quinta-feira, 18 de janeiro de 2007



lugar de mulher é na cozinha
repetia minha Avó
a cada momento
entre a Singer tocada à mão
e outros afazeres domésticos

a mesa de jacarandá
a sala de jantar
o armário bordado de porcelanas

este foi presente de casamento
ganhei de meu padrinho

lugar de mulher é na cozinha
ecoava o aforismo
no canto do alpendre

eu tinha só quatorze anos
quando conheci o seu pai

no terreiro da cozinha
o engenho era um carrossel

no pasto da frente
o cavalo relinchava

trepadas na balança
voavam em desejos

os bezerros berravam de fome
o leite apartado

lugar de mulher é na cozinha

escondidas com seus primos
descobrem os primeiros mistérios
a manhã no porão da casa

lugar de mulher é na cozinha

pelos modos da lua
dobrada sobre si mesma
era só de silêncio e desejo
os corações femininos

a coruja branca na porteira do curral
minha Avó no seu quarto de viúva

lugar de mulher é na cozinha

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007


ser um só não me basta
me recuso
ser muitos é barra
dói pra burro
é muito confuso
como não sou besta
me divido em textos
nas dobras da linguagem
em ruas me esculpo
entre imagens em ruinas me oculto

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007


" o sentido do poema é o próprio poema”
Octávio Paz


o poema é a casa do poema
seu caminho e labirinto
sua meta
poesia e solidão
o poema grita no poema
a outra voz
o silêncio da leitura e da escrita

será preciso dizer
repetir
perguntar e responder
poema é luta
não dá lucros
luto diário
contra as erosões da vida
todas as dobras e manobras
todos os desmoronamentos
reais
marginais
imaginários


será necessário repetir
poeta é lutador de rua
sem luvas
mãos vazias
sua luta livre luta inglória

todo dia recomeça
insistente jaculatória

não se escreve para nada
o passado passou
para o presente jamais

quem consumirá um poema
se não está exposto na vitrine
se poema não mata fome
não rende juros
não redime

talvez futuro incerto
onde a palavra amora
talvez lugar deserto
onde morre o vocabulário

poesia salto no escuro
decifração de mundos
metáforas vistas por fora

olhos vendados
ponto perdido na memória

ainda é preciso dizer

o desmoronamento desta vez
abusou
virou a terra do avesso
engoliu gente em São Paulo
comeu carros
detonou
virou manchete na Geral
destaque na principal TV do país

o corpo gordo das letras
as imagens quebradas
o enquadramento perfeito
mostram a importância dos estragos
acoberta razões
coisa bacana
sem defeito
mais que Geralcilia quando passa
de sorriso batom
desmoroneando-se
toda se desmanchando de charme
sob a chuva
na Avenida Paulista

Geralcília é linda
muito mais do que Jandira
Olga ou Beatriz
o desmoronamento não
não vejo graça nenhuma
em seus músculos potentes
em seu sorriso sarcástico

é preciso fazer alarde
fazer média com o leitor
denunciar o acidente
chamar a atenção
vender jornal
grita alto o redator impaciente

o desmoronamento foi feio
monumental
e mais a foto do meio
aberta e colorida
completa o diagramador
via ficar sensacional

nisto Geralcília
perde em arrojo e perfeição
não dá pra competir com a mídia
haja coração

desmoronar é fato corriqueiro
faz parte do cardápio
de vários engenheiros
há várias gerações

eu mesmo me desmorono em letras
todos os dias
mais tímidas
é verdade
manchas de sangue no asfalto
na ladeira da página

a mulher do vizinho de frente
nem se compra a Geralcília
em quase tudo é diferente
é boa gente a coitada

a começar pelo nome
difícil de ler e de acreditar
Gerululia
parece trava-línguas
nem vontade dá
de falar

há tempos a honrada senhora
vem se desmoronando
aos poucos
devagar
por partes
inexoravelmente

os peitos de Gerululia
estão caídos
desede seu último carnaval
em 1968
um fevereiro de luto

cabelos compridos cobriam a bunda torta
sem molejos
Gerululia por cima não dá
é pesada
é estrábica e tem a língua presa

faz dó ver Gerúlúlia de sonsa
só não morreu
ainda
pela graça dos produtos de beleza

desmoronar neste pais é moeda corrente
não é privilégio
realmente
você desmorona
ele desmorona
desmoronamos todos
intermitentemente
queiramos ou não
diariamente

a Top-model
o atleta
a primeira dama
o artista
o presidente do hipódromo

desta vez foi dez
dez carros de luxo
ônibus carroça caminhão
motocicleta e carreta
tudo de cima para baixo
foi grave

isto é que foi desmoronamento
diz um curioso insensível
curtindo a festa
a zona
a zona total
o inferno em pessoa

domingo, 14 de janeiro de 2007



se o mundo continuar assim
chovendo e doido
não haverá tempo de pular fora

depois das Torres Gemias
o Iraque já desmoronou
vários impérios desmoronaram

o autódromo de Mônico
a Bolsa de Londres
a Torre Eifel
o Mahatman
tudo certamente irá desmoronar

pior desmoronamento é da alma
do grande espírito do Planeta





desmoronamentos - III

entre nós e os dilúvio vindouros
o governo promete novos desmoronamentos
bem projetados
com impacto ambiental zero
recursos é que não faltam
não faltam devotamentos

a secretária já preparou a agenda
gorda feito Geralúlia
eventos de grandes proporções
maior que show de rock
de música “breganeja”
ou forró universitário
coisa chic
alinhada
alienadíssima
o pau vai comer solto

a mídia do mundo inteiro
com certeza irá cobrir cada detalhe
o acontecimento global
irá fazer o maior carnaval

próximo á vila Paris
à Favela da Rocinha
a vida da população vira inferno

a redação do jornal
por enquanto
está suportando o temporal
o editor nervoso como sempre
grita

entre ossos e destroços
entre mortos e feridos
entre ferros e arames farpados
pouco se perde
ninguém se salva

meninos de deus jogam videogames com anjos da morte

Deus se diverte
ri da fragilidade da ignorância com insoência do Homem
limites


sem véus

limites sem véus

não suma meu amor não suma
não quero ver a sua sombra
seu vulto no final do túnel

não
não suma

quero a casa e o casulo
quero a casca e o sumo
as marcas e os furos
quero as máscaras sem fundo
quero mais que tudo
as jóias e os furtos
quero as rosas e os frutos
os espinhos e perfumes
todos os espelhos escuros
todos os deleites
todos os alfinetes e detalhes
todas as caras e bilhetes
todos os entalhes e enfeites
todos os leitos claros
sem armaduras nem escudos

quero tudo a que tenho direito
dentro e fora da lei
no reino dos homens surdos
dos homens estreitos

como não posso não querer
como a nada somos impunes

quero todos os aromas e abismos
todos os beijos hirtos todos os idiomas
todos os sorrisos

o paraíso
não
não quero

e como eu não me retrato
não me iludoquero todas as artes dramáticaso
invento oculto
contra todas as gramáticas
contra a literatura insossa
contra todos os defuntos
quero todos os templos
as tempestades futuras
quero tudo que pode ser e tocar
com dedos calmos e cegos
quero viver e morrer
os extremos e as espumas
todos os mistérios
todos os livros belos
todos os exemplares amarelos
todos os refugos e reflexos
todas as misturas espúrias
todos os elos

e como tudo é um
e diverso
quero todo o Universo
todas as faces e fases
todas as frases e orações

quero ver Paris
ver poemas e anúncios
andar de ônibus
conhecer os sumérios
ler os muros de Berlim
os murmúrios de Roma
todas as súmulas

fazer América não
prefiro ir ao inferno

e como tudo passa
quero todos os lastros
todas os bichos e pássaros
todos os rios e montes
todas as planícies
todos os mitos e mártires
todos as marés
a Baia de Todos os Santos
todas as plantas
quero tudo da vida sem edição prévia
sem amarguras todas

todas a suas vias de aceso
todas as recessões
todos os excessos de mão dupla
todas as pinturas
e como tudo ultrapassa
a paciência bovina
a ravina a raça a razão
não quero nada de graçanão quero traição
quero o que você imagina
toda a imaginação
não não quero insultos

nem reis e nem sultões
quero os medos e sustos
os semblantes de todos os sertões
todas suas luas
suas evocações

só não tolero ciúmes
e plumas
adoro chorinho e Jazz
adoro blues
boleros e tangos
e como não quero trapaça
jogo limpo e severo
não quero traça no texto
não quero tintas de melnem pretexto em vão
na hora do preloquero asas contra os céus
quero tudo em branco e preto
todas as irregularidades
sinuosas situações
coisas encantadas querotodas as ingratidões

e como não posso querer tudo
estanco de desejo as letras

meus territórios de sede
a jaculatória das águas
a prepotência dos deuses
as leituras dos mares
dos ares
do chão
todas as sagas
quero da vida todos os rumos
e histórias
todos os combates e combato
só quero lutas verbais
todos os ângulos
todos os túmulos
todos iguais

quero da vida todos
todos os ramos humanos
todos os cumes
todos os limites sem véus
não quero amos
quero todos os triângulos

como não posso tudo
nem tudo querer amar
como sou pele e osso
poço deserto e luar
como não posso ir mais longe
como esqueci o radar
não posso querer nem saber
só por mim mesmo voar
como com tudo não posso
a todo o mundo enganar
não posso por tudo em um verso
por tudo a perder
não quero ponto de chegada
não quero me versificar

como não posso escolher
vivo entre a terra e o mar

como não posso
só em mim mesmo morrer
ou em mim nadificar

lanço âncoras
no escuro
sem rédeas
para o sem lugar

não suma meu amor não suma

Xingó é minha amiga.Mora em Ponte Vila,
Distrito de Formiga, Minas Gerais,Brasil.

um homem que bicho estranho

tem pele feito porco
tem penas igual pavão

faz ferramentas
faz contas
faz amor por precisão
é doido de jogar pedras
ama-gama-desama-ama
morre de tédio e tesão
não raro sai a galope
cai do cavalo na cama

é ruim igual cobra
faz banquete
come sobra
usa palitó e gravata
computador
celular
usa porrete e facão
não raro entre em coma
é ladino igual raposa
finge ladra feito cão
faz lixo faz comício
por nada vira ladrão

adora espelho
pipoca
cinema televisão

é esperto igual coelho
inventou o fogo o barulho
a bomba a explosão
jogo de bicho de damas
que bicho estranho é o homem

depois de tanto inventar
a sujeira e o sabão
desinventar seu invento
reinventar a invenção
achou por bem registrar
ele mesmo a criação
por justo achou negar
a luz a voz a razão
e na prisão se trancar




é belo igual demônio
igual anjo pode ser
desenha canta faz novena
vê novela mexicana
faz de besta faz promessa
pra viver mais vive em vão
de asa delta ou sonho
voa de vez em quando

trabalha ajunta rouba e esbanja
come carne tem paixão
bebe muito come canja
mata o desejo com as mãos

tem pés igual tatu
cava buraco no chão
cava sua sepultura
criou o céu o inferno
o casamento a censura
a gaivota e o dragão

botou fogo na floresta
pôs rodas na bicicleta
vai ao velório protesta
rosna ri briga na festa
incendiou o planeta
a terra da promissão
se tem culpas
reza
se tem sede
bebe
se em fome
nem sempre come
se for necessário improvisa
bule bole bate e bale
dá o bote
sabe que nada acontece
pede perdão no cartório

não tem asas também poderia
ser completo mais um Deus
lê escreve faz poesia
diz que viu o que não vê
no lugar de asas e nuvens
preguiça nave navio
tem pensamento avião

faz casa funda cidades
arquiteta faz artes
gravura muro e carvão
mora na rua na mata
mata seu próprio irmão

imagine se o homem
mudasse o nome do não

o nome do que procura
do amor do tempo da chuva

se revertesse o invento
do desencanto da lua

ou invertesse o sentido
da seta do poste da rua

imagine se o homem
fosse só - vazia imaginação


o homem que bicho estranho

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007


seis propostas para o próximo momento

para o olho
proponho um céu azul
um pássaro em branco
o som de um blues

para o ouvido
uma sinfonia
uma tela de Picasso
viola caipira ao luar

para o nariz
um guardanapo de linho
um canteiro de flores vermelhas
um vinho milenar


para a boca
um sorriso crespo
a palavra amor
o melhor paladar

para o tato
o toque mais leve
a suite da pele
a plumagem bípede amarela

para o intelecto
um livro de poemas
um caleidoscópio
um mapa-mundi incompleto

para este momento
a letra mais reta
o movimento do corpo
a palavra coração
entre alvo e seta
Tristes desvarios, os de Minas.

Um rio de lama corre sobre o território Minas. Atinge cidades e vilas. Escorre pelos longes. O rio Muriaé alarga e aprofunda, liberta seu leito. O acidente que aconteceu na primeira quinzena de janeiro deste ano, foi provocado pelo rompimento da barragem da Mineração Rio Pomba Cataguases, instalada em Miraí, na Zona da Mata de Minas a 316 quilômetros de Belo Horizonte. O saldo é devastador dentro e fora de Minas: cerca de 2 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que ocupavam uma área equivalentes a 30 campos de futebol, com 10 metros de profundidade cada um; afetou perto de 500 residências em Mirai, em Minas Gerais.. 100 mil pessoas das cidades Laje do Muriaé, São Sebastião do Ubá, Itaperuna, Cardoso Moreira e Italva, no estado do Rio de Janeiro, sem água potável; a empresa, reicedente pela terceira vez em crimes ecológicos com impactos ambientais de grandes proporções, foi interditada e multada em R$ 75 milhões pelo governo mineiro. Em Cataguases Bombeiros procuram um homem que foi levado pela enxurrada.


Ao mesmo tempo em que a população sofre com os danos físicos e morais, emocionais e econômicos, dançam as siglas e as cifras, movimentam-se as pedras do xadrez. O senso de dever, a solidariedade, atravessado por oportunidades e oportunismo faz da catástrofe um ambiente favorável às articulações e conexões as mais variadas. O governo, através de seus órgãos competentes – ou quase sempre incompetentes - , procura fazer o que deve. Faz o que pode. A população fragilizada mobiliza-se. Aprende com o susto que o conhecido aforismo “mineiro só é solidário no câncer”, pode não ser verdadeira, mas funciona sempre em horas de aflição. Os laudos deverão mostrar as causas do acidente e propor soluções geralmente morsas. A empresa criminosa promete “dar um auxílio” para amenizar os sofrimentos mais pungentes e tomar “as medidas cabíveis’ para que outros acidentes não ocorram no futuro”. O mundo, feito um grande rio de corpos sem almas, desumano e contraditório, segue seu caminho. Até quando não se sabe.

Vulcão de lamas

Muriaé transformou-se em um verdadeiro vulcão de lavas resfriadas. Enfezado, mostra seu poder e sua fragilidade. Como todos os rios, têm sede de extensões, porque com o inchaço de seu ventre, o rio já não suporta as afrontas nem a invasão de seus limites. O rio tem fome. Tem sede de homens. De ouro. Sede de ares e de outros rios.Quer vento e sal. Quer salvar-se a qualquer custo. Aliviar-se das dores, dobras e contorções provocadas pela poderosa “inteligência”, pela força brutal de homens ciosos por fatias cada vez maiores. Cansado, o rio, - todos os rios- sofre, luta contra os desmandos e desmazelos de indivíduos inescrupulosos. Quer ter direito a uma vida digna de sua natureza. De sua importância, por menor que ele seja, por mais distante que more.

Sofrimento e aprendizagem

A antiguidade de sua existência deu-lhe realeza de cidadão. Ensinou-lhe a compartilhar águas e vozes. Sons e cantigas conforme fosse seu caminho de pedras, de árvores secas ou de terra macia e argilosa. De nada entende o rio, apesar de sua mítica existência, dos ardis e armadilhas humanas. A natureza exige dele constante e transitória perenidade. Daí que só o vemos correndo, passeante. O mesmo diferente rio de sempre

O tempo ensinou-lhe a dar sua parcela de participação, por menor que seja, para vencer este urgente desafio cósmico: defender todas as formas de vida no Planeta. Devolver ao planeta a alegria, o direito à felicidade. Rio não é pré-moderno, moderno ou pós-moderno. Desliza, desenha seu curso, elabora seu discurso de liberdade e rebeldia por todos os quadrantes da terra. Da Bósnia a Bagdá. Da Irlanda ao Timor.Tanto em chão de Minas, minado e vasto, quanto no Agreste. Seja em Cuba, Venezuela, nos Estados Unidos da América ou no Iraque. Seja em Belo Vale, no Vale do Jequitinhonha ou em Belo Horizonte. Tudo de rio se fere. De febre líquida e incurável.Tudo de rio se faz e se mistura.

Suas fissuras, suas diferenças e indiferenças fluviais não mudam, em quase nada, seu tino de viajante sem pátria, sem bandeiras, sem deuses nem ideologias. Segue desinteressadamente. Aqui ou lá. Aonde quer que seja, quem conhece os mistérios do rio, com ele convive amorosamente.

Permanência necessária

Igual e diferente a todos os rios do mundo todo, bem que o Murié gostaria de descer de manso e cuidadoso, feito o caminhante anônimo que, de soslaio, observa os detalhes do percurso. Saboreia o curso das criaturas ribeirinhas tão singelas e sem recursos. Da saracura. Do socó. Do lambari. Do sapo-boi roncador de águas noturnas. Ou, por um momento, descrever com olhos merejantes, imaginárias figuras desenhadas pelas aves do céu.

Poderia insinuar-se silencioso no fundo dos quintais. Alimentar os pastos. Mover as máquinas Parar em poços de silêncio, quando isto fosse de seu desatino e desejo. Se e rio quisesse, poderia lavar nossas roupas sujas. Nossas insolências e omissões,. em sua casa, sem sacrifícios e mortes Lavaria piedoso nossa culpa diária. Livraria todos nós de nossos pecados públicos e oficias.

Seria melhor se pudesse o rio divertir-se no abismo fascinante das grotas e cachoeiras. Assim, de repente, poderia cirandear no vórtice de vorazes redemoinhos. Poderia compartilhar sua viagem, suas aventuras com os seres humanos que habitam, com sua permissão, o lugar que, há milênios, era só seu. Seu e de todos os outros seres que, sem estudar cálculos ou integrais, sem nem de longe desconfiar-se dos saberes e avanços da bioquímica, da. filosofia, da micro-física ou da bioética, sabem os mistérios do mundo. Todo rio também sabe, por origem e senso, respeitar o território das outras criaturas. Jamais invadiria a morada de outro rio. Desfruta, com naturalidade desinteressada, da pacífica convivência com todos os outros seres;

Paciência bovina

Não seria exagero, pode-se dizer, que todo o rio possui um pouco daquela paciência bovina em dia de missa. Sem cangas nem obrigações leiteiras, só lhe resta viver, pastar. Passar somente. Passar como passa o rio , de minha, de sua , da aldeia de Fernando Pessoa.

Mas em seus dias de ira e de busca de justiça, o rio lambe incestuosas as margens e vazantes. Alaga os baixios indefesos. Não mais afaga quem mergulha seu íntimo com intimidade. Com a consciência e a responsabilidade de quem sabe o que deve e o que pode fazer. Quando se enche de cismas e de iras, o rio avança contrario. Entre furioso e justiceiro, afoga o que encontra pelo frente. Mata animais e plantas. Entope córregos, nascentes e esgotos. Transborda de tristeza e desespero ante a impotência e o pânico das crianças, das mulheres e dos homens.

Em busca da felicidade

Rio Pomba. Mirai. Muriaé. Rio Fubá e Paraíba do Sul. O som das palavras, das letras e leis pode enganar, falsear a realidade. É que lá pelas bandas da Zona da Mata Mineira não mais se ri. Pouco se espera frente a tanta imprecisão. O rio chora as suas vítimas. As perdas de todos nós. O Rio Pomba, ao contrário do que sugere seu nome inscrito no dicionário, não voa. Arrasta-se feito serpente de lama devorando, arrastando tudo: árvores e aves. Bois, galinhas e cavalos. Porco e gente de todas as idades. Nada escapa. À população atingida pela tragédia só resta um consolo: segundo fontes técnicas e autoridades ambientais ‘a lama que o rio vomitou não é tóxica. Com a lama morreram bichos de todas as espécies. Também nós morremos um pouco com os bichos e os homens daquela parte do Estado. Para muitos lá se foram, rio a baixo, as promessas e esperanças de um 2 007 mais feliz. O signo Minas brilha no fundo das águas nervosas. Navega sem mares de cismas e tristes desvarios.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

A nave errante e a falta
de espaço para a palavra

João Evangelista Rodrigues

Esta crônica não deve ultrapassar 3 mil e 500 caracteres e não ultrapassou. Ordens do editor. O leitor tem pressa. Eu até que não! Aonde irá essa gente 4.0. Nem aprecia a paisagem. Aposto que já tem gente com mais pontos.Tenho que respeitar as leis empresariais. O sinal de trânsito. O complexo e complicado código das tramas, transas e transações. Pulo sérias considerações. Sérias para mim e toda uma multidão de viventes do Planeta. Bela nave errante, essa nossa casa.

Ai que...urge ser objetivo. Competitivo.Agressivo com relação ao futuro. Preciso ser trezentos mil, diria o poeta. Se tivesse mais disciplina e me esforçasse um pouco poder-me-ia multiplicar em tantos quantos satisfizessem as veleidades organizacionais. A provisória fortuna de sucesso. Poderia, mas não quero. Quero ser eu mesmo, com nome completo, CPF, carteira de identidade, endereço residencial – casa própria - e conta bancária. É questão de cidadania. Os brasileiros anônimos e anômalos merecemos ser respeitado como gente, independente dos pontos que marcam no violento jogo da vida. Pelo que somos. Não pelo perfil profissional ou pelo que têm. Gente é gente e não adianta vir com tridente! Raivosa ou contritamente. Gente serpente, não é.

Puxa, com este português a clássico. Com esse estilo irônico e com estas frases curtas - e grossas -, não serei selecionado em nenhuma entrevista. Em nenhum concurso literagrário. A moda atual é mais “bacana”. Mais grã-fina. É girar. Surfar. Youtubilizar”. É “giralizar” em inglês, desbrasileiramente. Sem eira nem beira. Sem letras e sem leiras. Com lentes de contato coloridas. Com lenços e documentos. Aos pedaços. Alienadamente. Generalísticamente.

A ordem do dia é saber manipular a parafernália tecnológica. De ponta, até ontem. Depois de amanhã, vira sucata. O celular e você, com suas idéias “involuídas”, “embaçadas”. Outra invenção esnobe.Não, faz parte do linguajar “esperto” da moçada que não consegue enfileirar cinco palavras corretamente. Por exemplo: Cara, não consigo ser feliz! ou, tô fora deste

tranco, mano. . Estas palavras existem? Grita o gerente “stressado” para a secretária eficientíssima em tudo o que faz. Em dúvida, a moça consulta o computador. O bicho dá mil opções. Qual escolher? Bem, deixa pra lá...Tudo fica na mesma. Involuído. De ponta. Por fora, brilho de verniz. A publicidade embrulha o velho com cara de novo e “manda ver”. Pra ser justo, a embalagem tem mais qualidades que o produto vendido. Com uma vantagem: desperta desejos e necessidades. Entra pelos olhos e instala-se no fundo da alma do consumidor.Se é que, além do gordo saldo bancário e do cartão de crédito mais disputado no mundo dos negócios, consumidor tem alma.

Sai dessa, meu Deus, perdoe-me por falar assim tão objetivamente. Santo Aurélio, perdoe-me pelas gírias e outras invencionices lingüísticas, com ou sem fundamentos. Preciso verificar quantos caracteres já escrevi até agora. Nisso, o computador é ótimo. Só você ir ao ícone arquivo. Clicar. Descer o “mouse”. Um rato? E inglês, ainda por cima? Bem no meio do texto. Sai daí trem! Sai demo atrevido, que de ratos os brasileiros já estamos cheios. Ai você clica...larga mão, o resto você sabe. Se não souber, tem que aprender. É uma ordem. Tem que aprender, viu! Pelo bem ou pelo mal.Para o seu próprio bem, viu!

Preciso afiar a tesoura. Cortar.Cortar rente.Na carne das palavras. Decapito algumas com pesar. Já passei da casa dos dois mil, e ainda não disse nada do que queria.
Mas esse editor, este leitor, sei não. Aposto que você entendeu tudo, mesmo sem eu tudo dizer. Entendeu ou não entendeu. Precisa entender. È um imperativo entender o funcionamento do mundo. Do universo das palavras. As leis da natureza e da sociedade. Então, entendeu, né?

O espaço acabou. Não me despeço do leitor. Ufa!, estou exausto de tanto correr. De tanto escrever e cortar. De mais cortar do que escrever. Tudo por causa do editor. Da publicidade que ocupa todos os espaços do jornal. Da preguiça do leitor. Por falar nisso, será que ainda está aqui no texto, comigo ou já saiu do Chat, o “danado”?

A cidade que dorme

João Evangelista Rodrigues


“Despertados, eles dormem”. Este aforismo é de Heráclito, o filósofo grego que primeiro captou o fenômeno da mudança, do movimento e da permanência do Ser, das coisas. Dele é, também, a conhecida metáfora do rio ”ninguém se banha duas vezes no mesmo rio” marca o prelúdio da dialética de Sócrates. Muito mais tarde, o pensamento dialético, em suas vertentes idealista e materialista enriquecem as formas de se ver, interpretar e transformar o mundo. Ma a conversa aqui é outra.

“Despertados, eles dormem”. Esta afirmação permite-nos interrogar, como fizeram outros pensadores: estamos dormindo ou em vigília, diante da realidade que nos rodeia. Poderia ter escrito nos “cerca“. Achei melhor assim, pois, o ser humano deferência de todos os outros seres do planeta – pelo menos do planeta que conhecemos – por o único que pode pensar. Quer dizer que tem consciência do mundo onde habita. Pelo menos um fiozinho de percepção que lhe permite permanecer vivo. Sem grandes vôos, é verdade. Sendo morada da consciência tem condições e dever de agir com responsabilidade. De exercer sua liberdade individual, sem prejudicar outros indivíduos, a sociedade e a espécie da qual faz parte. Mas nem sempre isto acontece. Daí a necessidade de se criarem leis, sistemas de controle e repressão, diríamos, de reeducação daquelas pessoas que não souberam ou não quiseram compreender sua posição no mundo. Será que estamos todos adormecidos, afetados por uma cegueira genética, universal? O Nobel de literatura, José Saramago, escritor português que o diga. Ou será que estamos despertos. Impossibilitados de desfrutar de um sono tranqüilo devido às circunstâncias em que subvive o homem contemporâneo. Eis a questão.

“Despertados, eles dormem”. Empiricamente, agora, mais de meia noite, grande parte dos homens da terra está esticada em seus leitos nobre ou pobre, aquecidos ou congelados. Como pássaros e bichos, o homem tem necessidade de descansar. De adormecer. De ficar como se mortos, para revigorar suas energias e vencer o estresse a que todos estamos submetidos. Também, o senso comum nos fala do turbilhão de carros, buzinas, pernas e cabeças que invadem as avenidas todas as manhã. Cada um para um lado. Para direções diferentes. Indiferente ao destino de quem passa por ele ou nele esbarra involuntariamente. Mesmo nas cidades menores isto já acontece.

Até mesmo o meio rural já sofre com o sintoma da pressa e da pressão da luta pela sobrevivência. Eletrificada e com direito a televisão ele vive sem vier os dramas, as tensões e as grandes tragédias urbanas. Foi-se o tempo em que “ que se amarrava cachorro com lingüiça,”, “ que palavra possuía valor de documento” e que “ a roça dormia com as galinhas”. As preocupações e inseguranças diante de um futuro incerto, pesa sobre a cabeça de todos nós. Em todos as partes da terra. Sendo assim!

“Despertados, eles dormem”. De que sono estará Heráclito falando. Do sono biológico? Do sono da consciência? Do sono dos sentidos, entorpecidos em corpos “malhados” ou em corpos subnutridos. De que sonos dormem todos nós? De que cegueira? E se estamos despertos o que nos mantêm acordados? Ligados com ou sem apoio de ribites. Ilusão. Alienação. De que drogas todos dependemos?

Acordados, vemos o mundo a nossa volta? Compreendemos e compartilhamos, com paixão sincera, nossa compreensão sobre nós mesmos, sobre os outros indivíduos. Sobre a sociedade e nossa espécie? Estamos preocupados em transmitir os outros nosso conhecimento e nossa paixão pelo mundo e pela vida? Estaríamos realmente despertos? Ou somos apenas fantasmas entre fantasmas, como em um jogo de enganos comum coletivo?
Desculpe-me o leitor por tantas interrogações. Às vezes se fazem necessárias, mas prejudicam a elegância da escrita.

A escrita que, como a cidade brilha e confunde. Dorme e se desperta. Permanecem em vigília. Não pense, o leitor, que sou um dos que odeiam o turbilhão e a caótica sinfonia urbana. Sei que a civilização deve muito às cidades. Sei , também, que as megalópoles e metrópoles estão , atualmente, passando por um grave e caótico processo de saturação. De desmoronamento econômico, social, arquitetônico, cultural e moral. Com tudo isto, as cidades continuam cintilando como uma das mais importantes e criavas invenções dos homens.

Espaços de trocas materiais e simbólicas, as cidades podem ser comparadas a labirintos e constelações. Espaço público e lugar de percursos imprevisto e imprevisível. Penso e amo as cidades como galáxias perdidas no cosmos. Apesar dos mapas e sistemas de orientação e controle. Somos todos navegantes. Acordados ou vencidos pelo sono e o cansaço. Com previsões de naufrágios evidentes. Mesmo assim insistimos, resistimos. Buscamos por mares sempre navegados um só objeto de desejos: a felicidade.

Ao longo de sua história o homem sofre, não aprende com seu próprio sofrimento, nem com o sofrimento dos outros, um pequeno trecho que seja, das lições que diariamente o universo nos oferece. Por isso, permanece válido, e para muitos prevalece o aforismo do grego que afirma: “Despertados, eles dormem”. Cai sobre Minas chuvas torrenciais. Rios da lama cobrem campos, vilas e cidades. Chove prozac, coca, individualismo, grana, solidão e morfina. Em várias partes do mundo chovem mísseis. O pesadelo da guerra. A cidade planetária parece acordada.Veloz. Faminta de sonhos e de esperanças. Não para. Acelera. Treme.No entanto, dorme.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007


são paulo

agora não garoa
nem orvalha sobre gota-city
o anjo do apocalipse dança
entre tiros e trovões
a agrura cai gota a gota
ora chuva braba
ora raio e tensão
bala a bala no Estácio
na via Anchieta
estado de guerra
fila e grana
são paulo grita por Mário
mas o mar-rio não responde
implora comando
pede socorro
beijo de cobra boca -a- boca

sampa cobra do santo proteção
utiliza em vão
seu santo nome

usa canoa escada radar
helicóptero e telefone

são paulo caiu do cavalo dentro da noite em chamas

terça-feira, 9 de janeiro de 2007



evocaçaões de domingos

quando eu era pequeno
e era criança o sonho
havia só uma igrejana praça principal
a matriz de Nossa Senhora do Carmo
com seus marcos e sorrisos
com seus santos e acólitos
com suas encomendações
com seus vivos e mortos
com seus rebanhos e convivas
com seus reclamos e avisos


a igreja do Rosár
iocom seus mastros
vivia sozinha
encolhida na Avenida

o domingo cheio de graça vestia roupa nova
ia à missa com a mãe
jogava futebol
nadava
ia ao cinema e ao circo
com os amigos e primos

hoje existem muitos edifícios
muitas comendas e recomendações
muitas igrejas e ofícios
mais que bares e oficinas
em cada bairro e esquina
o sino bate
trina três vezes tristíssisimomo

rá que Deus se multiplicou
ou se esqueceu de acordarnessa manhã de cimento
com seus demônios afônicos
com seus “dôminus” e domínios
com seus sonhos aônimos
com seu pânico
ou a cidade sem deusa
gora sangra de dores comensais
distraídas
aqueada
dividida
pergunta Santa ao menino
suspria a moça de cismas

sobre o que não sabemos

o que sabemos de Kosovo
do Timor
da Serra Leoa
além do horror da guerra
da desumana condição dos homens
das mulheres e crianças
do gafanhoto e da onça
em noites sem lua
o que sabemos de seu povo
de seus desejos e choros
de seus anseios e gritos
de seus corpos no esgoto
de seus nomes e mitos
de sete dias sem gosto
de sua desesperança

além do que no ventre da mídia
engendra o cinismo da imagem
a ausência de carícia
a anorexia dos modelos
a cegueira do mais forte
o jogo de espelhosda notícia sob encomenda
o aborto

o que sabemos de Kosovo
do Timor
da Serra Leoa
em nossa incômoda passividade
em nossa amena gravidade
em nossa cômica liberdade
em nossa inviabilidade crônica
além do que no mapa da desonra
se mata todo o santo dia
além da miragem que se esconde
na hora da ave-maria

os brasileiros estamos em férias
de consciência
estamos sem fome de verdades
estamos à venda
estamos fora de nós
de nossos brios
estamos em coma
estamos sempre em festa
em Gomorra ou em Sodoma

viajar viajar viajar
vigiar jamais
para que vigiar
se tudo entra em sua casa
se o tempo não há mais
se o avião atrasa
se a estrada não presta
se perdemos nossas asas
se o gelo virou brasa
se o porto não tem cais

vamos viajar ao novo
convida um monge sem juízo
alguém desavisado
lembrando-se Drummond
sobre o mapa de Kosovo
não o Kosovo não
é muito longe
vamos então ao Timor
que tal jantar no Sudão
ou declamar um Haikai
lutar sumô no Japão
tomar café no Iraque
dançar quadrilha em Brasília
para aumentar o tesão
aliviar o tumor

que tal a Serra Leoa
seja aqui ou seja lá
o globo perdeu o senso
a compostura
a decência do real
justiça é peça de museu
animal sem pele
mulher de sete olhos
espécime em extinção

seja aqui ou seja lá
o povo vive de missa
à deriva do verso
vive à deveria
de se mesmo
da liturgia obscena
da palavra submissa

seja lá ou seja aqui
seja no mar de Gamboa
sabiá não canta mais
a Aquarela do Brasil
a palmeira não tem folhas
o sonho está às moscas
a vida anda sem graça
olhe o semblante das vacas
até o preguiça voa

seja aqui e seja lá
a história guarda segredos
e o tempo nada novela
do amor do povo em Lisboa

mas que vento é esse que venta e assobia
que entra pela janela
e trás notícias do Kosovo
e alimenta o futuro
se lança na transversia
neste silêncio mais turvo
no ventre do Timor

que vento venta em Serra Leoa

joão evangelista rodrigues
janeiro de 2 007

domingo, 7 de janeiro de 2007


não vim para esclarecer,mas...”

a palavra calma
o som na palha
o sol estático
o ar estético
o galo cego
o tal inferno
o gozo explícito
o tema lírico
o lema ilícito
o tolo sóbrio
o lobo obvio
o bolo tóxico
o anjo surdo
o gato sujo
o belo tudo
a alma seria clara
estrela de cinco pontas
não fosse o verbo ir
não fosse a estrada estreita
se não fosse o Verbo Eterno
a morte solta na encruzilhada
e a noite pra nos confundir



nasci de pedra mágica à beira do abismo
cresci
esculpi de pedra afiada
a letra
a existência
de pedra frágil
filosofal
teci todo o fascínio
toda a secura da vida
desci ao fundo do poço
bebi de água de pedra todo o brilho
a sede de Adélia e de Alice
converti em espelho
a pedra e o lírio
o animal alado que mora em mim
ao estado de pedra bruta
ou marfim
retorno sempre ao Éden imemorial
jardim

tudo passou e não passou
a infância
a infâmia
o filme
o automóvel
o fugaz movimento dos relógios
tudo passou
como se
já não sei bem distinguir
o passado e o devir
já não sei o que sou
se sertão ou só serpente
o futuro está por dentro
por fora de mim
está presente
tudo passou e não passou

mesmo confuso
mesmo inconcluso
urge partir

sábado, 6 de janeiro de 2007


o escrevene é doente
de escrita
escreve com as unhas
com a língua
com a alma
com os dentes
se escreve morre
se não escreve morre
grita a morte grávida
de vida
nada
ninguém socorre
o poeta hiper-escrevente
nem a ponte
nem a torre
nem o porre
nem o leite quente

se escreve morre
se não escreve morre

o escrevente escreve
escreve
escreve
a vida e a morte
salvam-se pela escrita


a língua pátria me manda
a lingua pétria me funde
a língua mátira me ama
a língua rosea me fura
a língua amada me lambe


a língua viva me mata
a língua morta me chama
a língua me deixa à míngua
me vela me venda me ilude
a muitas milhas de mim
outras línguas me procuram




pedra para mim
é pai e pássaro
passagem
pedra é o que sou
alavanca de sol
escudo
lodo e cal
me levanto
quando a chuva cai
escuto
“tu és pedra
e sobre esta pedra ...”
não dormi(na)rás

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007


o peso da ave
no ar


é mais suave
sob o sol espesso
sobre mar aceso



deixo sob pedras
meu segredo
pedras sobre pedras
à sombra do rochedo
sob pedras deixo
a injúria e o medo
o eixo da cidade
seu cruel enredo
antes que cante o galo
ou me apontem o dedo
calo três vezes mais
a traição de Pedro
castas outonais
sob o mesmo fausto
arcos desiguais
cais desassossego
sob falso selo

guardo sob pedras
meu segredo

terça-feira, 2 de janeiro de 2007


maior enigma o tempo a si se move
abissal mistério
fluxo absoluto
ilógico relógio mudo
não cabe em nenhuma sala
em qualquer moldura
passado presente e futuro
o tempo com o tempo se mistura
com o tempo tudo se dissolve
tudo a seu tempo se transfigura

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006



tudo de passagem
de pedra
a paisagem estreita
o pássaro
a mina
a mira
o avião
o paraíso mínimo
a miragem

tudo de passagem
ouro de aluvião falsa viagem


Deputado não é Deus
A vergonhosa saga dos deputados
que venderam a alma ao diabo na véspera do Natal para aumentar o valor
de seus vencimentos à custa do povo brasileiro.



Aos homens, mulheres , crianças, meninos e meninos de bem que animam e trabalham pra reconfigurar as tristes feições do Brasil desde sua invasão ou achamento.; Aos rios e pássaros, às aves. Paisagens e passageiros que habitam os desvãos e deslugares na desordem do mapa real do Brasil. Abaixo o progresso a qualquer custo .Viva a liberdade,porque já é tarde da noite e a madrugada em breve virá ao som das chuvas de dezembro.



.
João Evangelista Rodrigues
Arcos, dezembro de 2006

pelos deuses do planalto
pelo grão sol do cerrado
pelo que voa mais alto
por quem não fica calado
com o tempo aprendi
me dê força São Vidente
pra vencer esta serpente
com cara de deputado


me dê força e harmonia
me dê verso bem marcado
pra vencer a apatia
pra ver o povo acordado
com o tempo descobri
o voto é muito importante
voto em meu louro falante
mas não voto em deptado


quando eu era criança
pensava que deputado
era ser de confiança
justo gentil e honrado
com o tempo descobri
o Brasil não tem futuro
nasceu em Porto Seguro
hoje é um barco furado

deputado, para mim,
era doutor estudado,
sabia a causa e o fim
de um país bem governado,
com o tempo descobri
o Brasil não tem mais jeito
e o seu maior defeito
é o tal de deputado



o tal chegava a cavalo,
a pé de carro emprestado,
só o que vi é que falo
por isso não falo errado.
Com o tempo descobri
era tudo hipocrisia,
era tudo picardia,
desse tal de deputado

Se um deputado chegava
no meu calmo povoado,
todo o povo festejava
tinha até papel picado.
Com o tempo descobri
que ali o melhor palhaço
será sem desembaraço
o besta do deputado.



Pra encurtar a conversa,
ando muito chateado.
Vou direto ao que interessa
senão morro sufocado.
Com o tempo descobri
todo o poder do dinheiro
faz mover o vespeiro
onde esconde o deputado.

Recordo bem seu sorriso,
era bem apessoado,
usava terno bem liso,
um vozeirão empostado.
Com o tempo descobri,
lá na casa de meus pais
dizia coisas banais,
comia feito um capado.


Depois vem o desemprego,.
violência e mau olhado
Vem a falta de sossego
tem ladrão por todo o lado.
Com o tempo descobri,
ladrão é quem faz a lei
pra servir a um só rei,
esse tal de deputado.

Depois vem a mordomia,
o cinismo, o embuçado,
a traição, a covardia,
todo o crime organizado.
Com o tempo descobri,
o Brasil está doente,
faminto doido e sem dente,
por causa do deputado.




Depois vem a ambição,
pelo que sei é pecado.
Impunidade e perdão
para quem é mais culpado.
Com o tempo descobri,
salvo alguma exceção,
o maior bicho-papão
do Brasil é o deputado.

Veja só o que ele fez
com relação ao salário.
Trabalha pouco por mês,
como todo o salafrário.
Com o tempo descobri,
não há país que agüenta,
salário aqui só aumenta
no bolso do deputado.

Só não cresce a consciência ,
o povo anda avexado
com tamanha incompetência,
tanto roubo refinado.
Com o tempo descobri,,
é mais fácil dar pinote
beber água de dez potes,
do que ser bom deputado.

Só não cresce a liberdade
de ser bem alimentad.o
Cresce o crime na cidad,
a morte, o medo macabro.
Com o tempo descobri,
viver não é perigoso,
maior e mais vergonhoso,
é ser como um deputado.

o governo é conivente,
pois defende o seu babado,
populista inconseqüente,.
foi eleito ou foi comprado
Com o tempo descobri,
vida boa é de mendigo,
pois não tem falso amigo,
nem amigo deputado.


Foram quase cem por cento,.
quase o dobro do passado
Deputado não é bento,
é xucro e esfomeado .
Com o tempo descobri.
Trabalhador não tem vez,
dá duro durante o mês,
pra sustentar deputado.

Quando eu era criança
pensava que deputado
era gente de sustança,
era homem refinado.
Com o tempo descobri.
Salvo alguma exceção,
ninguém é mais canastrão
que o tal de deputado.

Tem uma cara de pau
que deixa a gente possesso.
Pede voto ,pede aval,
passa a vida no congresso.
Com o tempo descobri.
Salvo alguma exceção,
ninguém é maior ladrão,
que o tal de deputado.




Eu agora me despeço,
caro eleitor, mais cuidado.
Veja o que diz o meu verso,.
em tom sério e bem rimado
Com o tempo aprendi.
O valor da poesia
vale mais que valeria
o que fala um deputado.

Ele promete e não faz,
e o povo fica calado,
parece até satanás,
diante de deus louvado.
Com o tempo aprendi
a viver sem fantasia.
Congresso e casa vazia
é pensão pra deputado.

O que pensei tá escrito,
conforme deixei gravado.
O poeta é um proscrito,
não segue a lei do mercado.
Com o tempo descobri.
Prefiro ver o capeta
pra dizer ao pé da letra,
do que ver um deputado.

Quando eu era criança,
hoje me sinto vingado.
Quem espera sempre alcança,.
mas o povo está cansado
Com o tempo descobri.
Pelo sim e pelo não,
pra salvar esta Nação,
tem que prender deputado.
...

Nota: João, li o texto que mais uma vez é excelente e o corrigi, mas não pude colocar a correção em vermelho. Coloquei apenas vígulas e pontuação de acordo com o ritmo dos versos.Espero que goste.Abraços da Maria

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

uma parte de mim
fantasia
outra parte
sentimento

uma parte de mim
arte e pensamento
poesia
dor por dentro

por fora
falso descobrimento

uma parcela
percebo no escuro

no vento bebo
aventura e tempo
paisagem de letra e gravura
fermoso invento

um pedaço de mim
não tem conserto
sem consolo se evapora
perdeu-se ma viagem
de leitura em desleitura
nunca mais se cola

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

paralelismo


os homens andam em paralelas de infinitas tramas

curvam-se com suas dores invisíveis
nunca se encontram

armas e auras
negócios e ócios

olhos e óbces
ópios e óculos

ocos e óbvios
seios e ancas

sapos e cobras
homens e antas

lutas e lutos
luas e sombras

perdas e danos
ledos enganos

pedras e pedras
muros e ramos

tristes tiranos
tigres humanos

rezas e ramos
rosas urbanas

mapas e mandos
sagas de sangue

partes e portais
partos e prantos

sábios e santos
sóbrios nem tanto

bandas e bancos
surdos e mancos

ricos e pobres
órfãos e manos

cartas e contas
camas e coma

mares e montes
mortes e mantos

lucros e sobras
furtos e famas


nunca se encontram
curvam-se sob o peso de suas dores risíveis

os homens andam em paralelas infinitas e infames

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

não inveje a alegria dos homens
na maioria das ocasiões
soam falsas suas gargalhadas
não dependa da companhia deles
para viver em paz
a maioria deles nunca o verá
não o ouvirá jamais o seu apelo
passe a largo quando ouvir um burburinho
um comício um pregão
um elogio que seja
tente ser feliz em sua minimitude

homens – de qualquer estirpe – são eloqüentes
jamais moverão uma palha
para lhe consolar em suas angústias e aflições

não se iluda
não busque a manhã nos domínios humanos







declaro
para os indevidos fins que isto não é mais um manifesto poético
não é mais um artigo de luxo
da declaração dos direitos humanos
da constituição brasileira
é simplesmente
uma declaração sem fins lucrativos
uma declaração de princiipicios
declaro portantoque o poeta não é santo ben satabáz





em nome de todos os deuses
de todos os continentes
desertos e abismos
que a poesia está morta nos cartórios
nos tribunais
nos clubes sem esportiva

nos bancos das universidades
que o poeta é um asno que voa
que o livro não é objeto de
primeira necessidade
é uma coisinha a toa
uma canoa no museu
uma leoa no cio
um tambor que não ressoa
que é proibido proibir
meninos e meninas
menores e maiores
internautas inteligentes
intelectuais sem classe
de todas as idades
freqüentar lugares suspeitos
feito livrarias e bibliotecas
declaro que bares e igrejas
praças e jardins
rodoviárias
hospitias e aeroportos
motéis e postos de gasolina
são iguais
em qualquer parte do mundo
do planeta sujo e mal divido
em versos e muros de arrimo

que a verdadeira poesia
é livre e obscena
em plena luz da ironia
que e indiferente a todo poder
a qualquer geografia
ameaça a integridade física dos cidadãos de bem
a moralidade púbica
que o poeta é um perigo para a sociedade
explora
rouba
estupra
assassina
bagunça o coreto
a linguagem defunta o
a sonata e o soneto
destrói florestas
muda o regime das águas
o curso dos manda-chuvas
o sentido dos rios
queima florestas e mapas suburbanos
é desumana e cruel com as palavras de consumo
subverte cidades de letras
ocultas nos dicionários de rimas
de infâmia e intrigas universais
invade terras baldias
recicla o luxo o lixo do redizer
cultiva urtigas
apropria indevidamente do lucro do resíduo das fábricas
das usinas nucelares
do que sobra nas mesas das delites
nos corredores das universidades
o poeta é um perigo
comete suicídios cotidianos
atentados contra o pudor
coloca bombas no coração das pessoas de boa vontade
domina submete o sistema de signos
defende a luta a mão armada de versos
não tem Bandeira
somente o Manuel
para salvar o poeta de barro das dores e prazeres
do inferno
das glorias e mesmices do eu
das delícias do céu
declaro
que por estas e outras
cem razões irracionais
o poeta é um perigo
para ele
para a gramática
para a máquina impressora
para a professora de literatura
para a literatura infantil
para seus semelhantes replicantes
para os macacos e elefantes
para o mundo das letras
para todo o que for de terno
e efêmero
o sol
o tempo
o horizonte
para todo o que for belo
e inconstante
é claro
o poeta é um perigo
declara o poeta ao seu umbigo
ao rei
da cocada de toda a cor
ao poema
a outro poeta sem juízo
ao juiz
ao crítico
ao louco
ao lírico
ao povo
a todo ser morto
a todo ser livre
declara o poeta ao vivo
ao seu melhor inimigo

o poeta é um perigo


Que maravilha! bendito seja o poeta e abençoada seja a sua poesia, pois ela a subversiva mor é que sustenta a bendita loucura humana sem a qual todos não serímos nada mais do que um grão de poeira perdido no caos. Um beijo da Maria Lucia

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006





um poema
não se ganha no grito
nem maior amor
nem mais bendito
poema é rito
plumagem
mito oculto na linguagem
após o grito de gol
de guerra
após de pedra fundar de sangue e sol
a idade do ouro
do sonho
a ambigüidade da vida

não se vence no grito nenhum abismo
não se abre no grito
os lábios
a porta do poema nenhum labirinto
debaixo do guarda-chuva
o homem não tem rosto
as penas os pés se movem
sobre o paralelepípedo

seria um homem comum
a sombra que se move
debaixo do guarda-chuva

seria algum doutor
ou simplesmente mais um
o vulto que se move
debaixo do guarda-chuva

os sapatos pretos não deixam marcas
de vez em quando os braços
pedaços dr corpo se revelam

pelo ritmo dos passos
o homem tem pressa
de não se ser feliz
de não se chegar a lugar nenhum

um homem sem janelas passa
diante de meu nariz
debaixo do guarda-chuva

domingo, 10 de dezembro de 2006




unar

hoje morreu Augusto Pinochet
anunciam os jornais do mundo inteiro

nenhuma honra
nenhuma lágrima
nenhuma glória
nenhum pesar
nenhum lamento

somente um sorriso de ironia
nos lábios das viúvas
alegria incontida no coração dos órfãos
dos jovens no jardim das ruas
um crispar de onda bravia
nos mares de Isla Negra
a liberdade trêmula de júbilo
nos bairros de Santiago
agita a bandeira da Nação sacrificada

sentença maior e mais justa
vem pelas mãos do tempo
juiz sereno
severo
incorrupto

somente a morte vence a fúria
dos ditadores
a injúria dos Senhores
a infâmia dos dominadores
somente a morte não morre
de ambição e tédio

pouco importa se a história está morta
o importante
é que a esperança e a poesia
sobrevivam às ruínas das civilizações
abaixo e acima da linha do Equador

de Neruda a Drummond
de Gabo a Cabral
de Gabriela a Milton
de Mercês a Glauber
Atahualpa YupanquiVictor Jara
Elis Regina
Geraldo Vandré

hoje morreu no Chile Augusto Pinochet
a América Latina renasce de luz lunar

não queiras o perfume da manhã
o sol em flor no coração da janela
o sol tem seu caminho pronto
o flor tem seu tempo de glória
não queiras o perfume por mais puro
talvez não seja só de flor o seu aroma
nem só de sol o tom de sua pele
ao perfume da manhã tudo se mistura
o som da música o mistério o ruído da plebe

não queiras só para ti o perfume da manhã

sábado, 9 de dezembro de 2006


“É uma coisa admirável olhar um objeto e acha-lo belo, pensar nele, retê-lo, e dizer em seguida: Vou desenha-lo, ( fotografá-lo) e trabalhar então até que ele esteja reproduzido. Cartas de Van Gogh a Théo Fragmento de
Abril de 1882 .

um poema feito pedra de sol
branco
livre de todo encantamento
sem ornato
de pedra
branco
sob o céu claro
mergulho de ave
no deserto
vazio sem nuvens

um ponto cego no espaço
um poema branco para Octávio Paz


primeiro foi a pedra
depois o gesto
o arremesso
o aceno contra o vento
espesso tempo
a tempestade do medo
original por dentro
a fala veio após
a floração dos cipós
a divisão das terras
e das águas
após a multiplicação
dos signos
das letras e imagens
feito fosse pão
o milagre da página
a erosão da paisagem
após a vertigem do espaço
entre linguagem e coisa
entre a noite e as cores
entre o cosmo e o caos
entre a música e a pauta
veio após tudo se perder
de sentido e nome
as frutas podres
seu poder
original embalagem
após o homem se dividir
ao longo da viagem
entre som e pedra
entre sono cego
entre sonho incerto
virtual miragem

primeiro foi a pedra
a linhagem dos pássaros

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006


epifalso
aqui jaz o poeta
não foi santo nem herói
nem bandido nem barão
jaz de pedra sob pedra o poeta
como soe ficar a sós
e calcário
ao se ouvir um jazz

após longa vida breve
tanto faz a guerra ou a farsa
a ação entre inimigos
o amigo salafrário
mesmo morto o poeta é um perigo
adverte o prefeito de plantão
o choro surdo dos muros
nada mais lhe fere
nada mais lhe dói

aqui jaz o poeta
sem forma sem futuro


Quarta dimensão.Quatro visões. A imagem fotográfica à semelhança da imagem verbal, na construção poética, submete-se à imaginação e à subjetividade do olhar. Assim a relaidade , dita objetiva,. O mundo dito real desaparece e dá lugar a mundos recriados, recortados , vislumbrados a partir da lente do olhar e da teleobjetiva. Qual é a verdade do mundo?

o que maldita o rumo do poema
o remo no reino de água escura
o ritmo mais leve estrutura
o murmúrio do rio ferve
inimigo rumor a flor da pelve
infimo fio que de sereno se tece
indo e vindo como se tudo breve

rio fosse o sol o que sua pele inverte