segunda-feira, 12 de junho de 2006

Para se ler e ouvir a dois

Amar é escrever com o corpo. De uma escrita necessária e inadiável. O texto amoroso encharcado de cores, odores, cheiros, ritmos, movimentos, dobras e texturas nem sempre é compreensível à primeira leitura. Às vezes, morre –se, na tentativa frustrada de decifrá-lo. Daí, o sorriso entre lágrimas. O suspiro .O esquecimento. Amar em tempo de fartura é fácil. Difícil e se encharcar de amor, entregar-se por inteiro ao ser amado, quando sopram fortes ventos desfavoráveis e perversos.
Fácil mesmo , no Dia dos Namorados, é mergulhar de cabeça nas vitrines enfeitadas. Admirar as novidades da moda.Comprar um “presentinho” , já que um presentão não cabe no orçamento mensal da maioria dos brasileiros mínimos de salário. Se não se pode comprar tudo, nem à vista, compra-se o que na realidade não poderia, estica o prazo o mais que puder e viva a dívida que o amor é belo. Para aqueles que podem - e quem pode pode, quem não pode se sacode – entopem-se de toda a forma de entorpecentes , isto é, isto é de bens de consumo que, quanto mais supérfluos , melhor. Neste passeio pelo mundo da fantasia param em alguma lanchonete, empanturram-se de refrigerantes e de cachorro quente. Ganham-se , com isso, algumas estrias e uns quilinhos a mais. Como esse movimento é inevitável, devido ao apelo exacerbado da mídia e sua cobrança social, deixo aqui meu convite: amados e amantes, apaixonados e apaixonantes , sentem-se em um canto sossegado do jardim, na praça, ou em sua casa e leiam juntos este manifesto amoroso. Não quero ser chato. Apenas quero compartilhar esta reflexão – e refletir, pensar, não dá câncer nem Aids - sobre esta energia que move o mundo: o amor. Afinal, “toda a maneira d e amar vale a pena”, canta Milton Nascimento. Mas sempre existem formas mais elevadas e sensíveis, mais sofisticadas e sedutoras. Desliguem o celular de capa cintilante, por um instante que seja. Deletem os recadinhos desaforados e idiotas. As piadas grosseiras. A conversa fragmentada pelos econômicos torpedos de três segundos. Desliguem o seu celular vulgar e se liguem no amor.Amor.Amar. Desamar. Desamor. Reamar. Remar contra a maré. Jogar-se no mar, do amor. Comemorar. Enamorar-se do amor. Desmoronar-se frente ao ser amado. Erguer-se.Voar. Que amor não se compra , todos sabemos. Sabemos também que nenhum presente substitui o ato concreto do amor. Amor presente. Esse é o lance.
Amar não é só as alegrias dos finais de semana. Das férias bem planejadas. Das conquistas bem sucedidas.Tem, também, suas fatias de amarguras e enganos, o amor. Não é dom de nascença. De nascimento só se herda o desejo. O instinto , o sonho de encontrar o ser amado. De sem saber para onde e nem para que, seguir mais ou menos no escuro. Herdam-se, também, outros atributos menos favoráveis ao amor perfeito. Se é que amor perfeito não seja apenas nome de flor. Herdam-se o preconceito de raça, de classe, de crença, de fé religiosa, de cor. Todos , na genes do descontentamento.

A beleza não é fundamental, alguém diz tentando enganar-se a si mesmo. Vinícius de Morais teve a coragem de dizer a verdade. Tanto é fundamental que ninguém acha feio a pessoa que ama. Um pequeno defeito aqui. Outro ali. Um nariz meio torto. O queixo curto demais para olhos muito grandes e negros. Ah! se os olhos dele fossem azuis! Se ele não tivesse aquele jeito meio caipira de falar “porita”. Se não falasse errado daquela maneira. “A gente formos” ao baile. Coisas assim cotidianas. Coisas que chateiam, como deixar a escova de dente molhada em cima da pia. O papel higiênico todo desenrolado. Os sapatos no meio da casa. Chi! pior é dormir sem tomar banho com desculpas esfarrapadas como a de que se está cansado. Isso já é demais... não amor que agüente.
Mas, amor, o que significa amar.? Será que todos os casais que passaram de dez, quinze, vinte anos juntos amam-se de verdade , ou só se toleram. Em nome da moral , da honra , dos bons costumes, do bem estar dos filhos, da família, do patrimônio financeiro que precisa aumentar , aumenta, pois, ninguém sabe como será o dia de amanhã! E não se sabe
, ainda bem! Será isso, mesmo, amor?

Amor incondicional? Isso não me parece bom para alma nem para o coração. Seres humanos são, por definição, datados, condicionados, incompletos, frágeis, provisórios. Por isso, buscam o ser amado. Buscam ser amados, entre uma e outra tentativa.Todo amor é condicional. Amor que prende seria amor? Amor que sufoca , seria amor? Tomados por este louco sentimento, todos nos tornamos crianças, perdemos o equilíbrio, o senso. Quem ama ouve vozes inexistentes. Vê fantasmas ao meio dia. Dança com lobos e querubins. Dança sozinho diante do espelho. Canta para as paredes do banheiro. Sentimento assim complexo e profundo não pode ser alimentado por novelas, por músicas bregas, por conversas de “amigas” Fofocas em nada contribuem para o verdadeiro amor. Amor é para o fundo da rede. Entre quatro paredes.Fala por si. Por gestos. Por ações .Palavras quase sempre obscurecem o amor. Ensurdecem o coração. Amor é sinfonia que vem de mais longe do que se imagina. Alimenta o dia-a-dia, mas com ele não se contenta.
“Amar, se aprende amando”, sentencia Drummond, poeta avesso a palavras dóceis, o Namorado da Poesia. Quer dizer, ninguém está pronto para o amor. Todos somos aprendizes dessa arte sem data. Deste sentimento que invade o corpo dos amantes e toma formas de ser e de se comportar em cada etapa da história da humanidade. Em cada etapa da vida de cada pessoa. Em cada situação do relacionamento amoroso. Nenhum amor é tão puro como se alardeia por aí. Todo ato amoroso é travesso, atravessado por interesses e necessidades concretas as quais nem sempre o outro consegue atender ou satisfazer. É essa incompletude e necessidades inesgotáveis que faz o amor encarnar -se em alguém.Que faz nosso corpo se enroscar no corpo do outro e a ele se entregar feito criança indefesa e confiante. Quando o amor acontece venta forte, relampeja, os rios se enchem de água nova. Troveja mais perto de e a enchente lava o que de espúrio e triste ainda subsiste. A ligação é íntima demais.
Daí que dores de amores doem mais. Doem feito dores de morte, de perdas mais absolutas, com uma diferença, estamos vivos e, por isso, a dor do amor passa quando menos se espera. O olhar amante e desejoso campeia a vastidão de semblantes e outro amor instala-se no coração vazio. O coração a espera de outra fera que o habite, ruja nos seus esconderijos mais recônditos e secretos.
Amor é puro mistério. Explica não senhor. Melhor assim é se entregarem e, entre beijos, se esquecerem. Se se pergunta demais, se se fala muito a respeito, pode ser que o amor evapore entre os dedos. Vire fumaça. Faz chorar os olhos mais lindos do mundo. Dia dos namorados, puro zelamento de amor, para se curtir com um bom vinho ao som de um jazz. Se se preferir ao som de uma sinfonia doméstica: copos quebrados, choro de crianças, latido de cachorro, buzina de carro, cheiro de alho, som de televisão.
Amor, palavra que só de se dizer acaricia, maltrata, faz doer o coração. Daí que: amor não necessita de palavras/ menos que o mar / precisa de sal/ amor em silêncio/ mais perdura/ ao amor nada se explica/ por nada se espera no amor/ nada se procura / rima seca / alma rica / o corpo todo na escrita /língua acesa / palavra oculta /amar/ amor /não se define talvez maior loucura. O poeta amante não é um fingidor.O amor é cego, mas nunca um mentiroso.Pode ser. Mas também pode não ser. Se for assim não será, sim senhor, pois, como diz o João, o outro das Gerais namorador de Rosas e abismos imemoriais: "Amor só mente pra dizer maior verdade".

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