quinta-feira, 29 de julho de 2010


o poema se faz
de água transparente
no limite da pedra
no seu silêncio fluido
por dentro
por dentro da linguagem
sem ressonâncias
a pedra em pensamento
se funde no que ouve
de escuta atenta e rude
entre folhas brancas
ruge o eco seco
sem saliências
a razão implume
o poema se fraga no que diz
insuspeito alheamento
sem música sem perfume
onde de pedra por igual
fico em cada grão
de areia e sedimento

o poema na pedra se imanta
em sintaxe ausente se matura

domingo, 25 de julho de 2010


o poeta não é noz
é a voz do tempo
mais do que nunca
incomum
cada vez mais veloz
a poesia somos nós
nos nós da linguagem
viagem sonora
antevisão da última
utópica
impossível aurora
vertigem visual
asas do albatroz

sexta-feira, 16 de julho de 2010


depois da missa
no adro da igreja matriz
homens conversam em grupos
divididos pelos trajes
pela posse
pelas convicções políticas
e irmandades beneficentes

vendem gado
trocam lotes
compram carros
pedem votos
negaceiam frívolos acontecimentos

falam da vida alheia
em manchetes importantíssimas
comentam futebol
comem com os olhos
a beleza da mulher do próximo

domingo é dia de prece
de frango a molho pardo

quinta-feira, 15 de julho de 2010


minha mãe era mulher de sete serventias
desdobrava-se em tarefas domésticas
e pequenas alegrias maternas
lavava
passava
cozia
costurava
escrevia poemas
enfeitava a casa com flores que ela mesma fazia

professora por vocação
não se curvava ao peso das palavras
por conveniência política
nem por submissão às injustiças
não era de ficar calada
quando lhe pisavam nos calos

isto lhe valeu nove filhos
muitas noites sem sono
e infinitas aflições

com ela aprendi as primeiras letras
descobri o poder das palavras
o prazer da poesia
minha mãe
era mulher de sangue nas veias
de sete sabedorias de repente se encantou

quarta-feira, 14 de julho de 2010


o que somos
somos só no tempo
vida provisória
se inscreve
entre a memória
e um breve esquecimento

segunda-feira, 12 de julho de 2010


quem fala no poema
onde ninguém fala
a voz reponde

a pedra
a água
o vento

o alicerce do poema
a palavra líquida
o som da água na pedra
levado pelo vento

ninguém fala quando no poema fala a fala
a palavra sobre si mesma se faz se esfacela

domingo, 11 de julho de 2010


ouço a Canção do Exílio
no quintal de minha casa
o mesmo sabiá ventríloquo
canta na palmeira de acrílico
na Praça da Liberdade