quinta-feira, 20 de julho de 2006





Hezbola!Hezbola!Hezbola!
homens sérios brincam de guerra no Líbano
Israel joga bombas de tristeza
sobre o deserto de nuvens
a morte inocente foge
arrasta de serpente em chamas
a multidão sem nome
melhor seria jogar futebol no inferno
gritassem basta
nas trincheiras de ódio
Hezbola! Hezbola! Hezbola!
palavras estrangeiras
semeiam a destruição do verbo viver

a humanidade se perde em lúdicas batalhas

joão evangelista rodrigues

domingo, 16 de julho de 2006






Jornalisata não é papagaio!
Carta aberta ao Presidente Lula

"Nós, jornalistas brasileiros, solicitamos a imediata sanção do projeto de lei 079/2004, que atualiza as funções privativas dos jornalistas e acaba de ser aprovado no Congresso. Trata-se de uma antiga reivindicação da categoria no sentido de avançar em sua organização e atualizar sua regulamentação profissional. O projeto é resultado de um longo processo de discussão e luta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), dos Sindicatos de Jornalistas de todo o país e dos profissionais que se organizam em torno deles. Passou por todas as instâncias de debates e deliberações destas entidades. Também foi democrática e publicamente discutido na Câmara e no Senado, recebendo alterações e emendas dos parlamentares. Por isso, solicitamos a sanção, respeitando a decisão do Congresso e o direito e o anseio de organização de toda uma categoria que tantos serviços tem prestado ao Brasil e seu povo."
Colega, copie o texto acima, assine e envie para os endereços abaixo: Casa Civil, Ministério do Trabalho, Secretaria Geral, Protocolo da Presidência e Governo Federal. Os estudantes de jornalismo, ou os que não são jornalistas mas apóiam a luta da categoria porque é de toda sociedade, também podem enviar a mensagem, indicando na abertura "eu apóio essa luta dos jornalistas".
Os endereços:
casacivil@planalto.gov.br; ouvidoria@mte.gov.br; sg@planalto.gov.br; protocolo@planalto.gov.br; governo@brasil.gov.br
Lembre-se: Os donos da mídia estão espumando de raiva com a aprovação do projeto pelo Congresso Nacional. Além de atacar os colegas que lutam pela atualização, chegaram ao ponto de chamar o projeto de golpe e até a dizer que desconheciam a sua tramitação. Ora, um veículo de comunicação confessar tamanha desinformação configura um duro golpe em seus leitores e assinantes. Sem dizer que no sistema democrático, não existe nada mais legítimo do que um projeto de lei que tramitou por todas as instâncias de debates e deliberações do Congresso Nacional. Desconhecer isso é mais do que desinformação: é querer golpear a democracia e a nossa dignidade profissional.

sábado, 15 de julho de 2006



Discurso de paraninfo da última turma do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da PUCMinas em Arcos, currículo em extinção, que vai colar grau no dia 07 de julho de 2 006.

Saudações

Prezados afilhados,

Senhoras e Senhores,

Boa noite a todos!


Dedicatória

Peço-lhes licença para dedicar estas palavras à educadora arcoense, Noêmia Teixeira Rodrigues, minha mãe e minha primeira professora, com quem aprendi o prazer da leitura e da escrita; a alegria de estudar, descobrir e vivenciar o mundo de maneira peculiar, participativa e solidária.

Estar aqui e agora, neste lugar privilegiado é, para mim, “uma alegria, mais que uma honra. A honra pode ser imerecida, a alegria nunca o é”. Compartilho o sentimento do filósofo e escritor francês, Roland Barthes, manifesto em sua aula inaugural da Cadeira de Semiologia Literária, do Colégio de França, pronunciada em 07 de janeiro de 1 977. Graduei-me em Jornalismo, pela PUCMinas, então Universidade Católica de MInas Gerais - em julho de 1978. Deste período, trago lembranças e lutas inesquecíveis. Lembranças de colegas e professores marcantes. Lutas pela liberdade e redemocratização do País. Barthes morreu na capital francesa, em 1980, deixando um vazio intelectual e cultural fora e dentro da academia.

Como já se pode antever, é do reino da linguagem, do espaço do sabor e do saber, da sedução da descoberta, que desejo lhes falar. A feitio de Barthes, com quem sempre procurei dialogar e mergulhar apaixonadamente nos terrenos baldios e crespos bosques de sua linguagem, sinto-me um “sujeito incerto”, “impuro”, no sentido, já que ao longo dos anos tenho me mostrado avesso ao rigor da ciência, ao ritual disciplinado e ortodoxo , que oscila entre a ordem e a rotina , a cor púrpura do poder e uma certa liturgia abstrata, metafísica , não raro, competitiva e hipócrita em que vem se transformando a vida acadêmica , a Universidade Brasileira. A história da formação e do desenvolvimento cultural do ocidente, da qual somos legítimos herdeiros e, não raro, filhos bastardos, traz em sua gênese uma questão, até hoje, praticamente sem respostas: trata-se do triunfo do pensamento de Aristóteles - via S. Tomás de Aquino – e da condenação de Sócrates à morte em 399 a. C. , em detrimento de um modo de pensar dialético , florescente e promissor. Morte que se repete historicamente ao longo destes mais de 2 mil anos de aventura do espírito e do conhecimento ocidental.

Não por acaso, portanto, a vitória, a hegemonia, momentânea, do neo-liberalismo que orienta as mudanças e marca de maneira profunda o cenário econômico, político e sócio –cultural neste início de milênio. Não por acaso o triunfo de um pragmatismo predador e de um funcionalismo travestidos pelas tendências pós-modernas. Não por acaso, essas formas de pensar e de agir infiltrarem-se nos departamentos, corredores, salas de aula e laboratórios de pesquisa universitários. A dívida é enorme. Os prejuízos, ainda maiores. Contra esta tendência neo-liberalizante, funcional, autoritária e burocrática,
devem-se contrapor os muitos e diversos olhares que miram e admiram o mundo através das gretas, das brechas e buracos existentes nos muros e grades que protegem a Universidade Brasileira - seja pública, privada ou comunitária - em suas dimensões fundamentais de Ensino, Pesquisa e Extensão, contra não se sabe bem o quê.

Certamente, não desconheço as incertezas de nosso tempo. Mesmo assim, ouso afirmar: não fossem a intuição, a inserção cultural, a arte e a criatividade, apoiadas todas por uma visão dialética sem travas nos olhares, não sei se poderia, ao menos, andar em paz pelas ruas do bairro onde moro, sem ser atropelado pela primeira carroça que por ali diariamente trafega. Somente a luz da razão, a mim não basta. Pior cego, entretanto, é aquele que não quer ouvir!

Caríssimos afilhados,

Este é um tempo maldito, sem inocência, em que tudo significa. Em que nada escapa à força da inteligência, menos ainda, à perversidade, dela. De tanto examinar, especular, recortar, fragmentar, tabular, classificar, copiar e colar, seu objeto de estudo, o ser humano, o estudioso, o pesquisador, o cientista, o professor-educando-educador, tudo se acabou por se reiificar. De tanto se escarafunchar o nariz, o “espírito das coisas”, as coisas estão, aos poucos, perdendo o espírito. É como objetos e não como sujeitos que a maioria dos indivíduos – não pessoas, exatamente - está se relacionando, projetando e executando as atividades acadêmicas, didático-pedagógicas. Burocraticamente. Ritualisticamente. Conforme manda o figurino. Quando muito.Nem mais, nem menos. A degeneração é obvia. As conseqüências, evidentes. Má qualidade de ensino. Formação humana, política, ética e cultural precárias. Abaixo da crítica. De óbvias e ululantes, passam despercebidas. Transformam-se em segunda natureza. Não sei se questões assim, reflexivas, - e reflexão não tem sido o forte das novas gerações - de ordem humanistas, serão consideradas anacrônicas, ou bem recebidas, por urgentes e necessárias. Universidade Brasileira, cuja crise não há como ignorar.Nem mesmo a avestruz mais pelintra! De mesma crise visceral está padecendo o Brasil, a sociedade brasileira.

Neste momento, cabe- nos modestas reflexões.

Caros afilhados, senhores pais.

Não gostaria de lhes falar apenas com os limitados recursos da razão. Primeiro, porque a pós-modernidade, conceito dúbio e, sob muitos aspectos, rarefeito, usou o potencial racional, oriundo da modernidade, ainda não esgotada, para decretar o fim, o desmoronamento da razão que sustentou – e talvez ainda hoje sustente, de maneira mais relativa é verdade – o edifício da civilização, da cultura ocidental, principalmente. Assim como o triunfo do capitalismo selvagem, do consumismo, sobre o socialismo real, o esvaziamento da afetividade e da solidariedade, do triunfo do individualismo sobre o sentimento de coletividade, da desconfiança, sobre a confiabilidade, do oportunismo estreito, estrábico e imediatista estão fazendo definhar, entre nós, a possibilidade de se projetar e construir sonhos e realidades mais estáveis e coerentes.

Tudo sugere que o desmoronamento seja um processo “natural”, sem volta, contra o que já não se pode fazer mais nada a não ser dançar uma “valsa vianense”, ou um tango argentino entre as ruínas do conhecimento, do resto, do rosto feérico da civilização.

Será que após Hiroxima, após o Holocausto, o assassinato de Jonh Lenon, a queda do Muro de Berlin, o misterioso ataque , à luz do dia, às Torres Gêmeas, o inferno Iraquiano e Africano, a Sérvia e o Timor Leste, a guerrilha urbana, as violências anônimas, as corrupções no Congresso , sua recente invação pel MLMST e a derrocada do projeto político do Partido dos Trabalhadores signifiquem o nascimento da barbárie , da tragédia contemporânea, de maneira absoluta, líquida e certa, o fim do sonho e da esperança?

Fim da esperança para todos os indivíduos, já que conceito de “pessoa”, e de humanidade, a exemplo de certas espécimes , são animais raros e em pleno processo de extinção.
Será que à Universidade, à academia, cabe apenas constatar, documentar, concordar e reproduzir esse caos desumano, individual, mundializado. Aqui entre nós, bem ao modo, à falta de estilo tupiniquim?

Ou às Universidades do mundo, as mais sérias e comprometidas, as menos venais; ou ao mundo como Universidade , como linguagem que não se conforma, cabe reafirmar a possibilidade do conhecimento, a tarefa de descobrir novos caminhos, de se compartilhar o prazer do percurso? Cabe reconstruir a legitimidade dos discursos que nutrem projetos e trajetórias individuais e coletivos, acadêmico-científicas sem abandonar a intuição, a sensibilidade, a cultura e a arte, em suma as sabedoria ancestrais?

Gostaria, não fossem as armadilhas e artimanhas da linguagem, de dizer o que tenho a dizer, o que realmente sinto, o que tenho vontade de dizer. Mas o desejo já é por si a demarcação do abismo entre o que possuímos e o que desejamos. Abismos entre abismos, somos o que somos. Seres sem rosto. Textos sem autoria, tudo em nome da moda, do modo, do medo pós-moderno de se viver-morrer, por nada.

Jean Paul Sartre foi incisivo ao afirmar: “o inferno são os outros”. O contexto é diferente, mas os fatos não menos agressivos e dolorosos como os reflexos da II Guerra, as ditaduras Européias e , mais tarde, latino-Americanas, a guerra do Vietnã , de certa forma, tudo já antevia a radical transição porque passa a sociedade contemporânea. Tudo está presente, por mais que descartemos os sofrimentos e horrores provocados por estes fatos. Pelos artefatos da inteligência e da guerra entre homens. Tudo sob o véu e o encantamento das novas tecnologias, das diversas formas de linguagem do Universo. Do Universo mesmo como linguagem. Particularmente interesso-me mais pelo mundo em quanto linguagem , enquanto efígie, do que pelas caleidoscópicas, evanescentes e , muitas vezes, vulgares linguagens do mundo.

O mesmo digo da Comunicação, do Jornalismo, da Filosofia, da Literatura, da História, da História da Arte, da Arte e da Cultura. Isto sem falar da Estética, da Bioética , da Física Quântica, da fotografia, da música, da Arquitetura e do Cinema, por exemplo. Tudo o que aqui for dito, mal dito ou bem dito, pouca valia terá. Afinal, esta é uma conquista, uma descoberta contemporânea, o sentido de todo o discurso e tudo é discurso, migrou da fonte , do falante , do coração de quem diz, para o ouvido, o cérebro para o sem-memória do interlocutor. Ao emissor, se é que este termo ainda tem sentido, cabe arquitetar os signos, de maneira livre ou condicionada, conforme seja sua autonomia, sua capacidade e sua independência frente aos “aparelhos” de controle, hoje mais sutis e muito mais sofisticados, criados pela sociedade da informação e do conhecimento. Mais da informação, de avalanche de dados, que de conhecimento, posto que este exige critérios, paradigmas flexíveis, mas consistentes, capacidade reflexiva e postura ética e crítica, dimensões raras nesses tempos de
pós-tudo-nada, diga-se de passagem.

Talvez a saída seja a busca de uma visão holística, o retorno à dialética, em novas bases históricas. Mas se dizem , com segurança, que Historia não há mais, o que fazer? Com a decretação da morte de Deus, da morte da arte,da morte da Historia , nada mais banal que a morte do homem e de suas convicções mais nobres. Cumpre-se a predição de Thomas Hobbes no sua mais importa obra política, "O Leviatã", publicada em 1651: após pouco mais de três séculos do lançamento desse livro, o homem se torna o lobo do homem;Alguns dirão, sempre foi assim, talvez será assim para sempre, digo-lhes. A trágica diferença, o que me assusta, é que agora sabemos o que somos. Compreendemos perfeitamente – embora muitas vezes preferimos negar - os motivos que nos levam a agir desta maneira.

O cenário tecnológico, em um mundo ecologicamente ameaçado, só potencializa e favorece aquilo para o qual a sociedade já estava predestinada. A autodestruição e o caos.

As grandes organizações, as metrópoles e as megalópoles, as bibliotecas, a biblioteca de Babel e a Universidade, enquanto sistemas de linguagem, elas mesmas, são igualmente interessantes. Interessantes, porque no lugar da mesmice, da reprodução pura e simples, a exemplo do que Borges diz sobre a “cópula e os espelhos” provocam, propõem, inventam, reinventam, articulam-se com vistas a novas formas de ser e de estar no mundo. Transforma-se o mundo da linguagem pela transformação do mundo, enquanto linguagem que se retro-alimenta.

Prezados afilhados,

Entretanto, mais do que pelo dizer, a comunicação autêntica e autônoma se faz pelo não dito, pelo interdito... Pela liberdade, não pela censura. Pela criatividade, pela ruptura. Não pelo “Abre-te Césamo”;. Não pelo Não pelo veredicto. A Comunicação, portanto, se realiza mais no campo do desejo, do imaginário, da necessidade de se romper este abismo, do que pelos processos e modelos, racionalmente concebidos, para dissimular e, ao mesmo tempo, manter o sistema de dominação vigente. Para quem se propõe verdadeiramente se comunicar vale mais o desejo do outro, do interlocutor, sua capacidade imaginativa de interpretação e de construção de sentidos, elaborados, criados a partir do arranjo comunicacional disponibilizado.

A comunicação verdadeira não se restringe à decodificação, unilateral e linear de códigos bem o ou mal estruturados. Não é absurdo considerar o mundo, o universo, meio e mensagem. Babel e espelho. Alfabeto e hieróglifo. Realidades que só se abrem pelo desejo, pela sedução, pelo encantamento, pelo sentimento. Não só pela poder.Pela força de qualquer ordem ou natureza. Pela força, a comunicação não acontece, nunca. Sempre surgirá um ruído a sujar a mensagem para perturbar a interpretação, para prejudicar a compreensão da realidade, da verdade dos fatos.

Meus afilhados,

A essa altura, vocês devem estar ansiosos e se perguntando: esse nosso padrinho ficou maluco de vez. Falou, falou e, ate agora, quase não se referiu ao Jornalismo. Será que não vai falar nada sobre a nossa nobre, pobre e esnobe profissão? Quero apaziguar os ânimos e a matar a curiosidade de meus caríssimos afilhados e das demais pessoas presentes, nesta noite inesquecível. É exatamente de jornalismo que estou tentando falar o tempo todo, não tenham dúvida.
Jornalismo, a “melhor profissão do mundo”, no dizer do “perioditaa” e escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez.

O Jornalismo, meus afilhados, é o próprio mundo em movimento. É o nascer e morrer de cada dia. É escritura permanente da vida e da morte, da história, das aventuras e desventuras do ser humano, todos os dias. Por isso, essencialmente fenomenológico. A verdade dos fatos, matéria prima e fonte de credibilidade do Jornalismo e do Jornalista, difere da verdade filosófica. Uma é fugidia, escapa entre os dedos diante da pressa e da pressão do “daed line”. A hora do fechamento de cada edição, de cada programa que precisa ir ao ar. O momento da morte nas redações. Evapora-se entre a produção e a divulgação da notícia. No intervalo que separa o leitor de sua leitura. Entre o espaço/tempo da leitura, a interpretação que ela provoca e a mudança de ponto de vista, o posicionamento do leitor, frente aos fatos, à realidade mediada. Midiatizada, portanto, por outra realidade que não a original. O fato mesmo em sua radicalidade acontece em outro lugar. Vem dessa fuga constante dos fatos, dessa rarefação da realidade, a importância e o papel do trabalho jornalístico, com destaque para a prática da reportagem. Ao bom repórter cabe revelar o que se esconde por trás do fenômeno, do que surge, à primeira vista,
como sendo a verdade. E qual é a nossa verdade, hoje, o Brasil?

Poderia, a esta altura do campeonato, - não da Copa do Mundo - por os pés no chão. Tropeçar em algum paralelepípedo. Chutar o balde, diante de tanta imundície e desancar o Presidente da República que ultimamente vem fazendo tudo para merecer uns bons xingos: poderia falar da falta de profissionalização e de ética do mercado jornalístico, sobretudo o regional. Falaria dos baixos salários da categoria, da permanência dos provisionados, dos “precários “ e da expansão indiscriminada dos Cursos de Jornalismo. Da falta de qualidade no ensino de Jornalismo na maioria dessas faculdades. Poderia falar, ainda, do controle da informação, da liberdade de imprensa , da censura econômica , via agência de publicidade e outros conchavos. Falaria do desemprego, do subemprego. De como os patrões , sobretudo no interior, exploram os novos jornalistas. Dos riscos da profissão. Faria um inventário lamentável do número de jornalistas mortos no cumprimento de seu dever, no “front” da notícia, em várias partes do planeta.

Por fim, poderia apontar as mazelas, os desafios e oportunidades oferecidos pela profissão de Jornalismo. Poderia aé criar fantasias e falsas perspectivas para animar meus afilhados nesta noite festiva. Lamento desapontá-los, ms lebres são lebres e gatos se são pardos o são em qualquer momento e lugar. O bom jornalista não deve se confundir com a perfeição das imitações. Nem se curvar ao ritual de exéquias e de boas maneiras quando se trata de ver, de descobrir o que de fato está acontecendo.

Meus caros meninos e meninas, meus colegas de profissão”

Sigam, em frente, não olhem para trás, sob pena de se transformarem em estátua de sal. Penetrem “surdamente no reino das palavras”. Do verbo viver. Do signo delirante da existência. Mergulhem de cabeça , de corpo e alma, no mundo da linguagem. Não falsseem os fatos, sob nenhum pretexto ou condição. Não ludibriem o leitor. Não se vendam por nenhum tesouro. Não traiam, não subtraiam suas convicções. Procurem ver mais longe, além do brilho do “pircem” em seus umbigos ou no umbigo daqueles que comem e bebem ao seu lado, nos dias secos, caudalosos ou fartos. Não sejam nem tanto mineiros, nem tanto, o contrário. Cuidem para não se cegarem, perderem-se sob as luzes dos holofotes. Lembrem-se: jornalistas não são tão importantes, como se julgam: menos ainda os proprietários de veículos, os empresários, os negociadores de informações ou, em muitos casos, traficantes de influências.

Importantes são os leitores. A verdade dos fatos, a realidade, a postura ética que orienta a abordagem e o tratamento destes fatos, desta realidade. Se alguém se sente incomodado pela realidade da qual eles são personagens ou protagonistas, pior para eles. Melhor para a ética. Fica decretado, diria Tiago de Melo, que vale a realidade, o relato objetivo, correto e coerente que dessa realidade, honestamente tentam, todos os dias, fazer os jornalista, o repórter. A verdade dos fatos é mais eloqüente e crível e a confiança e a credibilidade são a essência do Jornalismo sério e comprometido com a defesa intransigente dos direitos essenciais do cidadão. Estes direitos estão descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, garantidos pela Constituição Brasileira e corroborados pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

Do respeito cotidiano a estes princípios dependem a credibilidade do jornalismo e o êxito profissional do jornalista. O êxito de cada um de vocês. Êxito, que nem de longe se traduz em sucesso, quer pelo “status” que a profissão proporciona, quer pelo maior volume de dinheiro que alguns profissionais de destaque conseguem ganhar com honestidade.

A verdade dos fatos, a transparência profissional, a equidade no trato com as fontes e os colegas de trabalho são mais eloqüentes que qualquer retórica balofas, que como toda a estratégia narrativa visa mascarar a realidade, proteger pessoas culpadas, defender interesses particulares ou de grupos a troco de benesses e “jabaculê”. A médio e longo prazos ,expedientes dessa natureza se mostram ineficientes e prejudiciais ao indivíduo, ao profissional e, principalmente, ao conjunto da sociedade.

Ruben Alves, em sua pertinente crítica à falta de criatividade e de ousadia da maior parte dos candidatos aos cursos de pós-graduação da Unicamp, observa que a maior parte desses futuros mestres e doutores são hábeis devoradores e recitadores de livros, mas são incapazes de criar, eles mesmos, pensamentos fortes e originais. Pensamentos que já sendo, no ato de pensar, uma ação afirmativa, possam contribuir para modificar o conhecimento, as ciências. a cultua e as artes do ambiente onde atuam. Podem, assim, transfigurar a face do Universo.
Em seu livro “Cartas a uma jovem socióloga”, lançado em 1970, o conhecido sociólogo francês Alain Touraine recomenda: "É preciso abandonar as utopias e profecias, ainda que catastróficas, para analisar o movimento, desconcertante, mas real, das relações sociais". Eu digo-lhes, é preciso analisar o movimento desconcertante, mas real, das relações sociais sem abandonar as utopias que poderão tornar as profecias mais catastróficas em um concerto de possibilidades e esperanças mais harmônicas.
Lá fora, avança uma grande noite. É verdade, também, que muitas estrelas tremem, teimam em constelar seus brilhos para juntas iluminarem o Universo. Para vocês, caros afilhados, o futuro se iniciou no gesto amoroso de seus pais.Quando cada um de vocês foram concebidos em carinho e esperança. Hoje, estão dando mais um importante passo. Muitos outros passos serão necessários para que cada um conquiste o seu objeto de desejo. Vença seus próprios abismos. Nunca se sintam realizados, pois, neste momento, se tornarão iguais aos milhares de fantasmas que trafegam pelas ruas e praças deste país: são mortos-vivos em busca de notoriedade, de fortuna fácil, de falsa felicidade.Em busca daquela mesma “glória vã e da vã cobiça, a que chamamos fama” registrada por Luis de Camões no seu, no nosso “Lusíadas”.

Levantem a cabeça, sem perder a humildade, encham o peito de ar e rompam as inexistentes portas deste “mundo, vasto mundo”. Não se esqueçam nunca deste momento luminoso, início do que poderá ser uma longa e bela trajetória humana e profissional. Agora, quero lhes fazer um pedido pessoal, de padrinho e de companheiro de profissão: não se afastem muito...Não se afastem, diria Drummond.

Valho-me da linguagem, única arma em que acredito, para lhes dirigir minhas últimas palavras nessa noite. Confesso que até este momento, foi a alegria que me tomou pela mão.Quanto à honra, cabe a vocês, meus afilhados, decidirem se realmente fiz por merecê-la. Não perderei mais a alegria que vocês me proporcionaram, diante das vicissitudes da vida e dos grosseiros desatinos do ser humano.

É por isso que, sem medo de ser ou esnobe ou esdrúxulo, valho-m de uma palavra “fora de moda”, dessas que parecem adormecer no aconchego do dicionário, mas, ao menor ruído, despertam-se e se colocam como sinais, em plena encruzilhada.

Trata-se da palavra “sapientia “ que, desde o início de meus estudos clássicos, me leva a admirar pessoas anônimas e sem letramento oficial. Mundos e pessoas à margem, linguagens periféricas, pelos quais só pessoas, jornalistas ou não, armadas de sensibilidade ética e de comprometimento político e social, conforme ensina Paulo Freire, por meio das diversas vertentes e verdades de suas Pedagogias, podem se interessar. Destaco a Pedagogia da Autonomia como ensinamento propício para orientar a ação dos jornalistas, para regar a Terra ameaçada e propiciar o renascimento de um humanismo integral, livre e libertário! Proponho o ressurgimento, entre nos, da palavra SAPIENTIA : “nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível”.

Para encerrar, abro as portas nem sempre largas da linguagem, recorrendo-me, uma vez mais, ao pensamento sempre luminoso e sedutor de Roland Barthes:

Produz sem apropriar-se
Trabalha sem nada esperar
A obra terminada esquece-a
e porque a esquece
a obra permanecerá.

Um largo abraço fraterno e confiante do sempre amigo, João Evangelista.



Arcos, 07 de julho de 2006.
João Evangelista Rodrigues


Discurso de paraninfo da última turma do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da PUCMinas em Arcos, currículo em extinção, que vai colar grau no dia 07 de julho de 2 006.

Saudações

Prezados afilhados,

Senhoras e Senhores,

Boa noite a todos!


Dedicatória

Peço-lhes licença para dedicar estas palavras à educadora arcoense, Noêmia Teixeira Rodrigues, minha mãe e minha primeira professora, com quem aprendi o prazer da leitura e da escrita; a alegria de estudar, descobrir e vivenciar o mundo de maneira peculiar, participativa e solidária.

Estar aqui e agora, neste lugar privilegiado é, para mim, “uma alegria, mais que uma honra. A honra pode ser imerecida, a alegria nunca o é”. Compartilho o sentimento do filósofo e escritor francês, Roland Barthes, manifesto em sua aula inaugural da Cadeira de Semiologia Literária, do Colégio de França, pronunciada em 07 de janeiro de 1 977. Graduei-me em Jornalismo, pela PUCMinas, então Universidade Católica de MInas Gerais - em julho de 1978. Deste período, trago lembranças e lutas inesquecíveis. Lembranças de colegas e professores marcantes. Lutas pela liberdade e redemocratização do País. Barthes morreu na capital francesa, em 1980, deixando um vazio intelectual e cultural fora e dentro da academia.

Como já se pode antever, é do reino da linguagem, do espaço do sabor e do saber, da sedução da descoberta, que desejo lhes falar. A feitio de Barthes, com quem sempre procurei dialogar e mergulhar apaixonadamente nos terrenos baldios e crespos bosques de sua linguagem, sinto-me um “sujeito incerto”, “impuro”, no sentido, já que ao longo dos anos tenho me mostrado avesso ao rigor da ciência, ao ritual disciplinado e ortodoxo , que oscila entre a ordem e a rotina , a cor púrpura do poder e uma certa liturgia abstrata, metafísica , não raro, competitiva e hipócrita em que vem se transformando a vida acadêmica , a Universidade Brasileira. A história da formação e do desenvolvimento cultural do ocidente, da qual somos legítimos herdeiros e, não raro, filhos bastardos, traz em sua gênese uma questão, até hoje, praticamente sem respostas: trata-se do triunfo do pensamento de Aristóteles - via S. Tomás de Aquino – e da condenação de Sócrates à morte em 399 a. C. , em detrimento de um modo de pensar dialético , florescente e promissor. Morte que se repete historicamente ao longo destes mais de 2 mil anos de aventura do espírito e do conhecimento ocidental.

Não por acaso, portanto, a vitória, a hegemonia, momentânea, do neo-liberalismo que orienta as mudanças e marca de maneira profunda o cenário econômico, político e sócio –cultural neste início de milênio. Não por acaso o triunfo de um pragmatismo predador e de um funcionalismo travestidos pelas tendências pós-modernas. Não por acaso, essas formas de pensar e de agir infiltrarem-se nos departamentos, corredores, salas de aula e laboratórios de pesquisa universitários. A dívida é enorme. Os prejuízos, ainda maiores. Contra esta tendência neo-liberalizante, funcional, autoritária e burocrática,
devem-se contrapor os muitos e diversos olhares que miram e admiram o mundo através das gretas, das brechas e buracos existentes nos muros e grades que protegem a Universidade Brasileira - seja pública, privada ou comunitária - em suas dimensões fundamentais de Ensino, Pesquisa e Extensão, contra não se sabe bem o quê.

Certamente, não desconheço as incertezas de nosso tempo. Mesmo assim, ouso afirmar: não fossem a intuição, a inserção cultural, a arte e a criatividade, apoiadas todas por uma visão dialética sem travas nos olhares, não sei se poderia, ao menos, andar em paz pelas ruas do bairro onde moro, sem ser atropelado pela primeira carroça que por ali diariamente trafega. Somente a luz da razão, a mim não basta. Pior cego, entretanto, é aquele que não quer ouvir!

Caríssimos afilhados,

Este é um tempo maldito, sem inocência, em que tudo significa. Em que nada escapa à força da inteligência, menos ainda, à perversidade, dela. De tanto examinar, especular, recortar, fragmentar, tabular, classificar, copiar e colar, seu objeto de estudo, o ser humano, o estudioso, o pesquisador, o cientista, o professor-educando-educador, tudo se acabou por se reiificar. De tanto se escarafunchar o nariz, o “espírito das coisas”, as coisas estão, aos poucos, perdendo o espírito. É como objetos e não como sujeitos que a maioria dos indivíduos – não pessoas, exatamente - está se relacionando, projetando e executando as atividades acadêmicas, didático-pedagógicas. Burocraticamente. Ritualisticamente. Conforme manda o figurino. Quando muito.Nem mais, nem menos. A degeneração é obvia. As conseqüências, evidentes. Má qualidade de ensino. Formação humana, política, ética e cultural precárias. Abaixo da crítica. De óbvias e ululantes, passam despercebidas. Transformam-se em segunda natureza. Não sei se questões assim, reflexivas, - e reflexão não tem sido o forte das novas gerações - de ordem humanistas, serão consideradas anacrônicas, ou bem recebidas, por urgentes e necessárias. Universidade Brasileira, cuja crise não há como ignorar.Nem mesmo a avestruz mais pelintra! De mesma crise visceral está padecendo o Brasil, a sociedade brasileira.

Neste momento, cabe- nos modestas reflexões.

Caros afilhados, senhores pais.

Não gostaria de lhes falar apenas com os limitados recursos da razão. Primeiro, porque a pós-modernidade, conceito dúbio e, sob muitos aspectos, rarefeito, usou o potencial racional, oriundo da modernidade, ainda não esgotada, para decretar o fim, o desmoronamento da razão que sustentou – e talvez ainda hoje sustente, de maneira mais relativa é verdade – o edifício da civilização, da cultura ocidental, principalmente. Assim como o triunfo do capitalismo selvagem, do consumismo, sobre o socialismo real, o esvaziamento da afetividade e da solidariedade, do triunfo do individualismo sobre o sentimento de coletividade, da desconfiança, sobre a confiabilidade, do oportunismo estreito, estrábico e imediatista estão fazendo definhar, entre nós, a possibilidade de se projetar e construir sonhos e realidades mais estáveis e coerentes.

Tudo sugere que o desmoronamento seja um processo “natural”, sem volta, contra o que já não se pode fazer mais nada a não ser dançar uma “valsa vianense”, ou um tango argentino entre as ruínas do conhecimento, do resto, do rosto feérico da civilização.

Será que após Hiroxima, após o Holocausto, o assassinato de Jonh Lenon, a queda do Muro de Berlin, o misterioso ataque , à luz do dia, às Torres Gêmeas, o inferno Iraquiano e Africano, a Sérvia e o Timor Leste, a guerrilha urbana, as violências anônimas, as corrupções no Congresso , sua recente invação pel MLMST e a derrocada do projeto político do Partido dos Trabalhadores signifiquem o nascimento da barbárie , da tragédia contemporânea, de maneira absoluta, líquida e certa, o fim do sonho e da esperança?

Fim da esperança para todos os indivíduos, já que conceito de “pessoa”, e de humanidade, a exemplo de certas espécimes , são animais raros e em pleno processo de extinção.
Será que à Universidade, à academia, cabe apenas constatar, documentar, concordar e reproduzir esse caos desumano, individual, mundializado. Aqui entre nós, bem ao modo, à falta de estilo tupiniquim?

Ou às Universidades do mundo, as mais sérias e comprometidas, as menos venais; ou ao mundo como Universidade , como linguagem que não se conforma, cabe reafirmar a possibilidade do conhecimento, a tarefa de descobrir novos caminhos, de se compartilhar o prazer do percurso? Cabe reconstruir a legitimidade dos discursos que nutrem projetos e trajetórias individuais e coletivos, acadêmico-científicas sem abandonar a intuição, a sensibilidade, a cultura e a arte, em suma as sabedoria ancestrais?

Gostaria, não fossem as armadilhas e artimanhas da linguagem, de dizer o que tenho a dizer, o que realmente sinto, o que tenho vontade de dizer. Mas o desejo já é por si a demarcação do abismo entre o que possuímos e o que desejamos. Abismos entre abismos, somos o que somos. Seres sem rosto. Textos sem autoria, tudo em nome da moda, do modo, do medo pós-moderno de se viver-morrer, por nada.

Jean Paul Sartre foi incisivo ao afirmar: “o inferno são os outros”. O contexto é diferente, mas os fatos não menos agressivos e dolorosos como os reflexos da II Guerra, as ditaduras Européias e , mais tarde, latino-Americanas, a guerra do Vietnã , de certa forma, tudo já antevia a radical transição porque passa a sociedade contemporânea. Tudo está presente, por mais que descartemos os sofrimentos e horrores provocados por estes fatos. Pelos artefatos da inteligência e da guerra entre homens. Tudo sob o véu e o encantamento das novas tecnologias, das diversas formas de linguagem do Universo. Do Universo mesmo como linguagem. Particularmente interesso-me mais pelo mundo em quanto linguagem , enquanto efígie, do que pelas caleidoscópicas, evanescentes e , muitas vezes, vulgares linguagens do mundo.

O mesmo digo da Comunicação, do Jornalismo, da Filosofia, da Literatura, da História, da História da Arte, da Arte e da Cultura. Isto sem falar da Estética, da Bioética , da Física Quântica, da fotografia, da música, da Arquitetura e do Cinema, por exemplo. Tudo o que aqui for dito, mal dito ou bem dito, pouca valia terá. Afinal, esta é uma conquista, uma descoberta contemporânea, o sentido de todo o discurso e tudo é discurso, migrou da fonte , do falante , do coração de quem diz, para o ouvido, o cérebro para o sem-memória do interlocutor. Ao emissor, se é que este termo ainda tem sentido, cabe arquitetar os signos, de maneira livre ou condicionada, conforme seja sua autonomia, sua capacidade e sua independência frente aos “aparelhos” de controle, hoje mais sutis e muito mais sofisticados, criados pela sociedade da informação e do conhecimento. Mais da informação, de avalanche de dados, que de conhecimento, posto que este exige critérios, paradigmas flexíveis, mas consistentes, capacidade reflexiva e postura ética e crítica, dimensões raras nesses tempos de
pós-tudo-nada, diga-se de passagem.

Talvez a saída seja a busca de uma visão holística, o retorno à dialética, em novas bases históricas. Mas se dizem , com segurança, que Historia não há mais, o que fazer? Com a decretação da morte de Deus, da morte da arte,da morte da Historia , nada mais banal que a morte do homem e de suas convicções mais nobres. Cumpre-se a predição de Thomas Hobbes no sua mais importa obra política, "O Leviatã", publicada em 1651: após pouco mais de três séculos do lançamento desse livro, o homem se torna o lobo do homem;Alguns dirão, sempre foi assim, talvez será assim para sempre, digo-lhes. A trágica diferença, o que me assusta, é que agora sabemos o que somos. Compreendemos perfeitamente – embora muitas vezes preferimos negar - os motivos que nos levam a agir desta maneira.

O cenário tecnológico, em um mundo ecologicamente ameaçado, só potencializa e favorece aquilo para o qual a sociedade já estava predestinada. A autodestruição e o caos.

As grandes organizações, as metrópoles e as megalópoles, as bibliotecas, a biblioteca de Babel e a Universidade, enquanto sistemas de linguagem, elas mesmas, são igualmente interessantes. Interessantes, porque no lugar da mesmice, da reprodução pura e simples, a exemplo do que Borges diz sobre a “cópula e os espelhos” provocam, propõem, inventam, reinventam, articulam-se com vistas a novas formas de ser e de estar no mundo. Transforma-se o mundo da linguagem pela transformação do mundo, enquanto linguagem que se retro-alimenta.

Prezados afilhados,

Entretanto, mais do que pelo dizer, a comunicação autêntica e autônoma se faz pelo não dito, pelo interdito... Pela liberdade, não pela censura. Pela criatividade, pela ruptura. Não pelo “Abre-te Césamo”;. Não pelo Não pelo veredicto. A Comunicação, portanto, se realiza mais no campo do desejo, do imaginário, da necessidade de se romper este abismo, do que pelos processos e modelos, racionalmente concebidos, para dissimular e, ao mesmo tempo, manter o sistema de dominação vigente. Para quem se propõe verdadeiramente se comunicar vale mais o desejo do outro, do interlocutor, sua capacidade imaginativa de interpretação e de construção de sentidos, elaborados, criados a partir do arranjo comunicacional disponibilizado.

A comunicação verdadeira não se restringe à decodificação, unilateral e linear de códigos bem o ou mal estruturados. Não é absurdo considerar o mundo, o universo, meio e mensagem. Babel e espelho. Alfabeto e hieróglifo. Realidades que só se abrem pelo desejo, pela sedução, pelo encantamento, pelo sentimento. Não só pela poder.Pela força de qualquer ordem ou natureza. Pela força, a comunicação não acontece, nunca. Sempre surgirá um ruído a sujar a mensagem para perturbar a interpretação, para prejudicar a compreensão da realidade, da verdade dos fatos.

Meus afilhados,

A essa altura, vocês devem estar ansiosos e se perguntando: esse nosso padrinho ficou maluco de vez. Falou, falou e, ate agora, quase não se referiu ao Jornalismo. Será que não vai falar nada sobre a nossa nobre, pobre e esnobe profissão? Quero apaziguar os ânimos e a matar a curiosidade de meus caríssimos afilhados e das demais pessoas presentes, nesta noite inesquecível. É exatamente de jornalismo que estou tentando falar o tempo todo, não tenham dúvida.
Jornalismo, a “melhor profissão do mundo”, no dizer do “perioditaa” e escritor colombiano, Gabriel Garcia Márquez.

O Jornalismo, meus afilhados, é o próprio mundo em movimento. É o nascer e morrer de cada dia. É escritura permanente da vida e da morte, da história, das aventuras e desventuras do ser humano, todos os dias. Por isso, essencialmente fenomenológico. A verdade dos fatos, matéria prima e fonte de credibilidade do Jornalismo e do Jornalista, difere da verdade filosófica. Uma é fugidia, escapa entre os dedos diante da pressa e da pressão do “daed line”. A hora do fechamento de cada edição, de cada programa que precisa ir ao ar. O momento da morte nas redações. Evapora-se entre a produção e a divulgação da notícia. No intervalo que separa o leitor de sua leitura. Entre o espaço/tempo da leitura, a interpretação que ela provoca e a mudança de ponto de vista, o posicionamento do leitor, frente aos fatos, à realidade mediada. Midiatizada, portanto, por outra realidade que não a original. O fato mesmo em sua radicalidade acontece em outro lugar. Vem dessa fuga constante dos fatos, dessa rarefação da realidade, a importância e o papel do trabalho jornalístico, com destaque para a prática da reportagem. Ao bom repórter cabe revelar o que se esconde por trás do fenômeno, do que surge, à primeira vista,
como sendo a verdade. E qual é a nossa verdade, hoje, o Brasil?

Poderia, a esta altura do campeonato, - não da Copa do Mundo - por os pés no chão. Tropeçar em algum paralelepípedo. Chutar o balde, diante de tanta imundície e desancar o Presidente da República que ultimamente vem fazendo tudo para merecer uns bons xingos: poderia falar da falta de profissionalização e de ética do mercado jornalístico, sobretudo o regional. Falaria dos baixos salários da categoria, da permanência dos provisionados, dos “precários “ e da expansão indiscriminada dos Cursos de Jornalismo. Da falta de qualidade no ensino de Jornalismo na maioria dessas faculdades. Poderia falar, ainda, do controle da informação, da liberdade de imprensa , da censura econômica , via agência de publicidade e outros conchavos. Falaria do desemprego, do subemprego. De como os patrões , sobretudo no interior, exploram os novos jornalistas. Dos riscos da profissão. Faria um inventário lamentável do número de jornalistas mortos no cumprimento de seu dever, no “front” da notícia, em várias partes do planeta.

Por fim, poderia apontar as mazelas, os desafios e oportunidades oferecidos pela profissão de Jornalismo. Poderia aé criar fantasias e falsas perspectivas para animar meus afilhados nesta noite festiva. Lamento desapontá-los, ms lebres são lebres e gatos se são pardos o são em qualquer momento e lugar. O bom jornalista não deve se confundir com a perfeição das imitações. Nem se curvar ao ritual de exéquias e de boas maneiras quando se trata de ver, de descobrir o que de fato está acontecendo.

Meus caros meninos e meninas, meus colegas de profissão”

Sigam, em frente, não olhem para trás, sob pena de se transformarem em estátua de sal. Penetrem “surdamente no reino das palavras”. Do verbo viver. Do signo delirante da existência. Mergulhem de cabeça , de corpo e alma, no mundo da linguagem. Não falsseem os fatos, sob nenhum pretexto ou condição. Não ludibriem o leitor. Não se vendam por nenhum tesouro. Não traiam, não subtraiam suas convicções. Procurem ver mais longe, além do brilho do “pircem” em seus umbigos ou no umbigo daqueles que comem e bebem ao seu lado, nos dias secos, caudalosos ou fartos. Não sejam nem tanto mineiros, nem tanto, o contrário. Cuidem para não se cegarem, perderem-se sob as luzes dos holofotes. Lembrem-se: jornalistas não são tão importantes, como se julgam: menos ainda os proprietários de veículos, os empresários, os negociadores de informações ou, em muitos casos, traficantes de influências.

Importantes são os leitores. A verdade dos fatos, a realidade, a postura ética que orienta a abordagem e o tratamento destes fatos, desta realidade. Se alguém se sente incomodado pela realidade da qual eles são personagens ou protagonistas, pior para eles. Melhor para a ética. Fica decretado, diria Tiago de Melo, que vale a realidade, o relato objetivo, correto e coerente que dessa realidade, honestamente tentam, todos os dias, fazer os jornalista, o repórter. A verdade dos fatos é mais eloqüente e crível e a confiança e a credibilidade são a essência do Jornalismo sério e comprometido com a defesa intransigente dos direitos essenciais do cidadão. Estes direitos estão descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, garantidos pela Constituição Brasileira e corroborados pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

Do respeito cotidiano a estes princípios dependem a credibilidade do jornalismo e o êxito profissional do jornalista. O êxito de cada um de vocês. Êxito, que nem de longe se traduz em sucesso, quer pelo “status” que a profissão proporciona, quer pelo maior volume de dinheiro que alguns profissionais de destaque conseguem ganhar com honestidade.

A verdade dos fatos, a transparência profissional, a equidade no trato com as fontes e os colegas de trabalho são mais eloqüentes que qualquer retórica balofas, que como toda a estratégia narrativa visa mascarar a realidade, proteger pessoas culpadas, defender interesses particulares ou de grupos a troco de benesses e “jabaculê”. A médio e longo prazos ,expedientes dessa natureza se mostram ineficientes e prejudiciais ao indivíduo, ao profissional e, principalmente, ao conjunto da sociedade.

Ruben Alves, em sua pertinente crítica à falta de criatividade e de ousadia da maior parte dos candidatos aos cursos de pós-graduação da Unicamp, observa que a maior parte desses futuros mestres e doutores são hábeis devoradores e recitadores de livros, mas são incapazes de criar, eles mesmos, pensamentos fortes e originais. Pensamentos que já sendo, no ato de pensar, uma ação afirmativa, possam contribuir para modificar o conhecimento, as ciências. a cultua e as artes do ambiente onde atuam. Podem, assim, transfigurar a face do Universo.
Em seu livro “Cartas a uma jovem socióloga”, lançado em 1970, o conhecido sociólogo francês Alain Touraine recomenda: "É preciso abandonar as utopias e profecias, ainda que catastróficas, para analisar o movimento, desconcertante, mas real, das relações sociais". Eu digo-lhes, é preciso analisar o movimento desconcertante, mas real, das relações sociais sem abandonar as utopias que poderão tornar as profecias mais catastróficas em um concerto de possibilidades e esperanças mais harmônicas.
Lá fora, avança uma grande noite. É verdade, também, que muitas estrelas tremem, teimam em constelar seus brilhos para juntas iluminarem o Universo. Para vocês, caros afilhados, o futuro se iniciou no gesto amoroso de seus pais.Quando cada um de vocês foram concebidos em carinho e esperança. Hoje, estão dando mais um importante passo. Muitos outros passos serão necessários para que cada um conquiste o seu objeto de desejo. Vença seus próprios abismos. Nunca se sintam realizados, pois, neste momento, se tornarão iguais aos milhares de fantasmas que trafegam pelas ruas e praças deste país: são mortos-vivos em busca de notoriedade, de fortuna fácil, de falsa felicidade.Em busca daquela mesma “glória vã e da vã cobiça, a que chamamos fama” registrada por Luis de Camões no seu, no nosso “Lusíadas”.

Levantem a cabeça, sem perder a humildade, encham o peito de ar e rompam as inexistentes portas deste “mundo, vasto mundo”. Não se esqueçam nunca deste momento luminoso, início do que poderá ser uma longa e bela trajetória humana e profissional. Agora, quero lhes fazer um pedido pessoal, de padrinho e de companheiro de profissão: não se afastem muito...Não se afastem, diria Drummond.

Valho-me da linguagem, única arma em que acredito, para lhes dirigir minhas últimas palavras nessa noite. Confesso que até este momento, foi a alegria que me tomou pela mão.Quanto à honra, cabe a vocês, meus afilhados, decidirem se realmente fiz por merecê-la. Não perderei mais a alegria que vocês me proporcionaram, diante das vicissitudes da vida e dos grosseiros desatinos do ser humano.

É por isso que, sem medo de ser ou esnobe ou esdrúxulo, valho-m de uma palavra “fora de moda”, dessas que parecem adormecer no aconchego do dicionário, mas, ao menor ruído, despertam-se e se colocam como sinais, em plena encruzilhada.

Trata-se da palavra “sapientia “ que, desde o início de meus estudos clássicos, me leva a admirar pessoas anônimas e sem letramento oficial. Mundos e pessoas à margem, linguagens periféricas, pelos quais só pessoas, jornalistas ou não, armadas de sensibilidade ética e de comprometimento político e social, conforme ensina Paulo Freire, por meio das diversas vertentes e verdades de suas Pedagogias, podem se interessar. Destaco a Pedagogia da Autonomia como ensinamento propício para orientar a ação dos jornalistas, para regar a Terra ameaçada e propiciar o renascimento de um humanismo integral, livre e libertário! Proponho o ressurgimento, entre nos, da palavra SAPIENTIA : “nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível”.

Para encerrar, abro as portas nem sempre largas da linguagem, recorrendo-me, uma vez mais, ao pensamento sempre luminoso e sedutor de Roland Barthes:

Produz sem apropriar-se
Trabalha sem nada esperar
A obra terminada esquece-a
e porque a esquece
a obra permanecerá.

Um largo abraço fraterno e confiante do sempre amigo, João Evangelista.



Arcos, 07 de julho de 2006.
João Evangelista Rodrigues

sábado, 8 de julho de 2006


Copa do Mundo
A paixão fora do lugar

João Evangelista Rodrigues


Os brasileiros assistimos estarrecidos ao último capítulo da Copa do Mundo. Novela grotesca que vai ao ar de quatro em quatro anos. Na mesma época das eleições presidenciais.No caso da Seleção Brasileira, eliminada pela França as cenas finais não surpreenderam, embora tenham provocado irreparáveis estragos no coração de muita gente. O sonho do Hexa, substituto para necessidades e esperanças mais urgentes, foi adiado, só Deus sabe para quando.
Quanto a escolha do novo presidente, só a partir de agora o jogo começa a se esquentar.Se na disputa da Alemanha, os brasileiros só podíamos assistir a derrota passivamente, na disputa de Brasília todos somos jogadores muito especiais. Cada eleitor é uma estrela. Sem cartolagem nem patrocinadores para encher o saco ou manipular os resultados. Somente o eleitor com sua visão crítica, com suas dores crônicas. Com sua consciência política cada vez mais a aguçada. Compromisso ético, transparência e qualidade total deveriam ser também atributos do jogo político.

Nas quartas de finais da Alemanha, tudo se passou como se aquele fosse um jogo virtual. Duelo de sombras. De fantasmas. Verdadeiro pesadelo. Os franceses venceram esportiva, espiritual e moralmente. Os brasileiros não reagiram. Não lutaram. Não se mexeram em campo. Não mudaram suas táticas, nem se indignaram. Um vexame! Aceitaram simplesmente a hegemonia do adversário que, mais uma vez, tiraram de letra nossa alegria, já minguada.

Na Alemanha brilham a força, a disciplina e a tradição da Europa contra o romantismo e os salamaleques do terceiro mundo. Os colonizadores, os dominadores e invasores de continentes desta vez foram longe demais: espezinharam o orgulho brasileiro e no seu lugar decretaram, com um gol de morte, o luto, a vergonha nacional.

Vergonha, não pela derrota em si, mas pela forma como fomos derrotados. O circo estava armado para a revanche, para a desforra, embora todos os entrevistados ligados de alguma forma à seleção brasileira negassem tal sentimento. Mas dava para ver pelos seus semblantes o que se passava no coração dos jogadores e dos dirigentes As brincadeirinhas ingênuas, as piadinhas decoradas, as matérias adocicadas, as entrevistas semi-estruturadas, nada conseguira disfarçar a fragilidade emocional do grupo. Mis uma vez ficou claro que vingança e ódio em nada ajudam, sobretudo nas situações limites.
E foi assim. Na lateral do gramado, o técnico Parreira parecia petrificado diante do que via. Zagalo se curvou aos azares da sina. O relógio corria mais que nossos jogadores. O tempo foi passando, passando, como sempre costuma passar, estejamos ativos e atentos ou de braços cruzados. Eternamente deitados em berço esplêndido. Não havia espírito de luta nem de liderança. Não houve iniciativa nem determinação. O exemplo da seleção Portuguesa, de Felipão, passo bataido. Nem a derrota da Inglaterra! Orgulhosos, seus craques lutaram até à exaustão, até o último instante.

Mas o Brasil! Ah, o Brasil! Ninguém viu, nem quis saber.Afinal, somos ou não somos “os melhores do mundo?”. Somos penta-campeões, é verdade, mas ficou provado que titulo não ganha jogo. Nem o tão proclamado peso da camisa. Futebol se ganha em campo. Isto sim, jogando noventa suados minutos.

Pagamos o preço da empáfia, do ledo engano que assolou o país nas últimas semanas. Na hora do duro, no momento da decisão, ninguém assumiu o leme. O lance. Assim, à medida em que o tempo corria, o barco afundava, com todos os brasileiros a bordo.

É isso! Ganha-se fama e morre-se na cama. Na grama. No mar da glória e de grana. Até que em um certo momento, a casa cai.A máscara cai. A faicha cai para todos os brasileiros; existe coisa mais importante na vida que o futebol. E no lugar dos aplausos, são as vaias a música de fundo para a o final triste e inexplicável de mais uma novela burlesca na telinha.

Se, pelo menos, nossos atletas tivessem se empenhado, suado a camisa, ficado nervosos, chorassem de vergonha ou de raiva! Não, nada disso aconteceu. Nada mesmo! Continuavam em campo, vendo o tempo passar, trocando bola, como em uma divertida pelada no clube, entre amigos, em uma dessas descomprometidas manhas de domingo. Faltou atitude. Faltou paixão.Faltou futebol, talvez. Se pelo menos lutassem, todos aplaudiríamos nossos “heróis” quando abatidos pisassem o chão do Brasil. Na verdade, grande parte dos integrantes da seleção brasileira não irá retornar, pois, já moram na Europa. Longe como estão de nossa gente e de nossos problemas econômicos, políticos, e sócio-culturais, pouco se lhes importam as lágrimas do povo, sobretudo das camadas subalternas.

Que o povo brasileiro não siga o mau exemplo dado por nossa seleção no grande jogo eleitoral que agora se inicia. Que nossa gente entre em campo disposta a lutar, a discutir, a defender seus direitos de cidadãos. Que todos possamos desfrutar a alegria de ver a nação brasileira, em todos seus quadrantes, mais rica e mais feliz, Mesmo que o Brasil não tenha conquistado o título de Hexa Campeão do Mundo. Não há vergonha nenhuma em perder um jogo, mas o que não podemos é perder nossa dignidade de pessoas, de nação livre e democrática. Nem perder esse jogo, nem entregar nosso país aos detentores do poder mundial.

O que todos os brasileiros estamos precisando é de atitude. De postura. De vergonha na cara. De consciência política.De ética. De educação e cultura. Sem esses atributos não se pode construir um Nação de verdade.Muito menos virar um jogo bastante desequilibrado que começou a mais de meio século. Todos em campo, portanto, para defendermos as nossas riquezas espirituais e naturais, nossa cultura. Nossos valores éticos, só assim poderemos torcar, compartilhar, em condições de respeito e igualdade, o que somos e o que temos com os outros povos do Mundo.

Mais uma vez a paixão estava fora do lugar, por isso perdemos o jogo. Por isso sofremos tanto! Nossa seleção saiu à francesa, mas os brasileiros continuaremos em campo, firmes e atentos. Prontos para viver e sermos felizes. “Adieu mes amis” , diria Zinedine Zidane.

domingo, 25 de junho de 2006







A cidade Visível
joão evangelista rodrigues

Fascinantes e devoradoras, as cidades são uma espécie de esfinge universal e contemporânea. Labirinto alucinante e misterioso. De um lado, se oferecem à decifração. De outro, trancam-se em sua fome de tempo e de desejos, a exemplo das conchas. Das nozes. Dos rochedos e sarcofres. Em alguns casos, lembram cenário de teatro de tão artificiais e descartáveis. De concreto restam os cemitérios, os templos, os museus, palácios financeiros e fábricas de ódio, de ócio e desolações. Realidade insólita, solitária , às vezes, além das linhas invisíveis da imaginação.

Certas cidades possuem magia irresistível. Há quem se apaixone por suas formas arrojadas e excessivas só de ouvir seu nome. Cidades iguais e diferentes pelo que negam a seus amantes. Delas, guardam-se mapas, máculas, fotografias e recortes de jornais. Decoram-se monumentos e bairros, avenidas e ruelas. Terrenos baldios e ruínas. Geografias insuspeitas em noite branca.

Tudo se passa como se a cidade se erguesse, láctea imponente. Inscrita no corpo de cal de cada um de seus habitantes. Escriturações calcificadas em silêncio na mente e no coração dos homens. Cidades são manhãs de sol, tardes chuvosas. Madrugadas insones, personagens trancados em si mesmos. Ensimesmagens inesquecíveis. Janelas sobre vazios. Horizontes de cimento, irregulares e curvos.

Infinita em sua idêntica pluralidade, uma cidade sempre escapa ao ardil do verbo, à curiosidade circunstancial das mãos. Escapam sempre, de alguma forma, sob algum aspecto. Ângulos inusitados. Inacessíveis e ardentes em sua procura subterrânea.

O olhar urbano é assaltado, a cada instante, por uma multidão de imagens raras, rarefeitas. Saturado do nada ver, o olhar perde sua perspectiva, sua capacidade de instaurar o novo , de discernir seu real objeto de desejo: a verdadeira cidade, espaço de convivência, de criatividade e exercício da cidadania. Cidade em sentido pleno. Com suas ruas e praças, com seus jardins e insetos luminosos.

Uma cidade, não um circo onde se troca o pão de cada dia por muito suor e pouco alumbramento. Não apenas um círculo de influências, de confluências inconvenientes e convencionais. Menos ainda um circuito elétrico - eletrônico - cibernético, cujo acesso depende de chaves, palavras mágicas, senhas e simulações dos diversos tipos de poder. Poder central, centralizador, ordenador de sentimentos, de sonhos e dessentidos. De uma ordem ética e estética preconceituosas e excludentes. De uma lógica ambígua, permissiva e perversa. Velada e violenta.

O olhar do leitor se deleita, turva-se ante a profusão e a velocidade das imagens translúdicas. Figuras em trânsito. Transitórias. Personagens em transe. Mal emergem do fluxo óbvio das coisas ululantes e já se dissipam. Olhar em tumulto. Estigmatizado pelo excesso, pela vacuidade. Olhar urbano. Em branco. Em bandos. Olhar sem dono. Abandonado ao nada, ao caos.

Gestos igualmente terraplenados, , dragados pelo tempo. Desecologizado. Não olhar de dragão, capaz de ir mais fundo, em lâminas, em sua sede de fogo. Em sua fome de pedras e eucalíptos.. De se erguer de cimento, o sonho, a imagem e semelhança da cidade que não se vê. A que em letras e metáforas se se oferece e se multiplica..

Afinal, para quem sabe olhar, uma rua é letra, por menor que seja o pingo de sangue no mapa do planeta. Uma cidade é mais que seu corpo exposto aos rigores cegos do tempo. Aos seus rumores e manifestações.

A cidade que não se vê, esta, é que resiste entre muros de lamentações e arcos de triunfos com suas ruas e ritmos interioríssimos. Esta, a que se oferece a descobertas, a leituras infinitas.

Cidade inaugural, que se faz de memória a metamorfose, às vésperas do Terceiro Milênio. Signo de esperança e de esquecimento. Única e igual a todas as cidades do mundo.



Do livro, " A Oeste das Letras". Ed.Santa Clara - 1997


a pedra o início da metáfora
a matéria bruta seus derivados
a pedra o sacrifício da forma
a metamorfose brusca da forja
a pedra a visão obrigatória
a moderna úlcera da urbe
a máscara ebúrnea da memória
seu labirinto lúdico seu orgulho
a pedra confissão e abismo
o lado íngreme do futuro
o abutre a fauna a fúria a flora
a pedra o cinismo do muro
a oficina cíclica do lucro
a pedra seu silêncio absoluto
o signo extremo da morte
seu domínio no escuro
a pedra encima do túmulo
a pedra o cisma o tumulto
a pedra em si simulacro
o ponto de equilíbrio do túnel
o designo da palavra seu avesso
o mundo elevado ao cubo
o concreto enigma de tudo a pedra

O sotaque peculiar
da Cozinha Mineira


João Evangelista Rodrigues

Em Minas, a cozinha é mais que o lugar onde fica o fogão. É espaço privilegiado de convivência. De troca de saberes e sabores. É onde se puxa assunto por qualquer dê cá uma palha. Onde tudo se transforma em desculpas um almocinho singelo, uma jantinha de nada. Tudo sempre acompanhado de apetitosos tira-gostos, deliciosas sobre mesa e, é claro, um cafezinho feito na hora. Tudo de ver o fogo animando em labaredas as panelas borbulhantes. Em alguns casos, a linguiça , o toucinho e o milho de pipoca expostos ao tempo em varaais ou arames. E quanto mais velhos e enfumaçados melhores para o sucesso da culinária caseira.

Este gosto pela cozinha. Pelo seu calor de fogão de lenha continua vivo, mesmo na cidade grande. Na grande Belo Horizonte, hoje com ares de metrópole e assanhada pela famigerada modernidade. O certo é que nada neste mundo consegue apagar da lembrança e do coração dos mineiros, mesmo dos que nasceram na Capital, este gostinho especial pelo lugar-cozinha.
Lugar mágico e de complicadas alquimias culinárias. Pois engana-se quem pensa que cozinhar é arte fácil.

Ao contrário, requer conhecimento, tradição, experiência. Tudo isto misturado a um certo prazer e refinamento de paladar. Coisa que nem todo mundo tem. Nem gente abastada, às vezes. É coisa de herança , de berço. Cozinhar é arte. Cultura. Ofício Que se aprende no dia a dia das casas. Forma peculiar de agradamentos e conquistas de simpatia. Até casamento se arranja mais fácil, quem em Minas, sabe os segredos de tal excelente arte. Se você duvida, pergunte os moços e a moças que enfeitam as paisagens das várias Minas. Ou você nunca brincou de casinha com suas primas e irmãs e de saborosos guisados à sombra das árvores escondidas no quintal, bem lá no fundo da horta.

Em Minas, cozinha é espaço consagrado, de encontros e congraçamentos. Onde cheiro e sabor deliciosamente se misturam. Perfumam o ar. Invade as narinas feito igual cheiro de chuva primeira na estrada de terra ou no curral do gado.

E nem é preciso citar o nome das hortaliças e legumes, das folhas de cheiro e das pimentas para aguçar o apetite. Basta lembrar suas formas e cores, as possíveis combinações, os enfeites dos pratos, as diferentes maneiras de se preparar, por exemplo, o populríssimo feijão. A farofa. A paçoca. A pamonha e tantos outros jeitos gostosos de enganar a fome visceral, alojada sabe-se lá ao certo onde. Poruque se a raiva e a fome são coisas do homem , nada mais triste e enraivecedor
dessa terra.

Que comida é mais de se comer com os olhos , isto todos os mineiros de raça sabem. De primeiro são os olhos que passeiam pelas panelas, travessas e bandejas conforme seja o caso e a ocasião. Depois é a boca que se enche d' água. Por fim aquela cosquinha manhosa no fundo estômago e pronto. O olho fica maior que a barriga e adeus regime porque mineiro nenhum que se preze é de ferro. E tudo são desculpas para mais um pedacinho de frango, um pouquinho de caldo sobre o arroz branquinho de doer a vista. Nem é preciso falar no angu, no tutu, na linguiça , no lombo, na couve , na dobradinha. Quem ';e mineiro sabe , conhece, saboreia tudo , mesmo sem comer. Só de pensar com o pensamento viajando interiores antigos e enigmáticos.

Em Minas, a cozinha tem um sentido muito particular . Cheio de carinho, amizade e simpatia. Um lugarzinho aconchegante, de conversas amigas e bem temperadas. Onde a pimenta é colocada no momento certo, no ponto. Onde o cheiro é convite a demorar mais um pouquinho, para esticar a conversa, puxar assuntos os mais diversos com sotaque que vem de longe lá das bandas do interior de Minas. Assuntos inconfidentes, em liberdade, sobre tudos, arte, cultura, lazer, negócios, sonhos e amores.

Ttudo conforme seja, sem tirar nem por, porque amor é força primordial, a que realmente move o mundo e a vida. Ambiente de saboreamentos de palavras e melodias raras. Escolhidas a dedo.

Em Minas, cozinha não é apenas um lugar. Em um cantinho cheio de ternura e encantos, onde o corpo e o espírito se realimentam e buscam apaziguamento necessário para enfrentar e construir o cotidiano. Cozinha é festa, fartura e confraternização. É coisa de se comemorar com aperitivo de primeira , doce de leite, queijo e goiabada cascão. É ou não é?



confessional

nunca fui de mentir
não minto
escrevo com o sol na cara
na tela do micro
sou meio cego
vejo mais do que permite
o olhar domesticado
menos do que almejo
vivo à deriva do sem desejo
não tenho medo da morte
a vida me assusta
a morte é meu adereço
toco o espelho com o dedo
quando acordo
quando penso que acordo a cada
amanhã
verifico se ainda estou vivo
se meu coração expulsa o sangue ruim
se a memória do computador
não se apagou
sempre vou para onde preciso ir
para onde quero raramente vou
de sina herdei a escritura púrpura
figura oculta no submundo da pele
não sei
não invento
não copio estilos
somente escrevo o já proscrito acervo
um cervo cavalga na vidraça
do céu sem nuvens
todos os dias a luta recomeça
peça por peça
do mesmo sem fim quebra-cabeça
dura batalha- palavra ex-tinta
ilha entre águas
e vertentes
entre algas e vertentes
entre agruras e videntes
sei que nenhum caminho leva a Roma
que o rei está em coma
que tudo por aqui Sodoma
acumula insulta afronta
sigo o aroma das flores no cerrado
mais abelha do que homem
não fosse o riso
o comprimento do abdome
rios e córregos me umedecem
somente a poesia me interessa
a que do oeste anda urge decifrar reunir
em lentas leituras
Bueno de Rivera
Adélia Prado
Emilio Moura
a palavra sincera me procura
mais que úlcera
mais que a areia no intestino come
me espera do outro lado do rio
o rio Santana não divide nada
tudo é sem fronteira sem limite
a geografia é invenção desumana
acaba com o tempo o nome se transforma
em mato e pedra a ruína da casa
a escola em asa para a poesia
o gavião de espreita espia
pássaro mais frágil pia
o urubu não foge
nuvem mais alta escolta
se não há remédio para a vida
se aa morte não tem volta
escrevo do que resta o que sinto
o instante me alucina
a lucidez não me doma nem seduz
é instrumento só de desenlouquecer
a conveniência da razão me entristece
ser não sou
estou
stop
let”s golll
não troco farpas nem favores
o poder me ensandece
falar não deveria nem ouvir
sentir somente seguir a sina
do que não se sabe e sente
o que mais a frente me ocorre
acorda pássaros de pedra
manhãs impassíveis

minha sombra entre falsos-signos se evapora

sábado, 24 de junho de 2006







o canavial alimenta-se de homens
alimenta-se de sua alma insone
do sem nome o canavial se alimenta
alimenta-se da fome do homem
da escrita anônima sem fontes
da paisagem branca sem ressonâncias
com suas leiras infinitas
alinhadas reentrâncias
labirintos de escombros

sob céu sem plumas
mais que um cão sem dono
em dia de sol monótono
sob céu sem nuvens sem sombras
canavial aqui é mar macabro
de monstros hediondos
marcado de ventos nortificantes

a paisagem nele tudo de passagem
só assombros são





A DESVENTURA DO PRESIDENTE QUE SE PASSOU POR ATLETA


E DE TANTO CORRER DEMAIS, PERDEU O TREM DA HISTÓRIA









oão Evangelista Rodrigues
Belo Horizonte, setembro de 1992.





I PARTE



















vou contar esta história
para aqueles que virão
pois a vida é transitória
só não passa a emoção
mas muita gente não viu
o que vi na eleição
quando o Brasil coloriu

não vou falar do futuro
pois não faço profecia
meu canto é claro e seguro
me apresento à luz do dia
mas muita gente não viu
o poder da poesia
quando o Brasil coloriu


vou pedir a zabelê
ao tatu e ao quati
mas também peço a você
e a quem não conheci
mas muita gente não viu
do azedo abacaxi
quando o Brasil coloriu

já pedi ao pai-da-mata
à mãe d’água e caipora
a magia da cascata
onde a poesia mora
mas muita gente não viu
a cultura indo embora
quando o Brasil coloriu

das Gerais peço licença
Patativa do Assaré
canto na sua presença
cabra de nome e de fé
mas muita gente não viu
e andou de marcha-à-ré
quando o Brasil coloriu



Bráulio Tavares Tadeu
tudo que é repentista
mesmo até quem não nasceu
já entrou na minha lista
mas muita gente não viu
e dançou fora da pista
quando o Brasil coloriu

peço licença a Xangai
Gonzaga Téo Azevedo
comigo o verso não cai
na tentação do enredo
mas muita gente não viu
o seu doce mais azedo
quando o Brasil coloriu

licença peço a meu pai
a minha mãe afeição
ao Velho Tote aqui vai
a minha admiração
mas muita gente não viu
a morte brotar do chão
quando o Brasil coloriu

eu assisti fui prá rua
gritei briguei fiz pirraça
pintei a cara da lua
pintei os muros da praça
mas muita gente não viu
o veneno dessa taça
quando o Brasil coloriu












II PARTE


todo o céu ficou escuro
o oceano bravio
o presente e o futuro
tudo de ponta a pavio
todo poeta sentiu
o calor ficando frio
quando o Brasil coloriu

o Amazonas já secou
mar de Minas não vai bem
a Pampulha evaporou
falta chuva em Belém
mas muita gente não viu
o Farol de Santarém
quando o Brasil coloriu

Amapá caiu do mapa
Paraná se despencou
Mato Grosso não tem mata
a Bahia se alagou
mas muita gente não viu
o que a peneira tapou
quando o Brasil coloriu

Pantanal se espantou
o Planalto estremeceu
jacaré se complicou
o macaco se perdeu
mas muita gente não viu
o que aqui aconteceu
quando o Brasil coloriu

Sapo-boi veio do céu
o saci deu cambalhota
urubu ficou pinel
a raposa idiota
mas muita gente não viu
o morcego e a marmota
quando o Brasil coloriu

o Corínthians ganhou jogo
até mesmo sem jogar
Interlagos pegou fogo
o que há prá se esperar
mas muita gente não viu
centopéia espernear
quando o Brasil coloriu

Mãe de Santo ficou louca
Oxalá desabafou
se Xangô dormiu de touca
Iançã já se tocou
mas muita gente não viu
que Zumbi ressuscitou
quando o Brasil coloriu

os anjos da catedral
fizeram greve de fome
a boiada no curral
espantou cavalo e homem
todo poeta assistiu
Jesus virar lobisomem
quando o Brasil coloriu

ninguém entendia nada
verdade virou mentira
banana deu goiabada
pica-pau é piruvira
nenhum poeta sorriu
quando o povo errou a mira
quando o Brasil coloriu












III PARTE


Na campanha violenta
dominou a Rede Lobo
platinada e barulhenta
devorando o próprio povo
mas muita gente não viu
que o ouro é de tolo
quando o Brasil coloriu

quem comprou voto é falsário
quem vendeu voto é ladrão
quem vendeu é salafrário
quem comprou é tubarão
mas muita gente não viu
do negócio a maldição
quando o Brasil coloriu

maracutaia propinas
benzeção tição cruzado
alcatrão e gasolina
simpatia e mal olhado
mas muita gente não viu
o feitiço enfeitiçado
quando o Brasil coloriu

grande parte dos mineiros
votou contra a história
sem memória sem herdeiros
viverá a vida inglória
mas muita gente não viu
o peso da palmatória
quando o Brasil coloriu

em São Paulo a coisa é feita
só se pensa em trabalhar
com o pé preso na peia
e a garoa no olhar
mas muita gente não viu
o paulista de danar
quando o Brasil coloriu

lá no Rio foi samba
sempre fora da bitola
cai na festa quem for bamba
não tem vez para Cartola
mas muita gente não viu
quem ganhou perdeu a bola
quando o Brasil coloriu

o Arraias bem liderou
os rincões de Pernambuco
onde a Frente conquistou
sem se dar ao fácil lucro
mas muita gente não viu
que o homem virou suco
quando o Brasil coloriu

trinta anos de espera
de combate e rebeldia
por mais trinta primaveras
o meu povo esperaria
mas muita gente não viu
que aquele era o seu dia
quando o Brasil coloriu

a esquerda reunida
tinha uma só razão
ver a pátria redimida
de tamanha escravidão
mas muita gente não viu
renegou a comunhão
quando o Brasil coloriu













IV PARTE


sete chifres bem na testa
no olhar fosso profundo
sobre o corpo homem-besta
os sinais de outro mundo
mas muita gente não viu
nem o professor Raimundo
quando o Brasil coloriu

ele tem um pé de pato
coração de ariranha
cheira a bode e não é gato
tem do cão a artimanha
mas muita gente não viu
e não viu por ser tacanha
quando o Brasil coloriu

no palanque fez sucesso
bem vestido e irritado
agressivo e possesso
feito lobo encantado (encurralado)
mas muita gente não viu
o avesso do processo
quando o Brasil coloriu

um galã de Ipanema
tipozinho bem lampeiro
um herói de mau cinema
ou turista em fevereiro
mas muita gente não viu
essa pinta de estrangeiro
quando o Brasil coloriu

descendente da elite
um atleta elegante
não somente admite
como afirma com rompante
mas muita gente não viu
a justiça mais adiante
quando o Brasil coloriu

caçador de marajá
sujeitinho refinado
nunca viu carne de pá
só filé encomendado
mas muita gente não viu
o mal cheiro do jabá
quando o Brasil coloriu

correu montado em jumento
ora pois vê se podia
merecer sacramento
da santa democracia
mas muita gente não viu
não viu porque não queria
quando o Brasil coloriu

Karatê Kid nervoso
deu um salto em plena sala
terrível tenso e tinhoso
lá na tela se abala
mas muita gente não viu
a faixa cair na vala
quando o Brasil coloriu

seu nariz é de Pinóquio
é maior que o Planalto
de Alagoas vai a Tóquio
seu espirro é muito alto
mas muita gente não viu
o barulhão do assalto
quando o Brasil coloriu













V PARTE

a eleição não deu outra
foi difícil de engolir
os fantasmas andam soltos
botam para demolir
mas muita gente não viu
a esperança ruir
quando o Brasil coloriu

o resto você já sabe
a imprensa divulgou
o certo é que não cabe
e contar tudo não vou
mas muita gente não viu
o Cruzado que levou
quando o Brasil coloriu

a grana sumiu da praça
cultura foi destruída
INAMPS virou trapaça
Corrupção fez a vida
mas muita gente não viu
o traje roer a traça
quando o Brasil coloriu

a coisa ficou patética
mais que filme de terror
todo o mundo fala em ética
pouca gente praticou
mas muita gente não viu
todo valor resvalou
quando o Brasil coloriu

os recursos vão embora
vão morar no exterior
em vez de justiça agora
a falácia virou flor
mas muita gente não viu
direito mudar de cor
quando o Brasil coloriu

agora vale a esperteza
a falsidade e a ironia
foi assim que a tristeza
tomou conta da alegria
mas muita gente não viu
o que o poeta já via
quando o Brasil coloriu

a nação ficou doente
a pátria cheia de estrias
quem preside o presidente
pode ser PC Farias
mas muita gente não viu
o clamor das três marias
quando o Brasil coloriu

no Congresso a luta engrossa
devagar o cerco aperta
o presidente faz torça
mas a lei é mais esperta
mas muita gente não viu
a mancada do atleta
quando o Brasil coloriu

o povo corre pra rua
protesta e dança maxixe
quer por fim na falcatrua
lutando pelo in-pixe
mas muita gente não viu
a impostura do patife
quando o Brasil coloriu













VI PARTE


inflação virou comédia
moradia nem se fala
o juro acima da média
bate mais que a tala
mas muita gente não viu
pois quem viu já não se cala
quando o Brasil coloriu

tem menino abandonado
tem assalto e tem seqüestro
tem ladrão condecorado
o direito está canhestro
mas muita gente não viu
que o fruto era funesto
quando o Brasil coloriu

verminose com malária
varicela quem diria
uma elite milionária
um milhão com mixaria
mas muita gente não viu
recessão na economia
quando o Brasil coloriu

o povo conhece o resto
não carece enumerar
faço aqui o meu protesto
vem comigo protestar
mas muita gente não viu
que a hora é de lutar
quando o Brasil coloriu

eu não quero mais desgraça
segue em frente a poesia
onde há fogo há fumaça
diz a vã filosofia
mas muita gente não viu
o sinal da estrela guia
quando o Brasil coloriu

o poeta não tem medo
já cumpriu o seu dever
deu seu voto sem segredo
deixa o verso florescer
mas muita gente não viu
que podia renascer
quando o Brasil coloriu

eu assino este cordel
com o nome que bem quero
escrever é meu papel
não engulo lero-lero
mas muita gente não viu
o que vi e o que espero
quando o Brasil coloriu

a minha fala é direta
e ao leitor eu agradeço
já não se mede um poeta
pela medida do verso
mas muita gente não viu
a desordem do regresso
quando o Brasil coloriu

o meu nome é Brasileiro
João Poeta é apelido
se sou homem sou inteiro
sei que sonho tem sentido
mas muita gente não viu
o que aqui foi defendido
quando o Brasil coloriu








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A Saga da Vaca Louca



João Evangelista Rodrigues
Belo Horizonte,31 de março de l006.


se precisar não explico
pois não existe razão
se for curto o verso estico
para aumentar a tensão
eu traço o livro de graça
e boto o verso na praça
porque aguento o rojão

se o poeta for poeta
de nome de tradição
revela arte secreta
dispensa apresentação
e não escolhe o assunto
depois de morto o defundo
é corpo de estimação

a história que você lê
merece mais atenção
pois nem sempre a gente vê
um palmo acima do chão
o amor tem muitas caras
muitas caras são tão raras
amor de vaca é o Cão

de qualquer forma o leitor
vai gostar deste cordel
por qualquer forma de amor
vale a pena o escarcéu
eu por mim faço o que posso
como a carne e quebro o osso
e deixo a vaca pinéu

senhoras e meus senhores
estou com água na boca
só de pensar nos amores
dessa tal de Vaca Louca
ela parece animada
somente um pouco tarada
não sei se dorme de toca

eta vaquinha fogosa
bovina boa de papo
não sei se gorda ou mimosa
se magra feito um fiapo
ela se chama de musa
pra vaca é muito confusa
mas não dispenso o cardápio

imagino que ela seja
de boa raça e doidona
que não berre quando beija
mais novilha que matrona
por ser louca não me importo
vaca velha não suporto
nem bordando na poltrona

de peito grande talvez
dê leite com mais fartura
mas pode ser que a rês
engane por formosura
tem vaca pequeninha
que faz a coisa certinha
e ainda esbanja loucura

carne de vaca é macia
muito mais conforme a parte
toda a hora,todo o dia
pra comer precisa arte
no caso de tal vaquinha
prefiro toda inteirinha
de preferência “ a la cart ”

a julgar pela imagem
que de si mesma ela faz
esta vaca é sacanagem
de raça é tudo capaz
e por cima está sedenta
é mais quente que pimenta
no prato de Satanaz

anda cheia de desejo
igual o diabo gosta
promete um rio de beijo
assina,insiste e aposta
o amor não é vergonha
vaca do Jeqitinhonha
adora pastar de costas


pra ela não é problema
se o servidor ganha mal
é bem outro seu dilema
é louca de dá com pau
já tem três chifres na testa
será que esta vaca presta
ou é um falso animal


pelo jeito anda a perigo
mais que relógio atrasada
se gasta charme comigo
porque não manda assinada
carta sem nome não vale
por este mero detalhe
tudo pode dar em nada

vou lhe dar mais uma chance
minha vaquinha adorada
se fizer charme que dance
que paste noutra invernada
esta é a triste realidade
mas nem sempre a verdade
deve ser sacramentada

há muito mais de aparência
no dia a dia da vida
no fato da existência
não ter de fato medida
se a vaca fosse profeta
saberia que o poeta
de fato é boa pedida

deixo de lado a cantada
pois não sou boi nem machista
mas não retiro a cartada
Vaca Louca,não resista
vale a pena a brincadeira
salte logo esta porteira
mas não chifre o cordelista

e por aqui se encerra
a Saga da Vaca Louca
antes vou a Inglaterra
onde até Lady dá sopa
porém com vacas mineiras
faço amor e dou rasteira
afinal eu não sou trouxa

o poeta se despede
sem alarde ou covardia
pois o verso aqui não fede
nem tão pouco a poesia
se quiser meu endereço
faça certo pois mereço
da vaca a melhor fatia

........








A Brasília de Seu Raul


As Peripécias da Brasília de Seu
Raul pelas Estradas de São Tiago



João Evangelista Rodrigues

Março de 1999.




Depois da brasília amarela dos Mamonas Assassinas, a brasília mais famosa do mundo
é brasília de Seu Raul, lá em São Tiago, no interior das Vertentes de Minas Gerais.


O carro do seu Raul
é deveras engraçado
dentro dele tem de tudo
por isto é muito afamado
pras bandas de São Tiago
pra tudo quanto é lado
sempre é muito admirado

não é por razão à toa
tanta fama e atenção
já faz tempo que ressoa
por entre a população
o carro do Seu Raul
já rodou de norte a sul
espalhando sensação

Seu Raul já foi prefeito
segundo dizem dos bão
é homem sério e direito
senhor de bom coração
mas seu carro encomendado
parece almoxarifado
de um hospício do Japão

também parece oficina
pátio de circo mambembe
tem cheiro de gasolina
e por tudo que me lembre
este carro é diferente
de todo carro existente
até pelo nome atende

não é tanto pela marca
nem pela cor com certeza
parece mais uma arca
gorda esticada e obesa
uma Brasília enfeitada
amarela desbotada
mas que faz muita proeza

parece até fantasia
só acredita quem vê
dentro dele tem polia
peça de rádio e TV
tem um ninho de galinha
uma jibóia mansinha
não falta nada pra ter

dentro dele tem de tudo
o que se acha na estrada
ferro velho parafuso
alfinete almofada
tem até um colchão velho
um pedaço de espelho
uma cadeira quebrada

tem de tudo que a gente
imagina que precisa
quando da fé de repente
aperto maior avisa
tem lanterna e lamparina
cigarro pão margarina
faca gilete e camisa

há mesmo quem faz intriga
sobre essa tal condução
mas o seu dono não briga
pois briga é coisa de cão
leva tudo na esportiva
pois a vida mais festiva
dá mais graça e emoção

outro dia foi demais
veja o que aconteceu
até saiu nos jornais
e foi assim que se deu
o carro perdeu o freio
e o trem ficou tão feio
que até o chifre fedeu

foi na boquinha da noite
numa curva perigosa
a chuva com seu açoite
parecia pedregosa
bem no meio do asfalto
a dama de salto alto
pediu carona chorosa

se era viva não sei
nem se era aqui da terra
só conto o que escutei
a verdade aqui se encerra
Seu Raul perdeu o rumo
O carro perdeu o prumo
foi rolando pela serra

antes bateu numa casa
atravessou a parede
nem se o Trem tivesse asa
nem se Deus tivesse rede
o carro tava embalado
nem o mar engarrafado
mataria sua sede

pulou por cima da grota
venceu duas ribanceiras
atropelou vaca morta
quebrou só duas porteiras
o carro seguiu em frente
não perdeu sequer um dente
ao bater nas bananeiras

entrou na porta da igreja
foi para da outra banda
nunca vi tanta peleja
quebrou boteco e quitanda
êta carinho danado
sempre mais acelerado
sempre arribitando a tanga

levou no peito uma ponte
caiu lá dentro do rio
só feriu de leve a fronte
tremeu um pouco de frio
o boné do motorista
voou pra longe da pista
sumiu no capim macio

parecia um bode babo
quando perde a estribeira
o bicho abriu o rabo
e não perdeu a tranqueira
rodou pra tudo o que é lado
e nada ficou quebrado
juro não é brincadeira

o carro trombou num boi
deixou um burro aleijado
foi assim mesmo que foi
e nada foi inventado
bateu numa sucupira
se enroscou numa embirra
só ficou meio amassado

quem viu não acreditou
em tamanha estrepolia
o carro quase voou
por cima da ferrovia
se chocou num trem de ferro
buzinou gritou deu berro
enquanto o chofer sorria

mesmo dando cambalhota
salto mortal e chifrada
não amassou a capota
nem a porta foi quebrada
o carro bateu de pé
você sabe como é
nunca vi fé tão danada

é verdade que a forreca
agora está mais cambeta
só faz ligação direta
nem marcha – à – ré ela aceita
seu Raul não se importa
pois mesmo com a asa torta
chega bem na hora certa

o carro do Seu Raul
é a maior curtição
dentro dele tem tatu
tem cobra e escorpião
há quem diga com certeza
nele só não tem tristeza
pois isto não presta não

dentro dele tem lençol
tem tudo que se quiser
arame fita farol
tudo o que você disser
de tão cheio se arrebenta
mesmo assim seu dono tenta
colocar sua mulher

mesmo velho tem seu brilho
tem o maior farturão
uma lavoura de milho
um canteiro de feijão
só falta agora o quiabo
é um carro malcriado
anda só na contramão

por onde este carro passa
é motivo de sucesso
seja no asfalto ou na praça
eu juro digo e confesso
o carro é tão engraçado
tão diferente e enfeitado
que acabou virando festa

parece coisa de artista
nunca vi tanta armação
dentro dele tem revista
cola batom papelão
um carro assim semelhante
só vi em Belo Horizonte
só o do Grupo Galpão

espero que o seu dono
em nada me leve a mal
é que estava sem sono
e o carro é genial
seu Raul é meu amigo
não vejo nenhum perigo
em rir do que é real

por aqui eu me despeço
neste verso de cordel
nem no vento me tropeço
pois a vida é um carrossel
eu juro que é verdade
vi por cima da cidade
uma Brasília no céu
a notícia correu mundo
e não menos sem razão
é o que diz o Raimundo
e o Zé do Sebastião
parece coisa encantada
seu Raul dando risada
ao ver tanta confusão

o carro do Seu Raul
é deveras bem legal
é feito um museu de tudo
patrimônio cultural
que o leitor me entenda
esse carro virou lenda
atração municipal

se o leitor não acredita
no que aqui eu escrevo
por favor não faça fita
vá conferir o acervo
confira pessoalmente
não seja tão resistente

contra o que aqui escrevo
,,,,,,,,,





Tudo Isto é Cultura e Natureza





Exercícios hiperbólicos em torno da Literatura de Cordel




joão evangelista rodrigues






Fevereiro /1977


os trovões enfurecidos nas alturas
assustando os passarinhos lá no céu
e o raio que clareia a noite escura
feito as asas coloridas de um corcel
e as estrelas feito grãos de formosura
espalhadas nos desertos `a revel
desrespeitam a tal lei da gravidade
sempre em nome da harmonia e da beleza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

os vulcões vão vomitando a alma acesa
se arrastam pela terra incandescente
e os rios transbordando as represas
arrebentam as colunas e correntes
e o gado feito peixe sem destreza
vai morrendo sem berrar entre as enchentes
e o vento com mais força e liberdade
vai mostrando suas glórias e proezas
tudo isso é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

eos bichos pequeninos e espertos
a serpente o coelho e a raposa
o cachorro o tatu e os mais alertos
a cigarra a galinha a mariposa
o boi manso o leopardo e mais de perto
come junto a uma ovelha cor-de-rosa
uma hiena sorri com sinceridade
pois assim ela defende a sobremesa
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

e as cidades decadentes mais parecem
cemitérios sem razão só de tristeza
entre escombros simplesmente adormecem
pois a fome é pior que a pobreza
mesmo à noite as cidades se enfurecem
se entorpecem de aromas e torpezas
nas cidades não floresce a piedade
nem o amor se enamora da pureza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza


e os mares os riachos e florestas
viram cinzas no ocidente incendiados
e os magos das moedas fazem festas
se devoram entre si os convidados
e as batalhas mais brutais e desonestas
acontecem nos cenários refinados
acontecem por que vivem da maldade
de orgulho e de vil delicadeza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

e o barulho destas duras engrenagens
dirigindo as cabeças e as mãos
e as falsas tempestades nas folhagens
provocando acidentes e explosões
e o murmúrio das ruas e das margens
e a revolta das escravas multidões
são as formas mais terríveis de verdade
e das tintas mais ocultas da frieza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza


o concerto das marés dos oceanos
nos cenários dos teatros naturais
o enredo de cinemas mais humanos
as orquestras das auroras de cristais
os abismos mais profundos e profanos
das notícias das tevês e dos jornais
são inagens o perfil da humanidade
a linguagem da esperança e da leveza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura natureza

os desenhos das cavernas mais antigas
as cisternas os casebres e os castelos
as estradas as fronteiras inimigas
os fantasmas que habitam os espelhos
nos oásis das formosas bailarinas
os duendes as crianças e os velhos
são os mitos da história e das idades
são os gritos de quem sonha mais nobreza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza


e se todos os poetas do universo
se unissem neste mesmo sentimento
e se juntos escrevessem um só verso
na brancura do imenso firmamento
e se todos os humanos intelectos
se entendessem sem rancor e sofrimento
e apesar da fabulosa infinidade
tudo fosse conhecido com clareza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

tudo isto reunido em um só livro
reescrito nos diversos dialetos
e se tudo em vez de morto fosse vivo
fosse vivo e mais livre e mais concreto
fosse tudo mais moderno e primitivo
sem distâncias o sujeito e o objeto
livro aberto para toda a humanidade
ler em torno dos encantos desta mesa
tudo isto é sinal da realidade
seria tudo cultura e natureza




ooo