segunda-feira, 12 de junho de 2006


A CIDADE É UM TEXTO

A cidade é o texto.Um texto veloz, multicolorido , escrito em diversos idiomas e estilos. Textualidade densa ou rarefeita, conforme seja o leitor, a região da página.Texto que se faz e se desfaz a cada momento. Assim como um meteoro, uma estrela cadente. Texto frágil e vulnerável, cuja fragilidade e vulnerabilidade se dissimulam sob mantos de poder, suntuosidade e solidez. O mesmo texto que, em sigilo, guarda o oposto de tudo isto. Nem por essa razão, menos bela e atraente é uma cidade com suas atrações, destratos e distorções de toda a ordem.

O texto-cidade extrapola a brancura das páginas alvejadas de candura. Não raro, é povoado de perversidades, violência, agressões e indiferenças. Ultrapassa os livros de luxo, os mapas sem imaginação com seus territórios demarcados e apropriados pelos mais fortes.Tudo dentro da lei e do sagrado direito da posse.Vai muito além das belas encadernações e das falsas gravuras de mau gosto com suas molduras douradas, fingindo a ouro. Tudo para satisfazer a vaidade e enganar os olhares desatentos.

A cidade-texto é mais, muito mais, do que se mostra através de seus mecanismos organizacionais e institucionais; Mais do que oferecem os equipamentos culturais que nela operam como o rádio, o jornal, a TV, a Internet, o teatro, a biblioteca, as livrarias, o museu, o circo, os parques de exposição, bares, boates e motéis. Nem é necessário citar os “outdoors”, os cartazes, as placas luminosas e os grafites, que tudo salta direto para dentro de nossos olhos ávidos de novidades, gulosos de consumo. Como se vê a cidade-texto é repleta de imagens, figuras, manchas, sombras , buracos, vitrines, anúncios, música, gritos e pregões, risadas e grafismos e grafites de toda a ordem. Aos habitantes da cidade, autores e leitores, cabe um tríplice papel: ser integrante desta paisagem - texto, ser seu ator principal e, ao mesmo tempo, seu intérprete .Por esta posição privilegiada, o ser humano pode interferir e modificar o texto que está sedo escrito continua e coletivamente. E o mais incrível, tudo se presta a leitura, tudo tem sentido e dessentido.Ler é vaguear à solta pelas ruas e praças, pelas avenidas e ruelas esquecidas.Descobrir sempre novos ângulos de visão.Não dividir.Ver o todo nas partes e as partes no todo. É esta a magia da leitura contemporânea. Vem além do visto. Por entre os muros e murmúrios da cidade.Criar novas cidades.Novos mundos imaginários e belos.

Tal a diversidade, a velocidade e ferocidade deste texto-cidade que, quase sempre é feito sem eticidade, sem felicidade. Mas, ao contrário de outros tempos – pelo menos foi assim que aprendi - parece que a felicidade deixou de ser o principal desejo e objetivo do homem em sociedade, da historia da humanidade. Atualmente, busca-se mais o sucesso, o lucro o prazer em detrimento da própria felicidade e da alegria alheia. O outro, quando existe, que se dane! Pelo menos é o que sugere o estado de coisas atual!Desculpe-me, o leitor, se eu estiver errado.!

A esta altura é impossível não pensar em Ítalo Calvino e suas Cidades Invisíveis. Em Pierre Lévy no seu brilhante escrito “Tecnologias Intelectuais e Modos de Conhecer: Nós Somos O Texto”. No caso do texto-cidade, pelo menos somos nós que a ele damos sentido. O texto que segue seu curso , da periferia para o centro, contrariando a lógica usual dos olhares governantes,poderia ser considerado,sem nenhum desprestígio para o autor dele,uma legítima paródia de Levy, citado acima.

É assim que a cidade se mostra e se desdobra aos olhares passeantes. Se for um Olhar de Descoberta, como propõe Lúcia Pimentel Góes, o texto-cidade ou a cidade-texto pode se transfigurar.Deixará de ser simplesmente um conjunto de casas dispostas lado a lado, com veículos em alta velocidade, poluindo e colocando em risco a vida dos transeuntes. Muito menos, a cidade será um território de vândalos vagando pelas ruas gritando, quebrando , pichando, sem falar de atos mais reprováveis social e legalmente.

Vista como texto vivo que se transforma e se abre aos olhos visitantes a cidade - a urbe, a polis – para cumprir sua função de abrigo, de espaço publico e de trocas materiais e simbólicas, espirituais e intelectuais, exige planejamento urbano e adoção de políticas democráticas. Quer dizer, práticas que envolvam a população, a comunidade, as pessoas sem nenhuma forma de discriminação e preconceitos. Sem demagogia nem populismos, pode-se afirmar: a cidade é o povo, o que ele sente, pensa e faz ou deixa de fazer coletivamente.
Daí a necessidade de se investir em projetos que agreguem, que eduquem . que ampliem o universo político-econômico e sócio-cultural da população urbana e rural já que a cidade é a sede do município.Educar para a descoberta, para a cidadania e para a sensibilidade esse deve ser o objetivo desse texto. A educação da sensibilidade, afirma Lúcia Góes, é tão vital quanto o ar que respiramos A sensibilidade deveria estar presente em todas as dimensões do viver. E viver na cidade, hoje, torná-la mais humana e habitável, é o grande desafio que se coloca a todos os seus habitantes.O texto-cidade se move.Brilha. Assusta.Às vezes cega de tanta luz. Mais que o arco-íris.

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