domingo, 25 de junho de 2006


O sotaque peculiar
da Cozinha Mineira


João Evangelista Rodrigues

Em Minas, a cozinha é mais que o lugar onde fica o fogão. É espaço privilegiado de convivência. De troca de saberes e sabores. É onde se puxa assunto por qualquer dê cá uma palha. Onde tudo se transforma em desculpas um almocinho singelo, uma jantinha de nada. Tudo sempre acompanhado de apetitosos tira-gostos, deliciosas sobre mesa e, é claro, um cafezinho feito na hora. Tudo de ver o fogo animando em labaredas as panelas borbulhantes. Em alguns casos, a linguiça , o toucinho e o milho de pipoca expostos ao tempo em varaais ou arames. E quanto mais velhos e enfumaçados melhores para o sucesso da culinária caseira.

Este gosto pela cozinha. Pelo seu calor de fogão de lenha continua vivo, mesmo na cidade grande. Na grande Belo Horizonte, hoje com ares de metrópole e assanhada pela famigerada modernidade. O certo é que nada neste mundo consegue apagar da lembrança e do coração dos mineiros, mesmo dos que nasceram na Capital, este gostinho especial pelo lugar-cozinha.
Lugar mágico e de complicadas alquimias culinárias. Pois engana-se quem pensa que cozinhar é arte fácil.

Ao contrário, requer conhecimento, tradição, experiência. Tudo isto misturado a um certo prazer e refinamento de paladar. Coisa que nem todo mundo tem. Nem gente abastada, às vezes. É coisa de herança , de berço. Cozinhar é arte. Cultura. Ofício Que se aprende no dia a dia das casas. Forma peculiar de agradamentos e conquistas de simpatia. Até casamento se arranja mais fácil, quem em Minas, sabe os segredos de tal excelente arte. Se você duvida, pergunte os moços e a moças que enfeitam as paisagens das várias Minas. Ou você nunca brincou de casinha com suas primas e irmãs e de saborosos guisados à sombra das árvores escondidas no quintal, bem lá no fundo da horta.

Em Minas, cozinha é espaço consagrado, de encontros e congraçamentos. Onde cheiro e sabor deliciosamente se misturam. Perfumam o ar. Invade as narinas feito igual cheiro de chuva primeira na estrada de terra ou no curral do gado.

E nem é preciso citar o nome das hortaliças e legumes, das folhas de cheiro e das pimentas para aguçar o apetite. Basta lembrar suas formas e cores, as possíveis combinações, os enfeites dos pratos, as diferentes maneiras de se preparar, por exemplo, o populríssimo feijão. A farofa. A paçoca. A pamonha e tantos outros jeitos gostosos de enganar a fome visceral, alojada sabe-se lá ao certo onde. Poruque se a raiva e a fome são coisas do homem , nada mais triste e enraivecedor
dessa terra.

Que comida é mais de se comer com os olhos , isto todos os mineiros de raça sabem. De primeiro são os olhos que passeiam pelas panelas, travessas e bandejas conforme seja o caso e a ocasião. Depois é a boca que se enche d' água. Por fim aquela cosquinha manhosa no fundo estômago e pronto. O olho fica maior que a barriga e adeus regime porque mineiro nenhum que se preze é de ferro. E tudo são desculpas para mais um pedacinho de frango, um pouquinho de caldo sobre o arroz branquinho de doer a vista. Nem é preciso falar no angu, no tutu, na linguiça , no lombo, na couve , na dobradinha. Quem ';e mineiro sabe , conhece, saboreia tudo , mesmo sem comer. Só de pensar com o pensamento viajando interiores antigos e enigmáticos.

Em Minas, a cozinha tem um sentido muito particular . Cheio de carinho, amizade e simpatia. Um lugarzinho aconchegante, de conversas amigas e bem temperadas. Onde a pimenta é colocada no momento certo, no ponto. Onde o cheiro é convite a demorar mais um pouquinho, para esticar a conversa, puxar assuntos os mais diversos com sotaque que vem de longe lá das bandas do interior de Minas. Assuntos inconfidentes, em liberdade, sobre tudos, arte, cultura, lazer, negócios, sonhos e amores.

Ttudo conforme seja, sem tirar nem por, porque amor é força primordial, a que realmente move o mundo e a vida. Ambiente de saboreamentos de palavras e melodias raras. Escolhidas a dedo.

Em Minas, cozinha não é apenas um lugar. Em um cantinho cheio de ternura e encantos, onde o corpo e o espírito se realimentam e buscam apaziguamento necessário para enfrentar e construir o cotidiano. Cozinha é festa, fartura e confraternização. É coisa de se comemorar com aperitivo de primeira , doce de leite, queijo e goiabada cascão. É ou não é?


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