sábado, 24 de junho de 2006






Tudo Isto é Cultura e Natureza





Exercícios hiperbólicos em torno da Literatura de Cordel




joão evangelista rodrigues






Fevereiro /1977


os trovões enfurecidos nas alturas
assustando os passarinhos lá no céu
e o raio que clareia a noite escura
feito as asas coloridas de um corcel
e as estrelas feito grãos de formosura
espalhadas nos desertos `a revel
desrespeitam a tal lei da gravidade
sempre em nome da harmonia e da beleza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

os vulcões vão vomitando a alma acesa
se arrastam pela terra incandescente
e os rios transbordando as represas
arrebentam as colunas e correntes
e o gado feito peixe sem destreza
vai morrendo sem berrar entre as enchentes
e o vento com mais força e liberdade
vai mostrando suas glórias e proezas
tudo isso é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

eos bichos pequeninos e espertos
a serpente o coelho e a raposa
o cachorro o tatu e os mais alertos
a cigarra a galinha a mariposa
o boi manso o leopardo e mais de perto
come junto a uma ovelha cor-de-rosa
uma hiena sorri com sinceridade
pois assim ela defende a sobremesa
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

e as cidades decadentes mais parecem
cemitérios sem razão só de tristeza
entre escombros simplesmente adormecem
pois a fome é pior que a pobreza
mesmo à noite as cidades se enfurecem
se entorpecem de aromas e torpezas
nas cidades não floresce a piedade
nem o amor se enamora da pureza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza


e os mares os riachos e florestas
viram cinzas no ocidente incendiados
e os magos das moedas fazem festas
se devoram entre si os convidados
e as batalhas mais brutais e desonestas
acontecem nos cenários refinados
acontecem por que vivem da maldade
de orgulho e de vil delicadeza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

e o barulho destas duras engrenagens
dirigindo as cabeças e as mãos
e as falsas tempestades nas folhagens
provocando acidentes e explosões
e o murmúrio das ruas e das margens
e a revolta das escravas multidões
são as formas mais terríveis de verdade
e das tintas mais ocultas da frieza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza


o concerto das marés dos oceanos
nos cenários dos teatros naturais
o enredo de cinemas mais humanos
as orquestras das auroras de cristais
os abismos mais profundos e profanos
das notícias das tevês e dos jornais
são inagens o perfil da humanidade
a linguagem da esperança e da leveza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura natureza

os desenhos das cavernas mais antigas
as cisternas os casebres e os castelos
as estradas as fronteiras inimigas
os fantasmas que habitam os espelhos
nos oásis das formosas bailarinas
os duendes as crianças e os velhos
são os mitos da história e das idades
são os gritos de quem sonha mais nobreza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza


e se todos os poetas do universo
se unissem neste mesmo sentimento
e se juntos escrevessem um só verso
na brancura do imenso firmamento
e se todos os humanos intelectos
se entendessem sem rancor e sofrimento
e apesar da fabulosa infinidade
tudo fosse conhecido com clareza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

tudo isto reunido em um só livro
reescrito nos diversos dialetos
e se tudo em vez de morto fosse vivo
fosse vivo e mais livre e mais concreto
fosse tudo mais moderno e primitivo
sem distâncias o sujeito e o objeto
livro aberto para toda a humanidade
ler em torno dos encantos desta mesa
tudo isto é sinal da realidade
seria tudo cultura e natureza




ooo

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