alguns me querem lírico
outros me querem tísico
alguns me querem forte
outros me querem cínico
alguns me querem rico
outros me querem mínimo
alguns me querem cômico
outros me querem em coma
alguns me querem falso
outros me querem fixo
alguns me querem leve
outros me querem frio
alguns me querem medo
outros me querem mito
alguns querem que eu parta
outros querem que eu fique
alguns me querem mártir
outros apenas morto
ninguém se importa
com meu preparo físico
ninguém se importa
se sou feliz ou triste
ninguém se importa
se sofro reumatismo
de espinhela caída
de “ leer” artrose ou bronquite
se uso droga pesada ou leve
ou se a tudo isto resisto
ninguém se importa
se a mula é manca
se o cão é doido
se o galo é cego
se o rio é seco
se a vida é breve
poucos perdem tempo
com meus versos duros
com meus versos curtos
com meus versos túmidos
com meus versos graves
aos adoradores de bezerro de pedra
aos deglutidores de aço e ferro
aos devoradores de letras às cegas
aos admiradores do reino em desterro
aos agrimensores da métrica da miséria
aos defensores da gleba alheia
aos inimigos a lei
aos amigos do rei
ao rei
a estes
todas as batatas podres
nem vencedores nem vencidos
nem traidores nem proscritos
poesia se faz
em redes de sentidos
com detritos
não com redes de intrigas
poesia não se conforma
com a tampa do caixão
por mais chique seja sua alça
o vidrilho o ouro falso-florão
alguns me querem tímido
outros me querem túmulo
alguns me querem corvo
outros povão
alguns me querem cívico
outros apenas servil
alguns me querem sol
outros solidão
alguns me querem macro
outros me querem micro de circo
alguns me querem autêntico
outros otário
ninguém aceita de fato
meu contra-cheque literário
aos amigos o que hei-de
senão versos
senão valsas
senão apertos de mão
em tempos de vacas magras
em noites de lua cheia
à poesia
basta o poema de cada refeição
o que revela em prato limpo
o lado podre-bom da maçã
poeta não é sapo
não é raro
poema é lâmina
não goma de mascar
poema é raio
não é rã
não é deus
nem satã
não fica de quatro
por isto inventa
o salto
reescreve a vida a cada manhã
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