contra ti voltam tuas conquistas
todos os engenhos que inventas
se te cortam a carne a faca e o forcado
as ferramentas todas que construístes
se são de veneno tuas refeições diárias
se não tens direito a um sono tranqüilo
se inimigos ocultos batem à tua porta com porretes e bazucas
se te assaltam corpo e alma
em plena luz do dia
se mores esmagado pelas máquinas ferozes e desnorteadas
se descansamos nossos corpos sobre cadáveres de espécimes extintas
que vitória é esta que cantamos
com orgulho com cega distinção
que trágica alegria a do ser humano que trai e mata seus semelhantes

em nome de que ciência e de que conhecimentos
continuaremos esta guerra sem fronteiras nem motivos
e como haveremos de tecer poemas
canções de exílio
em mundo assim
insípido e opaco
que triste melodia embala tua oficina de medo

que glória há em dominar o planeta





o que sabe o homem notívago
sobre o homem que amanhece
o que sabe de manhã efêmera
o poema que adormece
se nada a nada se prende
tudo se permuta
na ilusória messe
se todo olho de anjo
esconde a primavera
uma flor carnívora
um olhar de fera
se tudo se pergunta
e nada corresponde
ao verbo eterno
ao que se tece
se a voz volátil evoca a vida
a face oculta do sonho
nada permanece


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

o que se colhe na lavoura dos dias
sem esperança e sem memória
em sua infinita sucessão de tédio
além do crepúsculo dos sonhos
da indiferença das horas
se a noite nada oferece
senão estrelas ilusórias
desconhecidas e distantes
o que se colhe do tempo
terreno estéril
além da morte persistente
que tudo engole e ironiza

que universo é este
de veneno e regozijo
onde todos
de todos desconfiam

o que se colhe dos dias sem alma
às ave-marias

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

contrição
eu poeta contrito
me confesso pelo avesso
pela ironia do verso
pecado tenho alguns
todos os dias
todos anti-capitais
influências
tenho todas
algumas originais



o que passou
de todo não passou
a todo instante se reescreve
em sombras
reaparece nas paredes do abismo
pelo que floresce ainda na memória
pelo que de resto imanta
de sobras de silêncio o vestígio
das letras
o molúsculo discursivo insiste

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011


agora
o tempo casa de ostras
casulo de gás
estátua de vento
catedral
embuste e simulacro
nada lá fora canta
respira ou geme
cada qual por dentro se tranca
por medo ou ânsia
quebra a chave
a alma virtual
consigo mesmo
se contenta
evento cósmico
evanescente ritual

agora o tempo dorme

terça-feira, 2 de agosto de 2011


para o desconhecido
me dirijo

ou mal acompanhado
nada exijo da viagem
dos cosmonautas sem identidade
erijo no percurso
roteiros improváveis e obscuros
escrevo em línguas mortas
com palavras e rejeitos
poemas inconclusos

atravesso manhãs de neon
o céu furo com os olhos
com bazucas e oboés
ao som de guitarras e tambores

toda viagem é uma guerra muito particular

domingo, 31 de julho de 2011


face a face
Minas retórica
católica
despótica
folclórica
bucólica
dá cólica na poesia

prefiro Minas
exótica
erótica
melódica
sem melancolia amorfa
sem lua fria na montanha torta

sábado, 30 de julho de 2011


o avesso mineiro

para ser mineiro
não basta nascer em Minas
obra do acaso
pura predestinação
não basta proclamar
aos quatro ventos
arroubos de liberdade
sentimento essencial
ideal inatingível
trágica herança
espólio de mortes
roubos e traições
não basta
fazer política em benefício próprio
com astúcia de raposa
e juba de leão
fingir de bobo para levar vantagens
trucar em falso na hora da missa
enganar o povo que acredita
em Deus
em Zeus
no Papa
em bicho papão
no papo do patrão
que acredita no espírito mineiro
sem restriçções
sem fazer perguntas
que recita de cor
o ato de contrição


para ser mineiro
não basta comprar um sitio
uma fazenda
um chapéu
um manga larga alazão
nem entender os sons dos sinos
os grifos e grafites
represar os rios dos sentidos
São Francisco
Rio Doce
Jequitinhonha
Rio verde
Rio Grande
Urucuia uai
deveras que não

não basta admirar as montanhas
gastas
o minério etéreo dos astros
a geografia metafísica das vacas
a neta linguagem das fábricas
a polissemia das facas
urge escalar a Serra do Curral
rolar pela Serra do Rola Moça
tropeçar nas pedras
nas cinzas do Cauê
do que resta na Serra do Cipó
botar o dedo nas chagas
de Minas crucificada na Capital
em Congonhas
em Santo Antônio das Roças Grandes
no coração do Caraça
no cafundó do Judas
urge conhecer de perto
as rugas
as rusgas
as urtigas e intrigas
dos partidos e das tribos
as cidades todas históricas
e mágicas
Ouro Preto
Mariana
São João del Rei
Caeté
Diamantina
Pitangui
Serro e Sabará
Minas só de se saber
não há
é mais de se ver
e de se tocar
encher a pança em mesa farta
meneiridade só não basta
mineiros há
mergulhados na tristeza
na miséria mais que Jó
famintos de sonhos
e de pão- de- ló
de respeito pela coisa pública
de educação e festa
de afeto e poesia
de verdade e compaixão
para ser mineiro
não basta contar mentira
com ares de surpresa
e firme convicção
fazer catira
desatar a peia
se aproveitar da bondade alheia
comer queijo
pão de queijo
farofa de queijo
guardar o sobejo
para outro mais oportuno ensejo
não basta beber da boa
tirar gosto com leitoa
costelinha com mandioca
carne de sol com farinha
paçoca de amendoim
arroz com carne
feijão tutu com couve
orapronobis
galinha caipira com açafrão


para ser mineiro
nas basta
ser mineiro
ajuntar dinheiro
viver de rendas
cismar à toa
ter saudades do Latim
ou de Lisboa
há mais do que se ser
nos ilimitados limites de Minas
do sertão ao cerrado
do triângulo ao quadrilátero ferrífero
há mais debaixo do tapete
dos músculos dos bíceps
do que sabe o atleta
o vigário de plantão
do que suspeita o patife
o artífice do rei
o súdito do sultão
para ser mineiro
não basta concordar com a devassa
assinar sem ler
a concordata
morar na Savassi
ouvir seresta
música sacra
fazer serenata
tocar viola
tocar violino e tambor
cantar toada
rock in blues ou balada
para ser minero
não basta ser besta de barro
nem barroco
nem santo nem oco
é preciso acabar como vespeiro
exigir o troco do gerente do banco
do trocador do trem
pular carnaval em dezembro
ser minério de janeiro a janeiro
e isto ainda é pouco

basta de silêncio em Minas
fale cante grite mesmo que fique rouco

quinta-feira, 28 de julho de 2011


Para Emy WineHouse

o que a música
não me deu
o que o mundo
me negou
o que de mim mesma
se perdeu
o que ninguém
nunca encontrou
e jamais ouviu
isto é o que procuro
no silêncio
no fundo dos óculos escuros
ao sul dos hemisférios ocultos
uma casa que em mim habite
um cais
com pássaros de luz
e navios fantasmas
um caminho de paz
anjos sem olhos
tudo o que me seduz
e me consumiu
onde eu possa viver sozinha
com minha dor e minha solidão
ao som de um blues
meu coração parado me diz
o mundo é pouco
para quem ama
e grande demais para quem deseja a primavera
uma canção efêmera
me levará
em suas asas
por entre as nuvens

sábado, 23 de julho de 2011

Estou em Diamantina este final de semana. Participei do lançamento de uma revista em homenagem a Geraldo Vandré. Juntos com alguns amigos aproveitamos para curtir as atrações do festival de inverno. Diamantina permanece alegre e boemia. Cultural e hospitaleira. A visita à Gruta do Salitre foi emocionante. Fotografei luz e sombras, imagens talhadas pelo vento e chuva, que formam figuras de pedra, verdadeiros guardiões do tempo e dos mistérios de minas. Prometo postar algumas destas imagens nos próximos post.


lírica

descansa no fundo de minha alma
paisagem de pedra canta
entre folhas de relva
água antiga
amorosa melodia reverbera
acorda imagens mais profundas
tudo vem à tona
turva a vista à vida se mistura

terça-feira, 19 de julho de 2011

sábado, 16 de julho de 2011


lírica

descansa no fundo de minha alma
paisagem de pedra canta
entre folhas de relva
água antiga
amorosa melodia reverbera
acorda imagens mais profundas
tudo vem à tona
turva a vista à vida se mistura

quinta-feira, 14 de julho de 2011


neste exato momento
no Sudão
al-Bashir bombardeia
as montanhas Nuba
mata sem piedade
mulheres e crianças
seus soldados
de porta em porta
cortam a garganta da liberdade
aniquilam a população
indefesa
o mundo ocidental a tudo assiste
fecha os oslhos
indiferente e compassivo
troca seu silêncio pelos barris de petróleo

até quando as bombas
continuarão caindo sobre as montanhas Nuba
até quando explodirá o sol
da justiça e da alegria
nos campos do Sudão
até quando suportará este peso o coração
da poesia

aqui estão todas as palavras
em estado bruto de água e pedra
de fogo e vento
dentro e fora do tempo absoluto
no ventre do mundo
das vastas coisas
por virem
as própria coisas proverbiais e fluidas
palavras a espreita do olhos inaugurais
sinais solertes de um tempo sem luz
aqui estão
para quem por necessidade essencial
delas se aproximar
e por desejos mais sublimes
compartilhar seus significados
de vida e esperança

aqui estão as sementes das palavras
em estado de permanente espera

quarta-feira, 13 de julho de 2011


O Navegador De Palavras

Se o leitor se dispuser a viajar comigo por essas rotas perdidas no interior desta página, poderá ajudar-me nessa tarefa: encontrar Marco Polo. O pouco que sei dele, chegou-me pelo mar da linguagem e, para ser sincero, não disponho de nenhuma pista mais segura. Nunca vi sua foto . Pelo menos disto não tenho lembranças. Ouvi dizer que ele deixou muitas cartas e anotações, porém juro que não tive acesso a nenhum tipo de memória desse navegador inteligente e intrigante. A não ser, alguns livros que comprei no antigo sebo da esquina, transcrições de transcrições, cuja veracidade é sempre bom por em dúvida.
Dele, sei apenas o que me contaram alguns igualmente viajantes. Náufragos, talvez, de navios pertencentes à sua misteriosa esquadra. Também não arrisco desenhar seu perfil, uma vez que, com o passar do tempo, sua sombra, projetada naquela praia deserta já deve ter se desmanchado quase que por completo. Portanto, se depender destes sinais, teremos pouca chance de encontrá-lo. A não ser embalsamado em alguma biblioteca. Emparedado entre as letras dos livros ou perdido no labirinto de imagens e manuscritos.
De minha parte, prefiro imaginá-lo numa destas cidades ensolaradas, descritas por outro navegador italiano. Refiro-me a Ítalo Calvino que, pelo que parece, era de Marco Polo íntimo conhecedor. Chegou mesmo a reinventar suas histórias e suas aventuras pelas inúmeras cidades que Polo conhecera. Como não estou muito preocupado com as datas e mapas, também invento minhas geografias.
Tenho de palpite, quase certo, que Marco Polo, neste momento deve estar em algum ponto esquecido do Universo. Em alguma cidade portuária. Daqui posso vê-lo atento e minucioso aos detalhes de cada ângulo da paisagem. Seus olhos estão faiscando de felicidade porque acaba de fazer um bom negócio. Retorna ao seu navio, depois de um encontro na qual ele conta suas aventuras de maneira brilhante. Não por vaidade ou para se gabar de sua erudição, mas principalmente para criar um ambiente propício à conversa, à troca de informações. Na verdade, pelo que dele me contaram outros, que por sua vez, também de outros ficaram sabendo, Polo estava mais interessado era em ouvir. Ele queria conhecer a história e os costumes daquelas terras exóticas pela boca e pelos gestos de seus próprios interlocutores. Trocar produtos era apenas uma desculpa. Na verdade, vendia idéias, palavras, poemas, romances, desejos, fantasias e imaginação. Era com esses objetos invisíveis que ele conquistava seus anfitriões, fossem eles reis, sacerdotes, comerciantes, cidadãos comuns, sábios ou, simplesmente, vagabundos. Polo sabia do que era capaz a linguagem, por isso foi escolhido pelo rei. Era pago para viajar e para falar. O que, naturalmente, implica ouvir. No que ele também era sábio e paciente nessa arte.
Tanto divagamos e nos divertimos com o movimento do mar e das gaivotas que acabamos por perdê-lo. Ainda a pouco, ele estava sentado numa taberna. Talvez tenha desaparecido entre os rostos anônimos da multidão do mercado. Isso parece impossível, Polo tem semblante forte que dificilmente desapareceria de nosso pensamento como por encanto. Além do mais, todos o conhecem nestes cais de porto, povoados de navios e bandeiras coloridas de todas as partes do mundo, fedendo a peixe, com todo tipo de negócios escusos. Estranhos navios carregados de palavras, de mercadorias, as mais diversas, e objetos de arte.
Não sei se vocês perceberam. Polo é tão envolvente que, falando dele, esquecemos de falar da cidade onde ele deve estar neste momento. Cidade da qual não sei nem mesmo o nome. Talvez Alcídia, Selênia, Cecília. Quem saberá? Bem que poderia ser Rosana. Não, esta tem um sabor italiano e, pelo que não sabemos, Polo deve estar do outro lado do mundo. Esteja ele onde estiver, vá para onde for, tenho certeza de que qualquer dia desses o encontraremos. Polo, em carne e osso. Aqui, bem à nossa frente. É navegando por estes territórios desconhecidos, acima e abaixo destas florestas de água, que haveremos de encontrá-lo.
Quem duvidar, que vá até a biblioteca e fique lá, o tempo que for necessário. De olhos fechados e coração aberto. Pode ser que uma figura misteriosa lhe toque os ombros. Não se vire. Apenas ouça as histórias que ele quiser lhe contar. Apenas deixe sua imaginação viajar navios de fogo. Deixe entrar um raio de sol daquela cidade grega onde agora, com certeza, nosso companheiro de viagem acaba de desembarcar. Espere até que a noite fique mais densa e engula a cidade. Cubra-a de silêncio de tal modo que possa ouvir a respiração dos barcos e o arfar dos homens e dos peixes. Quando acenderem as primeiras luzes, entre com ele no grande pátio, à direita do jardim de rosas vermelhas encarnadas por onde passeiam mulheres e crianças. Apenas ouça a voz do rio Amazonas no interior de seu corpo. Depois parta em sua própria embarcação. Cheia de esperança e de palavras incendiadas. Esqueça o porto. A esquadra. A tripulação.
Há mesmo quem diga que Marco Polo nunca fez viagem alguma. Talvez tenha apenas compilado papiros e alfarrábios de tempos imemoráveis no conforto de uma biblioteca clandestina. Não se importe muito com estas versões e inversões históricas. Elas sempre acontecem e, a cada época, a verdade assume novos ares, de acordo com o humor e a seriedade dos pesquisadores. Desconfiar da história oficial, pelo menos à primeira vista, não é só um sinal de prudência, mas principalmente de sabedoria. O importante é você acreditar no que está fazendo, no caminho que escolheu em sintonia com seu desejo e sentimento.
Se seu desejo é encontrar Marco Polo, não desanime. Vá em frente. Esqueça a última porta por onde passou. Invente novos horizontes e não se preocupe comigo. Estarei bem, onde quer que esteja. A linguagem é meu norte. Minha forma de viver e dar notícias sobre a vida que, a cada instante, se abre, independente de nós mesmos. A vida e a morte juntas .Coladas como o sal e o mar. Talvez nunca serei feliz. Mesmo assim, continuarei tentando encontrar o verdadeiro Marco Polo. O que caminha comigo, acima e abaixo destas páginas, na solidão de cada sílaba. Nestas florestas de água, verdadeiro labirinto de espelhos e de palavras, cuja superfície infinita sempre e muitas vezes nos confunde.
Sobre o papel em branco ou no computador, a escrita é sempre um rasgo misterioso, uma ferida, sendo suja de sangue. É sempre alguma coisa que marca e delimita pontos geográficos até então inexplorados, com piquetes e bandeiras muito íntimas .Signos de pessoalidade ,possibilidades de comunicação, nem sempre concretizados. Mesmo no computador, no seu rosto liso de vidro, sobre seu corpo tecnologicamente tido como frio e neutro, a escrita emana raios de luz , aquece a madrugada, envolta em si mesma e recoberta por uma cortina de letras , cuidadosamente tecida e projetada à guiza de perfeição e imortalidade. Pura solidão. Neste momento , a escrita insurge de sangue o horizonte longínquo no qual se insinua , timidamente, mas com determinação, o que se pode chamar de escritor. A doença da escrita, violação e conquista, sedução e entrega, torna este sonho realidade. A vidaescreve a si mesma, bordando e transbordando de seu próprio tempo. O templo da escritura profana, sagrada apenas no momento em que da solidão do branco ou da tela do micro se emerge. Cumpre seu destino macrocósmico. Fabrica com letras entrelaçadas redes de sentidos, de sentimentos e razões, muitas vezes incontroláveis. Mas o texto mesmo e este empenho permanente de a tudo dar forma e destinação ,mesmo quando se sabe que essa forma e esse destino sempre escapam das mãos do escultor, do escritor, do digitador, do operador/agitador da complexa máquina do mundo, da qual o escritor também é uma letra igualmente indecifrável. Enquanto não se devora em dúvidas e lamentações, escreve. Inscreve-se no último círculo do horizonte inatingível, tingido de sombras, contra as ruínas das montanhas. Montanhas de pedras, de resíduos, de sucatas, de leis, de inutilidades , de linhas e limites. De livros. O próprio mundo, um livro. O único ser vivo, úmido de sentidos, ainda sem título.

segunda-feira, 11 de julho de 2011


a primeira pessoa
soa mal
tece loas no poema
faz intriga
enche linguiça no jornal

a primeira pessoa
engorda a política no sofá
multiplica a lista
a safadeza nacional

a primeira pessoa é um engodo
um embuste lírico
um lobo com fantasia de carnaval
um busto de bronze no planalto
no quintal neo-liberal
um tolo enfeitado para a festa
a espera do funeral

o que aprendo
apreendo com meus olhos
sol de surpresas
entre coritnas
o sonho recomposto
sobre a mesa do café

estarei vivo
interrogo ao espelho
da manhã sobrevivente
o que passou respira ainda a enxofre
em tudo o que faço ou tento desfazer

o dia cresce em desconcertos eltroeletrônicos
homens onlines passeiam pelas ruas vazias
e pelo sorriso plástico de seus lábios viperinos
parecem satisfeitos com as mazelas do banquete
com a vertiginosa velocidade do abismo
a cidade virtual promete a felicidade
tudo o que não habita em seus jardins rarefeitos

o que aprendo com meus olhos não esqueço

quinta-feira, 7 de julho de 2011


passeio

o que passou
não passou
vejo pelos restos
os rastros do que
um dia foi pássaro

o que passou aqui está
indivisível
preso ao futuro espaço
o que há de ser será
pelo que por si
pelo crivo dos olhos
não se deixou passar

quarta-feira, 6 de julho de 2011


premunição

um dia
não me lembrarei de meus poemas
das horas insones de leitura
do semblantes de meus amigos
do rosto feroz dos que me prejudicaram
todas as imagens se dissiparão
na imensa folha do corpo
do tempo sem alma

serei apenas um velho livro
oco
vazio de sonhos
sem amor
sem remorsos
sem histórias nem imaginaççoes

um dia certamente serei livre

estética lll

ninguém se repete
porque deseja
a arte é sempre nova
mesmo que assim
não seja
de tanto se repetir
a arte se renova
no calor da vida
da palavra na peleja
a vida não se repete
muda o rótulo
os óculos
o eufemismo da forma
o invólucro
o cinismo de quem a corteja

a vida não se repte

terça-feira, 5 de julho de 2011

domingo, 3 de julho de 2011


presente eterno
este poema
seu eco
este poema de pedra
de pedra oca
no meio do descaminho
tinha um poema
de eterno esquecimento

quinta-feira, 30 de junho de 2011


sobre si mesmo se dobra
a linguagem
cobra que a
si
se morde
nada vê fora de sua linhagem
na órbita icônica
dos olhos
tudo desimagem
luto e desencanto

a vida sob o sol não conta

agora vale
o mínimo fragmento
o ralo
o raso pensamento
o reles
só eles como evento
só o sol deles
o micro relato desatento

quarta-feira, 29 de junho de 2011


o que procuras no poema
quando curvas sobre o livro
tua fronte
o ideal da vida
o dial do tempo
a alma da letra
o murmúrio da água
da pedra e do vento
o movimento da língua
do mundo sem ar
o puro alheiamento
o diálogo impossível
de teu espírito com tua sombra

o que procuras no poema
é dele mesmo raiz e fonte

segunda-feira, 27 de junho de 2011


estética
pela beleza da pedra
chega-se à pedra
chega-se à flor
pela beleza da flor
pela dureza da palavra água
pelo o que na palavra se afia
a língua o limo a larva
gera em flor a afasia
a aura da pedra seu discurso
o lírio do medo
o lírico segredo de tudo
no intestino das coisas
a poesia da água
seu repouso

domingo, 26 de junho de 2011


muros obscuros me acenam
protegem paisagens obscenas
irrestritos territórios
campos virtuais
baldios terrenos
passo pelo furo do poema
escalo espirais em movimento

quarta-feira, 22 de junho de 2011


por cegueira ou por milagre
da linguagem
o menino cavalga
a mangueira do quintal
apanha
pássaro-assanhaço
o seu azul celeste
no galho mais alto
a paisagem das letras
reverdece

quarta-feira, 15 de junho de 2011


T S Eliot caminha sobre a terra arrasada
evita os olhos ocos da multidão
da turba que vaga pelos campos esfarrapados

sobre a terra arrasada
semeia seu poema sem esperança

T S Eliot olha da ponte
o vazio da Ilha da Manhatan
as homens à beira do Tâmisa
entre America e Europa tudo terra arrasada

segunda-feira, 13 de junho de 2011


porque palavras são peixes
de escamas brilhantes
ferrões envenenados
moram em águas profundas
Inacessíveis às vezes
à superfície dos sentidos

porque são selvagens
as mais preciosas e exatas palavras
escrever é luta contra os abismos
de nós mesmos
é olhar para fora e ver o invisível
o essencial das coisas triviais e humanas

escrever é pensar com a imaginação
mundos hostis nunca visitados

sábado, 11 de junho de 2011


através da água
vês teus pensamentos
imagens trêmulas
luzes irregulares
lâminas de sombra
firmes fragmentos

sexta-feira, 10 de junho de 2011

se penso pedra rola
no imenso império
do poema
na memória
se falo pedra fere
língua afiada
fere a pálpebra
a paisagem dos olhos
pedra por pedra cai
no que faço
se
falsa lua de vidro
se quebra
contraditora e óbvia

terça-feira, 7 de junho de 2011


o que tem o poema
a dizer
do poema que diz
além de si
mais leve acontecer
o que diz o poma
sobre o poema
que tem a dizer
além do que diz
querer dizer
além do dizer
não dito
extrema forma
livro labirinto
livre plataforma
de ler
fora da lei
fora da grei
o infinito
poema só prazer
só palavras
inscrito ao se tecer
ao vento
na pele
na pedra de granito

o que tem o poema
só poema a si dizer

segunda-feira, 6 de junho de 2011


assim teria falado Górgias
o grego
em tempos atuais
aos dele sob mu itos aspectos
tão semelhantes :

jamais levantam os olhos para o alto
sempre enfiam a cabeça na terra
bestas de pastagens
vangloriam de sua própria insensatez
roçam a língua na grama áspera e seca
comem sem fome
bebem sem sede
gozam sem prazer
esgotam as amenas veredas
e pastagens
em vertigens de ira
lutam uns contra os outros
com unicórneos eletrônicos
títulos honoríficos
e cascos de ferro

a seus olhos vazados pela ganância
seus semblantes são terríveis e amargos
nunca se interrogam
nunca perguntam
nunca sorriem
nunca perdoam
nunca desistem de suas presas

roubam em plena luz do dia
o verdadeiro tesouro
da alegria e da amizade
beijam as faces de Judas
bajulam
rejubilam entre si
com o sofrimento alheio

elegem como inimigos
os espíritos verdadeiros
os manos de coração

matam uns aos outros
por alguns vinténs
falsos dólares furados

tudo aceitam
sem culpa nem piedade
são insensíveis seus sentidos
insaciáveis seus desejos

freqüentam
por isso brindam nos banquetes
transformam a vida em permanente festim
a morte ronda suas cabeças de mármore
cobertas com flores de flandres

adoram adornam a si mesmos
com fitas de cetim
jamais elevam sua alma de pedra
acima das montanhas
jamais olham para o alto

assim falaria
Górgias
em seu nome pronuncio



dialética

claro que a pedra
como tudo se move
a pedra e a água
o seu em torno
a contorno das formas
da lua gorda
sobre as montanhas
imóveis na aparência
da cidade inerte
o pássaro solerte
mesmo quando pousa
feito folha presa no caule
o tronco do arbusto
o pouso mesmo trono
tudo se move e canta
às vezes para sempre
fica mudo no ramo escuro
claro que a pedra
feito a pele do corpo
move-se no túmulo
o túmulo sobre si mesmo
se dobra e se transforma

e por mais bela a forma
a arquitetura dos olhos
há uma triste visão no fundo
de tudo o que não se move
ou se partir resiste

claro que a pedra do reino
não dura para sempre se move

quinta-feira, 26 de maio de 2011


vejo na pedra
através de seu avesso
no seu pelo liso ou espesso
a melodia da água
do que leva
lava a fala
a verdade da pedra suas trevas
da pedra mesma fugidia lesma
do que a ela se agrega
o pássaro liberto
o antílope
o seu antípoda preso
no que na pedra em pedra se transforma
a pedra ela mesma a verdade
sua forma
pela pedra penetro corto
revela o córtex do verbo
a pele da palavra quase pedra
removo todo o excesso dos ossos
os abscessos óbvios
o reflexo dos óculos
entro por dentro de suas entranhas
sombra de pedra em pedra sangra
os olhos a sobrancelha o estômago
o espírito da pedra a palavra quebra
palavra mais que pedra coisa d
de bela face e cores o poema da pedra na encosta da montanha sem, sermões
só a pedra na pedra os olhos os pés as mãos

o poema de pedra em pedra se faz antevisão de tudo na base de pedra
o que alvejo