terça-feira, 9 de janeiro de 2007


sobre o que não sabemos

o que sabemos de Kosovo
do Timor
da Serra Leoa
além do horror da guerra
da desumana condição dos homens
das mulheres e crianças
do gafanhoto e da onça
em noites sem lua
o que sabemos de seu povo
de seus desejos e choros
de seus anseios e gritos
de seus corpos no esgoto
de seus nomes e mitos
de sete dias sem gosto
de sua desesperança

além do que no ventre da mídia
engendra o cinismo da imagem
a ausência de carícia
a anorexia dos modelos
a cegueira do mais forte
o jogo de espelhosda notícia sob encomenda
o aborto

o que sabemos de Kosovo
do Timor
da Serra Leoa
em nossa incômoda passividade
em nossa amena gravidade
em nossa cômica liberdade
em nossa inviabilidade crônica
além do que no mapa da desonra
se mata todo o santo dia
além da miragem que se esconde
na hora da ave-maria

os brasileiros estamos em férias
de consciência
estamos sem fome de verdades
estamos à venda
estamos fora de nós
de nossos brios
estamos em coma
estamos sempre em festa
em Gomorra ou em Sodoma

viajar viajar viajar
vigiar jamais
para que vigiar
se tudo entra em sua casa
se o tempo não há mais
se o avião atrasa
se a estrada não presta
se perdemos nossas asas
se o gelo virou brasa
se o porto não tem cais

vamos viajar ao novo
convida um monge sem juízo
alguém desavisado
lembrando-se Drummond
sobre o mapa de Kosovo
não o Kosovo não
é muito longe
vamos então ao Timor
que tal jantar no Sudão
ou declamar um Haikai
lutar sumô no Japão
tomar café no Iraque
dançar quadrilha em Brasília
para aumentar o tesão
aliviar o tumor

que tal a Serra Leoa
seja aqui ou seja lá
o globo perdeu o senso
a compostura
a decência do real
justiça é peça de museu
animal sem pele
mulher de sete olhos
espécime em extinção

seja aqui ou seja lá
o povo vive de missa
à deriva do verso
vive à deveria
de se mesmo
da liturgia obscena
da palavra submissa

seja lá ou seja aqui
seja no mar de Gamboa
sabiá não canta mais
a Aquarela do Brasil
a palmeira não tem folhas
o sonho está às moscas
a vida anda sem graça
olhe o semblante das vacas
até o preguiça voa

seja aqui e seja lá
a história guarda segredos
e o tempo nada novela
do amor do povo em Lisboa

mas que vento é esse que venta e assobia
que entra pela janela
e trás notícias do Kosovo
e alimenta o futuro
se lança na transversia
neste silêncio mais turvo
no ventre do Timor

que vento venta em Serra Leoa

joão evangelista rodrigues
janeiro de 2 007

Nenhum comentário: